Era o primeiro dia do semestre letivo. O professor Miguel acordara bem cedo a fim de organizar seus materiais para recepcionar os alunos no primeiro dia de aula.
— Pasta? Ok. Livros? Ok. Computador? Ok. É, acho que não falta nada para hoje... — Espera! — Amor, onde estão minhas canetas pretas? — disse Miguel à sua esposa. — Estão na primeira gaveta da cômoda, Miguel! — Você não encontra nada! Me pergunta tudo! — disse Sarah rispidamente. Miguel tentou ignorar a grosseria da esposa, mas lembrou que isso já havia se tornado rotina. Há seis meses, eles não se deitavam como um casal, brigavam todos os dias e não entravam em acordo sobre nada. A verdade é que o peso de vinte anos de casamento começava a se instaurar na relação dos dois. Sem filhos e bem-sucedidos, as pessoas de fora os consideravam um casal perfeito e sem problemas — algo totalmente fora da realidade deles. Vinte anos se passaram, mas eles continuavam os mesmos. Miguel tinha um espírito aventureiro que, quando mais jovem, o levou a ser mochileiro e a viajar por toda a América Latina. Ele participava de várias festas e excursões. Era incansável. Sarah, por sua vez, sempre fora mais reservada e tímida. Uma mulher considerada elegante e madura pelos outros, mas que, para o marido, tornara-se monótona e previsível. Era o primeiro dia de aula dos calouros do curso de Psicologia. Miguel, professor universitário há vários anos, já estava cansado de qualquer início de semestre letivo. Para ele, era sempre a mesma coisa: muito trabalho e o tédio de ter que conhecer rostos novos novamente. Mas não desta vez. Desta vez, não parecia entediante. No meio da aula, do outro lado da sala, ele avistou uma aluna nova: morena de cabelos longos, estatura média, pele bronzeada. Olhos grandes e brilhantes, como se estivesse realmente interessada no que ele explicava. Seu olhar era curioso, demonstrava que queria estar ali. Miguel imaginou que ela deveria ter cerca de vinte e cinco anos, um pouco mais velha que a maioria dos colegas da turma. Bonita. Muito bonita. A atração foi instantânea. O jeito como ela se movimentava o instigava. Uma sutileza feminina misturada a uma postura intelectual séria, em perfeita combinação — nenhuma de suas características marcantes se perdia, apenas se complementavam. Quem é esta mulher? — ficou se perguntando. Em meio aos devaneios, Miguel lembrou-se de sua posição como professor, da hierarquia que exercia e do papel de marido que precisava manter. "Não se trata apenas de repressão de desejos", pensou. Afinal, ele tinha total consciência de que a imagem que construíra na universidade seria cruelmente destruída caso ultrapassasse quaisquer limites. Mas ele ainda estava curioso sobre ela. Foi quando disse: — A Psicologia nos ensina que nem sempre controlamos nossas emoções. Muitas vezes, lutamos contra elas, tentando suprimir aquilo que não deveríamos sentir. Mas o que acontece quando o desejo ultrapassa os limites da razão? Ele queria ver a reação dela ao que dissera. Será que ela o notou? Será que se atraiu por ele da mesma forma? Será que essa mulher estaria pensando o mesmo que ele? Ele não parava de pensar. Foi então que, olhando a lista de chamada, descobriu seu nome: Helena. Quem é Helena? Eu vou descobrir! — pensou.Naquela semana, Helena tentou se concentrar em seus estudos, mas Miguel continuava a povoar seus pensamentos. Cada aula era uma nova batalha entre razão e desejo. Ela queria ignorar os olhares, queria evitar o magnetismo dele, mas algo dentro dela ansiava por mais. Sabia que era perigoso, sabia que não deveria nutrir sentimentos por ele, mas era inevitável.Na quinta-feira, ao chegar à universidade, sentiu o coração disparar ao ver Miguel encostado na porta da sala, conversando com um colega. Ele usava uma camisa azul clara dobrada até os cotovelos e segurava um livro na mão. Parecia distraído, mas assim que seus olhos cruzaram com os dela, houve um instante de hesitação.Ela desviou o olhar rapidamente, mas sabia que ele a observara. Fingindo naturalidade, caminhou até seu lugar habitual e se sentou. O barulho ao redor da sala era uma mistura de vozes animadas e papéis sendo folheados. Mas tudo se silenciou quando Miguel se aproximou, colocando o livro sobre a mesa.Hoje vamos falar
