Depois do jantar, todos se recolheram aos seus quartos. O silêncio tomou conta da casa, mas, para Cássia, o descanso parecia impossível. Deitada na enorme cama, seus olhos fixavam o teto, mas sua mente vagava. Charles. Desde que ele desapareceu naquela noite, seu coração não encontrou sossego. Ela se virou para o lado, depois para o outro, e finalmente desistiu de tentar dormir. Levantando-se, caminhou até a sacada de seu quarto, que dava vista para o jardim iluminado pela luz fraca dos postes. Dois agentes estavam lá fora, vigiando a casa, atentos a qualquer movimento suspeito. Foi então que ela viu. Um carro surgiu na estrada escura, aproximando-se em ritmo constante até parar diante dos agentes. A porta se abriu, e um homem saiu. Charles. O coração de Cássia acelerou de imediato. Mesmo sob a pouca iluminação, ela reconheceria aquele porte em qualquer lugar. Alto, imponente, mas com uma postura sempre tranquila. Ele trocou algumas palavras rápidas com os agentes, mas, assim q
Charles se foi. Ele simplesmente entrou naquele carro e desapareceu na escuridão, levando com ele algo que Cássia nem sabia que lhe pertencia: a própria paz. Ela ficou ali, parada na soleira da porta, os olhos fixos no vazio da estrada, como se, por um milagre, ele pudesse voltar. Mas tudo o que restou foi o som distante do motor se dissolvendo na noite e o peso esmagador da ausência dele. — Algum problema, senhora? A voz grave de um dos agentes a trouxe de volta à realidade. Cássia piscou algumas vezes, tentando se situar, e apenas balançou a cabeça em um gesto silencioso de negação. Mas era mentira. Tinha um problema. O problema era que Charles havia ido embora. Com um suspiro pesado, ela fechou a porta, girou a chave devagar e se virou, caminhando com passos lentos e arrastados de volta para o quarto. Cada passo parecia mais pesado que o outro, como se um peso invisível a puxasse para baixo. Ao entrar no quarto, ela nem se preocupou em acender as luzes. Apenas seguiu até a
Quando os primeiros raios de sol atravessaram as cortinas do quarto, Cássia abriu os olhos devagar. O peso da noite anterior ainda a sufocava. O travesseiro estava úmido, resultado das lágrimas silenciosas que derramou enquanto tentava dormir. Ela não queria se mover. Seu corpo parecia pesado, como se tivesse correntes invisíveis a prendendo ao colchão. Fechou os olhos de novo, desejando, por um instante, que tudo não passasse de um sonho. Mas não era. Charles tinha ido embora. Henrique estava preso. Sua vida tinha virado de cabeça para baixo—de novo. Suspirou fundo e forçou-se a levantar. "Vamos lá, Cássia. Você já passou por coisa pior." Mas, enquanto colocava os pés no chão frio, percebeu que essa era a maior mentira que já havia contado para si. Porque, por mais que tivesse vencido sua batalha contra Henrique, por mais que agora fosse livre, o vazio que Charles deixou, parecia mais difícil de suportar do que qualquer outra coisa. Levantou-se devagar e foi até o espelho. Seu
O dia passou como um borrão para Cássia. Entre ligações para advogados, agentes imobiliários e organizadores de mudança, ela se manteve ocupada o suficiente para não pensar em Charles… Ou pelo menos tentou. James saiu cedo para o trabalho, deixando Molie como sua fiel escudeira na organização de tudo. A amiga não só ajudava com as decisões práticas, como também fazia comentários sarcásticos o tempo todo para aliviar a tensão. — Então você vai mesmo vender essa mansão? — Molie perguntou, sentada no sofá enquanto Cássia discutia com um corretor pelo telefone. — Sim. — Boa escolha. Essa casa tem a energia de um filme de terror de ex-marido. Cássia revirou os olhos e riu baixinho. — Exatamente por isso quero me livrar dela quanto antes. — E a mansão? Tem certeza de que quer voltar para lá? — Sim, claro que sim!. Só de saber que é um lugar onde fui feliz, já me sinto melhor. Molie sorriu. — É isso aí. Você merece recomeçar sem fantasmas do passado. Cássia terminou os últimos det
