Naquela semana, Helena tentou se concentrar em seus estudos, mas Miguel continuava a povoar seus pensamentos. Cada aula era uma nova batalha entre razão e desejo. Ela queria ignorar os olhares, queria evitar o magnetismo dele, mas algo dentro dela ansiava por mais. Sabia que era perigoso, sabia que não deveria nutrir sentimentos por ele, mas era inevitável.
Na quinta-feira, ao chegar à universidade, sentiu o coração disparar ao ver Miguel encostado na porta da sala, conversando com um colega. Ele usava uma camisa azul clara dobrada até os cotovelos e segurava um livro na mão. Parecia distraído, mas assim que seus olhos cruzaram com os dela, houve um instante de hesitação.
Ela desviou o olhar rapidamente, mas sabia que ele a observara. Fingindo naturalidade, caminhou até seu lugar habitual e se sentou. O barulho ao redor da sala era uma mistura de vozes animadas e papéis sendo folheados. Mas tudo se silenciou quando Miguel se aproximou, colocando o livro sobre a mesa.
Hoje vamos falar sobre transferência e contratransferência - anunciou. - Conceitos fundamentais na psicologia, especialmente na relação entre terapeuta e paciente.
Ele passou os olhos pela turma, mas por um breve instante parou em Helena. Ela sentiu um arrepio percorrer sua espinha. A aula prosseguiu, mas a tensão entre os dois era quase palpável. Helena sabia que ele estava falando com todos, mas sentia como se cada palavra fosse direcionada a ela.
A transferência ocorre quando projetamos nossos sentimentos e desejos em alguém que representa uma figura importante de nossa vida - continuou Miguel. - Pode ser um professor, um terapeuta... ou qualquer pessoa que exerça uma certa autoridade sobre nós.
Helena prendeu a respiração. Seu rosto esquentou, e ela arriscou olhar para Miguel. Ele não a encarava diretamente, mas seus dedos deslizavam distraidamente sobre a borda do livro, um gesto quase inconsciente. Seria um reflexo da própria tensão que ele sentia?
Quando a aula terminou, Helena sentiu suas pernas trêmulas ao se levantar. Estava prestes a sair quando Miguel a chamou:
- Helena.
Ela virou-se devagar, sentindo o coração acelerar. Miguel segurava um papel na mão e estendeu para ela.
- Um artigo que pode te interessar - disse ele, a voz calma, mas os olhos indecifráveis.
Ela pegou o papel, os dedos roçando levemente os dele. O toque foi rápido, mas carregado de eletricidade. Seus olhos se encontraram por um instante longo demais.
- Obrigada, professor - murmurou.Ele assentiu, mas não disse nada. Apenas a observou enquanto ela saía da sala, sentindo-se como se tivesse acabado de cruzar um limiar invisível.
Do lado de fora, Helena abriu o papel. Era um artigo sobre desejo reprimido e suas consequências psicológicas. Ela fechou os olhos e suspirou. Miguel estava tentando lhe dizer algo?
A cada dia, ficava mais claro: aquela história estava longe de terminar.
No dia seguinte, Helena decidiu testar os limites. Chegou à aula mais cedo e escolheu um assento na primeira fila. Quando Miguel entrou, seu olhar a encontrou de imediato. Ele hesitou por um instante antes de iniciar a aula, mas logo retomou sua postura profissional.
Desta vez, Helena não desviou o olhar. Quando ele falava, ela sustentava sua atenção nele de forma intensa, como se desafiasse a si mesma e a ele. Miguel parecia desconfortável, mas não desviava os olhos dela por muito tempo. Havia um jogo sendo jogado ali, e Helena estava determinada a descobrir até onde poderiam ir.
Após a aula, ela não saiu imediatamente. Esperou que a sala esvaziasse e, então, aproximou-se da mesa de Miguel.
- O artigo foi interessante - disse ela, sua voz mais firme do que esperava. - Mas acho que ainda há muito a ser explorado sobre o desejo reprimido.
Miguel a olhou por um longo momento antes de responder. Seu rosto era uma máscara de calma, mas algo em seu olhar revelava que ele entendia exatamente o que ela estava insinuando.
- O desejo pode ser um campo perigoso, Helena - disse ele, recolhendo seus papéis. - Especialmente quando ignoramos seus limites.
Ela sorriu de lado.
- Então, devemos testá-los?
Miguel não conseguiu esconder o impacto daquelas palavras. Ele sempre soube que Helena era inteligente, mas a audácia dela o surpreendeu. Poucas pessoas teriam coragem de confrontá-lo daquela maneira, ainda mais com tamanho controle. Era um jogo que ele não sabia se deveria ou poderia jogar.
O silêncio entre os dois foi carregado de tensão. Helena sentiu seu coração acelerar enquanto esperava uma resposta, mas Miguel apenas sorriu de leve, pegou sua pasta e saiu sem dizer mais nada.
