Quando os primeiros raios de sol atravessaram as cortinas do quarto, Cássia abriu os olhos devagar. O peso da noite anterior ainda a sufocava. O travesseiro estava úmido, resultado das lágrimas silenciosas que derramou enquanto tentava dormir. Ela não queria se mover. Seu corpo parecia pesado, como se tivesse correntes invisíveis a prendendo ao colchão. Fechou os olhos de novo, desejando, por um instante, que tudo não passasse de um sonho. Mas não era. Charles tinha ido embora. Henrique estava preso. Sua vida tinha virado de cabeça para baixo—de novo. Suspirou fundo e forçou-se a levantar. "Vamos lá, Cássia. Você já passou por coisa pior." Mas, enquanto colocava os pés no chão frio, percebeu que essa era a maior mentira que já havia contado para si. Porque, por mais que tivesse vencido sua batalha contra Henrique, por mais que agora fosse livre, o vazio que Charles deixou, parecia mais difícil de suportar do que qualquer outra coisa. Levantou-se devagar e foi até o espelho. Seu
O dia passou como um borrão para Cássia. Entre ligações para advogados, agentes imobiliários e organizadores de mudança, ela se manteve ocupada o suficiente para não pensar em Charles… Ou pelo menos tentou. James saiu cedo para o trabalho, deixando Molie como sua fiel escudeira na organização de tudo. A amiga não só ajudava com as decisões práticas, como também fazia comentários sarcásticos o tempo todo para aliviar a tensão. — Então você vai mesmo vender essa mansão? — Molie perguntou, sentada no sofá enquanto Cássia discutia com um corretor pelo telefone. — Sim. — Boa escolha. Essa casa tem a energia de um filme de terror de ex-marido. Cássia revirou os olhos e riu baixinho. — Exatamente por isso quero me livrar dela quanto antes. — E a mansão? Tem certeza de que quer voltar para lá? — Sim, claro que sim!. Só de saber que é um lugar onde fui feliz, já me sinto melhor. Molie sorriu. — É isso aí. Você merece recomeçar sem fantasmas do passado. Cássia terminou os últimos det
Nos últimos quatorze dias, a vida de Cássia se transformou em um verdadeiro espetáculo. Antes, era apenas mais um nome entre os milionários da alta sociedade. Agora, era um ícone, a mulher que enganou a morte, desmascarou um criminoso poderoso e saiu vitoriosa. Todos queriam um pedaço de sua história. Os telefones não paravam de tocar. Convites para entrevistas, festas luxuosas e eventos beneficentes lotavam sua agenda. Ela estava nos jornais, nas revistas, nos programas de TV. Seu rosto estampava capas com manchetes dramáticas: "A mulher que voltou dos mortos!", "A socialite que destruiu um império corrupto!", "Cássia Moscovisk: vingança ou justiça?". No começo, tudo aquilo parecia emocionante. As luzes, os aplausos, os elogios constantes… Mas, com o passar dos dias, o brilho começou a perder a intensidade. Ela sorria para as câmeras, mas, quando as luzes se apagavam e os jornalistas iam embora, o vazio tomava conta. Era Charles. Ela podia estar cercada de pessoas, mas nenhuma del
Estacionada do outro lado da rua, Cássia encarava a fachada do restaurante com a testa franzida. O letreiro em tons vibrantes piscava inocentemente: "PIZZA DELIZIOSA". Uma pizzaria italiana comum para qualquer um que passasse por ali. Mas ela sabia melhor. — Ah, claro. Só falta o slogan: "Aqui só vendemos pizza. Nenhum agente secreto foi visto nos fundos". Respirou fundo, ajeitou o cabelo no espelho retrovisor e saiu do carro com determinação. Ela não voaria até aquele lugar só para desistir na porta. Assim que entrou, o cheiro de massa recém-assada e molho de tomate envolveu seus sentidos, e por um breve segundo, esqueceu sua missão. Seu estômago roncou. — Foco, Cássia. Você não veio atrás de carboidratos — murmurou para si. O ambiente era acolhedor, típico de uma cantina italiana: toalhas xadrez, velas derretidas em garrafas de vinho e um garçom que limpava o balcão como se esperasse que algo explodisse a qualquer momento. Ela caminhou até uma mesa vazia e se acomodou, lembran