Nos últimos quatorze dias, a vida de Cássia se transformou em um verdadeiro espetáculo. Antes, era apenas mais um nome entre os milionários da alta sociedade. Agora, era um ícone, a mulher que enganou a morte, desmascarou um criminoso poderoso e saiu vitoriosa. Todos queriam um pedaço de sua história. Os telefones não paravam de tocar. Convites para entrevistas, festas luxuosas e eventos beneficentes lotavam sua agenda. Ela estava nos jornais, nas revistas, nos programas de TV. Seu rosto estampava capas com manchetes dramáticas: "A mulher que voltou dos mortos!", "A socialite que destruiu um império corrupto!", "Cássia Moscovisk: vingança ou justiça?". No começo, tudo aquilo parecia emocionante. As luzes, os aplausos, os elogios constantes… Mas, com o passar dos dias, o brilho começou a perder a intensidade. Ela sorria para as câmeras, mas, quando as luzes se apagavam e os jornalistas iam embora, o vazio tomava conta. Era Charles. Ela podia estar cercada de pessoas, mas nenhuma del
Estacionada do outro lado da rua, Cássia encarava a fachada do restaurante com a testa franzida. O letreiro em tons vibrantes piscava inocentemente: "PIZZA DELIZIOSA". Uma pizzaria italiana comum para qualquer um que passasse por ali. Mas ela sabia melhor. — Ah, claro. Só falta o slogan: "Aqui só vendemos pizza. Nenhum agente secreto foi visto nos fundos". Respirou fundo, ajeitou o cabelo no espelho retrovisor e saiu do carro com determinação. Ela não voaria até aquele lugar só para desistir na porta. Assim que entrou, o cheiro de massa recém-assada e molho de tomate envolveu seus sentidos, e por um breve segundo, esqueceu sua missão. Seu estômago roncou. — Foco, Cássia. Você não veio atrás de carboidratos — murmurou para si. O ambiente era acolhedor, típico de uma cantina italiana: toalhas xadrez, velas derretidas em garrafas de vinho e um garçom que limpava o balcão como se esperasse que algo explodisse a qualquer momento. Ela caminhou até uma mesa vazia e se acomodou, lembran
Quase um mês havia se passado, mas Charles ainda assombrava os pensamentos de Cássia como um fantasma teimoso que se recusava a partir. Não importava o que fizesse—trabalho, festas, entrevistas, compras—ele continuava ali, presente em cada canto da sua mente. Então, numa tentativa desesperada de se livrar daquele sentimento sufocante, ela tomou uma decisão impulsiva: viajar. — Se eu não consigo tirar esse homem da cabeça, talvez consiga afogá-lo no mar do Caribe — murmurou para si mesma enquanto reservava as passagens. E assim, partiu para o paraíso tropical, disposta a aproveitar uma semana de puro relaxamento. Desde o momento em que pousou, foi como se tivesse entrado em um cartão-postal. O mar azul-turquesa brilhava sob o sol escaldante, as areias brancas pareciam açúcar e a brisa carregava um aroma salgado misturado com coco. — Agora sim, uma terapia eficiente. Ela se hospedou em um resort de luxo, onde sua única preocupação era escolher entre um coquetel de frutas ou uma ma
Os dias passavam como um borrão, entre festas, viagens e tentativas frustradas de seguir em frente. Mas, ultimamente, algo a incomodava. Suas roupas estavam mais apertadas, e não era só a sensação de desconforto — era real. Os vestidos elegantes que antes deslizavam perfeitamente pelo seu corpo agora teimavam em prender nos quadris. Os zíperes lutavam para subir, e suas pernas pareciam ter ganhado um volume extra do nada. — Meu Deus, Cássia! O que você está comendo? — exclamou Molie certa noite, enquanto a amiga tentava entrar em um vestido justo. — Ou sou eu ou você está mais... cheia? Cássia bufou, tentando puxar o zíper que insistia em não fechar. — Muito obrigada, Molie! Era exatamente esse tipo de comentário que eu precisava hoje. A verdade é que ela não estava comendo muito, muito menos se entupindo de doces ou algo assim. O apetite andava irregular, e se tinha algo que ela não estava fazendo era viver uma vida regrada e saudável. O que estava acontecendo com seu corpo? N