Miguel não conseguia tirar Helena da cabeça. A inteligência afiada daquela aluna, sua audácia e maneira destemida de encará-lo o deixavam intrigado. Ele já havia encontrado alunos brilhantes ao longo dos anos, mas Helena era diferente. Havia nela algo que desafiava seu autocontrole, que o fazia se perguntar até onde aquilo poderia levá-lo.Naquela noite, ao chegar em casa, Miguel encontrou Sarah de pé na cozinha, os braços cruzados e o olhar carregado de impaciência. Ele percebeu de imediato que uma discussão se aproximava. Nos últimos meses, os dois não conseguiam trocar mais do que algumas palavras sem que algo se tornasse motivo para brigas.- Você chegou tarde de novo — disse Sarah, sem rodeios.- Tive muito trabalho na universidade — respondeu ele, cansado. Ele não queria brigar, mas sabia que, como sempre, Sarah insistiria.-Sempre tem muito trabalho na universidade, Miguel! Mas nunca parece cansado demais para se perder nos seus pensamentos. O que é? Alguma nova distração?Ele
Naquela noite, Miguel foi para a biblioteca do escritório, um refúgio que antes o acalmava, mas que agora parecia sufocá-lo. Pegou um livro qualquer da estante, tentando forçar sua mente a se concentrar em algo que não fosse Helena ou a briga com Sarah. Mas era inútil.Lembrou-se do olhar penetrante de Helena durante a aula. A maneira como ela desafiava suas ideias sem medo, como absorvia cada conceito com uma curiosidade quase voraz. Não era apenas sua beleza que o atraía—era sua mente afiada, sua ousadia. Ela era diferente de todas as alunas que já tivera.Um som suave ecoou pela casa: a porta do quarto se fechando. Sarah havia se recolhido. Ele sabia que deveria ir até lá, que deveria tentar consertar as coisas. Mas a distância entre eles parecia insuperável.Miguel suspirou e abriu seu laptop. Havia recebido um e-mail de um colega da universidade sobre um congresso, mas sua atenção foi desviada por outro nome na caixa de entrada: Helena.Seu coração bateu mais rápido.O e-mail era
Naquela tarde, após o término da aula, Helena recolhia suas coisas com calma quando ouviu a voz grave de Miguel chamando seu nome.- Helena, poderia ficar um momento? Gostaria de conversar com você.Ela sentiu o coração acelerar e trocou um olhar breve com Clara antes de se virar para encarar Miguel, que agora se aproximava com uma expressão serena, mas carregada de intenções ocultas.- Claro, professor — respondeu, tentando soar tranquila.Os poucos alunos que restavam na sala foram saindo, e logo Helena estava sozinha com ele. Miguel se encostou na mesa e cruzou os braços, observando-a atentamente antes de finalmente falar.- Tenho acompanhado seu desempenho nas aulas e notei que você tem um olhar analítico muito apurado. Sua participação nas discussões sempre traz reflexões interessantes. Você já pensou em aprofundar seus estudos na área de psicanálise?No primeiro dia de atendimento, Helena sentia um misto de ansiedade e responsabilidade. Estava sentada em frente à sua primeira pa
Era o primeiro dia de atendimento, Helena sentia um misto de ansiedade e responsabilidade. Estava sentada em frente à sua primeira paciente, uma mulher de trinta e cinco anos chamada Patrícia. Com os olhos baixos e os dedos entrelaçados no colo, Patrícia parecia hesitante em começar a falar. O silêncio inicial foi quebrado por sua voz trêmula.- Eu sei que fui errada… — ela começou, a voz quase sumindo. — Eu o traí. Eu não deveria ter feito isso. Se eu tivesse sido uma esposa melhor, ele não teria ficado tão bravo.Helena respirou fundo, mantendo um tom de voz calmo e acolhedor.- Você sente que a culpa pela reação dele é sua? — perguntou, cuidadosamente.Patrícia assentiu, mordendo o lábio inferior.- Claro que é. Eu quebrei a confiança dele, destruí nossa família… Ele sempre foi um bom marido. Não era carinhoso, mas… pagava as contas, nunca deixou faltar nada para os nossos filhos. Eu fui fraca… e agora estou pagando por isso.Helena observou atentamente o peso da culpa em cada pala
Helena respirou fundo antes de entrar na sala de aula. O corredor estava silencioso, exceto pelo eco de seus próprios passos no piso de mármore polido. Ela sentia uma mistura de ansiedade e excitação, como sempre acontecia antes das aulas do professor Miguel Schutz. Era um nome que já circulava pelos corredores da universidade com um misto de respeito e admiração. Além de brilhante, sua presença magnética tornava impossível ignorá-lo.Ao cruzar a porta, Helena procurou um lugar entre as fileiras de cadeiras já quase preenchidas. Não queria sentar-se nem muito na frente, onde poderia ser encarada diretamente por Miguel, nem tão atrás, onde não teria uma visão privilegiada dele. Escolheu uma posição estratégica no meio da sala. Ajustou os óculos e abriu seu caderno, como se estivesse preparada para anotar cada palavra dita, mas, na verdade, era a figura à frente que monopolizava sua atenção.Miguel Schutz já estava lá, encostado na mesa de madeira, os braços cruzados sobre o peito e a e