Naquela noite, Miguel foi para a biblioteca do escritório, um refúgio que antes o acalmava, mas que agora parecia sufocá-lo. Pegou um livro qualquer da estante, tentando forçar sua mente a se concentrar em algo que não fosse Helena ou a briga com Sarah. Mas era inútil.
Lembrou-se do olhar penetrante de Helena durante a aula. A maneira como ela desafiava suas ideias sem medo, como absorvia cada conceito com uma curiosidade quase voraz. Não era apenas sua beleza que o atraía—era sua mente afiada, sua ousadia. Ela era diferente de todas as alunas que já tivera.
Um som suave ecoou pela casa: a porta do quarto se fechando. Sarah havia se recolhido. Ele sabia que deveria ir até lá, que deveria tentar consertar as coisas. Mas a distância entre eles parecia insuperável.
Miguel suspirou e abriu seu laptop. Havia recebido um e-mail de um colega da universidade sobre um congresso, mas sua atenção foi desviada por outro nome na caixa de entrada: Helena.
Seu coração bateu mais rápido.
O e-mail era curto e direto:
Assunto: Reflexões sobre a aula de hoje
"Professor Miguel,
Sua aula de hoje foi instigante. O tema do desejo e da razão me deixou pensando. Será que realmente conseguimos reprimir tudo aquilo que não devemos sentir? Ou a repressão apenas aumenta a intensidade do desejo?
Aguardo ansiosamente sua próxima aula.
Atenciosamente, Helena"
Miguel passou os olhos pelo texto mais uma vez, sentindo um arrepio percorrer sua espinha. Ele sabia que era apenas um e-mail acadêmico, mas as entrelinhas pareciam lhe dizer muito mais.
Ele deveria ignorar. Deveria tratá-la como qualquer outra aluna. Mas, ao invés disso, seus dedos pairaram sobre o teclado, hesitantes.
Por fim, respirou fundo e respondeu.
Assunto: Re: Reflexões sobre a aula de hoje
"Helena,
Fico feliz que tenha gostado da discussão. A repressão pode, de fato, intensificar o desejo, mas cabe a nós definir se o desejo deve ser alimentado ou contido.
Nos vemos na próxima aula.
Atenciosamente, Prof. Miguel"
Ele hesitou antes de apertar "enviar". Quando finalmente o fez, sentiu como se tivesse cruzado um limiar invisível.
Aquela troca de mensagens era inocente, mas carregava um peso que ambos sentiam. E Miguel não podia mais negar para si mesmo que havia algo ali.
Algo perigoso.
Algo irresistível.
Na manhã seguinte, Helena chegou mais cedo à universidade. O sol ainda não havia aquecido completamente o campus, e o ar fresco parecia carregar consigo a promessa de um dia repleto de novas emoções. Ela encontrou sua amiga Clara sentada sob uma árvore, folheando desinteressadamente um livro.
- Você não vai acreditar no que aconteceu ontem — Helena disse, sentando-se ao lado da amiga, sentindo o coração bater mais forte ao lembrar-se de cada detalhe da interação com Miguel.
Clara ergueu os olhos do livro e arqueou uma sobrancelha.
- Deixa eu adivinhar. Tem a ver com o seu professor irresistível?
Helena suspirou e apoiou o queixo nas mãos.
- Ele falou comigo depois da aula, Clara. E do jeito que ele olhou para mim... eu juro que tinha algo ali.
Clara revirou os olhos e soltou um suspiro.
- Helena, eu já te disse. Isso é perigoso. Ele é casado. Sem contar que ele é seu professor. Você sabe no que está se metendo?
- Eu sei... ou pelo menos deveria saber — disse Helena suspirando . — Mas, ao mesmo tempo, não consigo evitar. É como se ele me desafiasse sem precisar dizer nada diretamente. Só com o olhar, com as palavras...
Clara fechou o livro com um estalo e se virou completamente para a amiga.
- Você acha que ele sente o mesmo?
Helena hesitou por um momento. A pergunta ecoou em sua mente, misturando-se às lembranças da aula, do jeito como Miguel a analisou, da tensão quase palpável entre os dois.
- Eu não sei. Mas se ele sente, então estamos pisando num terreno ainda mais perigoso.
Antes que Clara pudesse responder, o sino tocou anunciando o início das aulas. Helena se despediu rapidamente e seguiu para a sala. Ao entrar, sentiu um arrepio percorrer sua espinha ao encontrar Miguel já posicionado diante da turma, as mãos apoiadas sobre a mesa, o olhar sério, mas, ao mesmo tempo, cheio de uma intensidade que parecia reservada apenas para ela.
A aula começou com discussões sobre teorias psicológicas, mas Helena mal conseguia se concentrar. Seu coração acelerou quando Miguel fez uma pergunta direta à turma:
- Existe uma linha clara entre o desejo e a razão, ou será que, em determinadas circunstâncias, essa linha pode se tornar tênue, quase imperceptível?
Por um segundo, Helena teve certeza de que a pergunta não era apenas acadêmica. Seu olhar encontrou o de Miguel, e, naquele instante, nada mais existia além deles dois.