Quase um mês havia se passado, mas Charles ainda assombrava os pensamentos de Cássia como um fantasma teimoso que se recusava a partir. Não importava o que fizesse—trabalho, festas, entrevistas, compras—ele continuava ali, presente em cada canto da sua mente. Então, numa tentativa desesperada de se livrar daquele sentimento sufocante, ela tomou uma decisão impulsiva: viajar. — Se eu não consigo tirar esse homem da cabeça, talvez consiga afogá-lo no mar do Caribe — murmurou para si mesma enquanto reservava as passagens. E assim, partiu para o paraíso tropical, disposta a aproveitar uma semana de puro relaxamento. Desde o momento em que pousou, foi como se tivesse entrado em um cartão-postal. O mar azul-turquesa brilhava sob o sol escaldante, as areias brancas pareciam açúcar e a brisa carregava um aroma salgado misturado com coco. — Agora sim, uma terapia eficiente. Ela se hospedou em um resort de luxo, onde sua única preocupação era escolher entre um coquetel de frutas ou uma ma
Os dias passavam como um borrão, entre festas, viagens e tentativas frustradas de seguir em frente. Mas, ultimamente, algo a incomodava. Suas roupas estavam mais apertadas, e não era só a sensação de desconforto — era real. Os vestidos elegantes que antes deslizavam perfeitamente pelo seu corpo agora teimavam em prender nos quadris. Os zíperes lutavam para subir, e suas pernas pareciam ter ganhado um volume extra do nada. — Meu Deus, Cássia! O que você está comendo? — exclamou Molie certa noite, enquanto a amiga tentava entrar em um vestido justo. — Ou sou eu ou você está mais... cheia? Cássia bufou, tentando puxar o zíper que insistia em não fechar. — Muito obrigada, Molie! Era exatamente esse tipo de comentário que eu precisava hoje. A verdade é que ela não estava comendo muito, muito menos se entupindo de doces ou algo assim. O apetite andava irregular, e se tinha algo que ela não estava fazendo era viver uma vida regrada e saudável. O que estava acontecendo com seu corpo? N
Seis meses se passaram, e Cássia ainda não conseguia acreditar totalmente no que estava acontecendo. Ela estava grávida. Seis meses. Mas… onde estava a barriga? Era uma pergunta que a atormentava todas as manhãs diante do espelho. Ela esperava ver aquela curva crescente, a prova definitiva da vida que carregava dentro de si. Mas, ao invés disso, nada. Quer dizer, seu peso estava aumentando. Suas pernas estavam mais grossas, seus quadris mais largos, seus seios mais pesados. Mas nenhuma barriga de grávida. — Que diabos está acontecendo comigo? — murmurou para si, girando para o lado e para o outro no espelho, tentando encontrar qualquer sinal de uma protuberância. Ela já tinha ouvido falar de mulheres que demoravam a exibir a barriga, mas seis meses? Seis?! Molie, sua melhor amiga, não ajudava muito na situação. — Tem certeza que não é um problema hormonal, Cássia? — perguntou ela, franzindo a testa enquanto a observava de cima a baixo. — Os exames confirmam a gravidez, Molie.
O escritório da Agência Escondida sob a "Pizza Deliziosa" virou um verdadeiro caos assim que a mensagem em código morse de Lamartine chegou. Alguns agentes corriam para se preparar para a missão de resgate.Com a tensão evidente em seu rosto, o chefe da operação, um homem de terno impecável e uma expressão de quem não dormia há três dias, pegou seu telefone e discou um número. Seus olhos brilhavam com a urgência da situação. — Boris, lembra daquele favor que você me deve? — Sua voz soou séria, quase ameaçadora. Do outro lado da linha, uma voz carregada de um forte sotaque russo respondeu: — Se for para esconder um corpo, eu cobro extra. — Se fosse para esconder um corpo, eu ligaria para sua mãe. Preciso de informações. O russo riu. Uma risada curta, desconfiada. — Quem você está tentando salvar desta vez? — Charles Lamartine. O silêncio do outro lado foi quase ensurdecedor. — Se ele está pedindo ajuda, a coisa está feia. Vou ver o que consigo. O chefe desligou sem se despedi