Naquela tarde, após o término da aula, Helena recolhia suas coisas com calma quando ouviu a voz grave de Miguel chamando seu nome.- Helena, poderia ficar um momento? Gostaria de conversar com você.Ela sentiu o coração acelerar e trocou um olhar breve com Clara antes de se virar para encarar Miguel, que agora se aproximava com uma expressão serena, mas carregada de intenções ocultas.- Claro, professor — respondeu, tentando soar tranquila.Os poucos alunos que restavam na sala foram saindo, e logo Helena estava sozinha com ele. Miguel se encostou na mesa e cruzou os braços, observando-a atentamente antes de finalmente falar.- Tenho acompanhado seu desempenho nas aulas e notei que você tem um olhar analítico muito apurado. Sua participação nas discussões sempre traz reflexões interessantes. Você já pensou em aprofundar seus estudos na área de psicanálise?No primeiro dia de atendimento, Helena sentia um misto de ansiedade e responsabilidade. Estava sentada em frente à sua primeira pa
Era o primeiro dia de atendimento, Helena sentia um misto de ansiedade e responsabilidade. Estava sentada em frente à sua primeira paciente, uma mulher de trinta e cinco anos chamada Patrícia. Com os olhos baixos e os dedos entrelaçados no colo, Patrícia parecia hesitante em começar a falar. O silêncio inicial foi quebrado por sua voz trêmula.- Eu sei que fui errada… — ela começou, a voz quase sumindo. — Eu o traí. Eu não deveria ter feito isso. Se eu tivesse sido uma esposa melhor, ele não teria ficado tão bravo.Helena respirou fundo, mantendo um tom de voz calmo e acolhedor.- Você sente que a culpa pela reação dele é sua? — perguntou, cuidadosamente.Patrícia assentiu, mordendo o lábio inferior.- Claro que é. Eu quebrei a confiança dele, destruí nossa família… Ele sempre foi um bom marido. Não era carinhoso, mas… pagava as contas, nunca deixou faltar nada para os nossos filhos. Eu fui fraca… e agora estou pagando por isso.Helena observou atentamente o peso da culpa em cada pala
Helena respirou fundo antes de entrar na sala de aula. O corredor estava silencioso, exceto pelo eco de seus próprios passos no piso de mármore polido. Ela sentia uma mistura de ansiedade e excitação, como sempre acontecia antes das aulas do professor Miguel Schutz. Era um nome que já circulava pelos corredores da universidade com um misto de respeito e admiração. Além de brilhante, sua presença magnética tornava impossível ignorá-lo.Ao cruzar a porta, Helena procurou um lugar entre as fileiras de cadeiras já quase preenchidas. Não queria sentar-se nem muito na frente, onde poderia ser encarada diretamente por Miguel, nem tão atrás, onde não teria uma visão privilegiada dele. Escolheu uma posição estratégica no meio da sala. Ajustou os óculos e abriu seu caderno, como se estivesse preparada para anotar cada palavra dita, mas, na verdade, era a figura à frente que monopolizava sua atenção.Miguel Schutz já estava lá, encostado na mesa de madeira, os braços cruzados sobre o peito e a e
Era o primeiro dia do semestre letivo. O professor Miguel acordara bem cedo a fim de organizar seus materiais para recepcionar os alunos no primeiro dia de aula.— Pasta? Ok. Livros? Ok. Computador? Ok. É, acho que não falta nada para hoje...— Espera!— Amor, onde estão minhas canetas pretas? — disse Miguel à sua esposa.— Estão na primeira gaveta da cômoda, Miguel!— Você não encontra nada! Me pergunta tudo! — disse Sarah rispidamente.Miguel tentou ignorar a grosseria da esposa, mas lembrou que isso já havia se tornado rotina. Há seis meses, eles não se deitavam como um casal, brigavam todos os dias e não entravam em acordo sobre nada.A verdade é que o peso de vinte anos de casamento começava a se instaurar na relação dos dois. Sem filhos e bem-sucedidos, as pessoas de fora os consideravam um casal perfeito e sem problemas — algo totalmente fora da realidade deles.Vinte anos se passaram, mas eles continuavam os mesmos.Miguel tinha um espírito aventureiro que, quando mais jovem,
Naquela semana, Helena tentou se concentrar em seus estudos, mas Miguel continuava a povoar seus pensamentos. Cada aula era uma nova batalha entre razão e desejo. Ela queria ignorar os olhares, queria evitar o magnetismo dele, mas algo dentro dela ansiava por mais. Sabia que era perigoso, sabia que não deveria nutrir sentimentos por ele, mas era inevitável.Na quinta-feira, ao chegar à universidade, sentiu o coração disparar ao ver Miguel encostado na porta da sala, conversando com um colega. Ele usava uma camisa azul clara dobrada até os cotovelos e segurava um livro na mão. Parecia distraído, mas assim que seus olhos cruzaram com os dela, houve um instante de hesitação.Ela desviou o olhar rapidamente, mas sabia que ele a observara. Fingindo naturalidade, caminhou até seu lugar habitual e se sentou. O barulho ao redor da sala era uma mistura de vozes animadas e papéis sendo folheados. Mas tudo se silenciou quando Miguel se aproximou, colocando o livro sobre a mesa.Hoje vamos falar
Miguel não conseguia tirar Helena da cabeça. A inteligência afiada daquela aluna, sua audácia e maneira destemida de encará-lo o deixavam intrigado. Ele já havia encontrado alunos brilhantes ao longo dos anos, mas Helena era diferente. Havia nela algo que desafiava seu autocontrole, que o fazia se perguntar até onde aquilo poderia levá-lo.Naquela noite, ao chegar em casa, Miguel encontrou Sarah de pé na cozinha, os braços cruzados e o olhar carregado de impaciência. Ele percebeu de imediato que uma discussão se aproximava. Nos últimos meses, os dois não conseguiam trocar mais do que algumas palavras sem que algo se tornasse motivo para brigas.- Você chegou tarde de novo — disse Sarah, sem rodeios.- Tive muito trabalho na universidade — respondeu ele, cansado. Ele não queria brigar, mas sabia que, como sempre, Sarah insistiria.-Sempre tem muito trabalho na universidade, Miguel! Mas nunca parece cansado demais para se perder nos seus pensamentos. O que é? Alguma nova distração?Ele