Ela observou a porta se fechar atrás dele, sentindo um arrepio percorrer seu corpo. Aquela história estava apenas começando.
Miguel não conseguia tirar Helena da cabeça. A inteligência afiada daquela aluna, sua audácia e maneira destemida de encará-lo o deixavam intrigado. Ele já havia encontrado alunos brilhantes ao longo dos anos, mas Helena era diferente. Havia nela algo que desafiava seu autocontrole, que o fazia se perguntar até onde aquilo poderia levá-lo.Naquela noite, ao chegar em casa, Miguel encontrou Sarah de pé na cozinha, os braços cruzados e o olhar carregado de impaciência. Ele percebeu de imediato que uma discussão se aproximava. Nos últimos meses, os dois não conseguiam trocar mais do que algumas palavras sem que algo se tornasse motivo para brigas.- Você chegou tarde de novo — disse Sarah, sem rodeios.- Tive muito trabalho na universidade — respondeu ele, cansado. Ele não queria brigar, mas sabia que, como sempre, Sarah insistiria.-Sempre tem muito trabalho na universidade, Miguel! Mas nunca parece cansado demais para se perder nos seus pensamentos. O que é? Alguma nova distração?Ele
Naquela noite, Miguel foi para a biblioteca do escritório, um refúgio que antes o acalmava, mas que agora parecia sufocá-lo. Pegou um livro qualquer da estante, tentando forçar sua mente a se concentrar em algo que não fosse Helena ou a briga com Sarah. Mas era inútil.Lembrou-se do olhar penetrante de Helena durante a aula. A maneira como ela desafiava suas ideias sem medo, como absorvia cada conceito com uma curiosidade quase voraz. Não era apenas sua beleza que o atraía—era sua mente afiada, sua ousadia. Ela era diferente de todas as alunas que já tivera.Um som suave ecoou pela casa: a porta do quarto se fechando. Sarah havia se recolhido. Ele sabia que deveria ir até lá, que deveria tentar consertar as coisas. Mas a distância entre eles parecia insuperável.Miguel suspirou e abriu seu laptop. Havia recebido um e-mail de um colega da universidade sobre um congresso, mas sua atenção foi desviada por outro nome na caixa de entrada: Helena.Seu coração bateu mais rápido.O e-mail era
Naquela tarde, após o término da aula, Helena recolhia suas coisas com calma quando ouviu a voz grave de Miguel chamando seu nome.- Helena, poderia ficar um momento? Gostaria de conversar com você.Ela sentiu o coração acelerar e trocou um olhar breve com Clara antes de se virar para encarar Miguel, que agora se aproximava com uma expressão serena, mas carregada de intenções ocultas.- Claro, professor — respondeu, tentando soar tranquila.Os poucos alunos que restavam na sala foram saindo, e logo Helena estava sozinha com ele. Miguel se encostou na mesa e cruzou os braços, observando-a atentamente antes de finalmente falar.- Tenho acompanhado seu desempenho nas aulas e notei que você tem um olhar analítico muito apurado. Sua participação nas discussões sempre traz reflexões interessantes. Você já pensou em aprofundar seus estudos na área de psicanálise?No primeiro dia de atendimento, Helena sentia um misto de ansiedade e responsabilidade. Estava sentada em frente à sua primeira pa
Era o primeiro dia de atendimento, Helena sentia um misto de ansiedade e responsabilidade. Estava sentada em frente à sua primeira paciente, uma mulher de trinta e cinco anos chamada Patrícia. Com os olhos baixos e os dedos entrelaçados no colo, Patrícia parecia hesitante em começar a falar. O silêncio inicial foi quebrado por sua voz trêmula.- Eu sei que fui errada… — ela começou, a voz quase sumindo. — Eu o traí. Eu não deveria ter feito isso. Se eu tivesse sido uma esposa melhor, ele não teria ficado tão bravo.Helena respirou fundo, mantendo um tom de voz calmo e acolhedor.- Você sente que a culpa pela reação dele é sua? — perguntou, cuidadosamente.Patrícia assentiu, mordendo o lábio inferior.- Claro que é. Eu quebrei a confiança dele, destruí nossa família… Ele sempre foi um bom marido. Não era carinhoso, mas… pagava as contas, nunca deixou faltar nada para os nossos filhos. Eu fui fraca… e agora estou pagando por isso.Helena observou atentamente o peso da culpa em cada pala
Helena respirou fundo antes de entrar na sala de aula. O corredor estava silencioso, exceto pelo eco de seus próprios passos no piso de mármore polido. Ela sentia uma mistura de ansiedade e excitação, como sempre acontecia antes das aulas do professor Miguel Schutz. Era um nome que já circulava pelos corredores da universidade com um misto de respeito e admiração. Além de brilhante, sua presença magnética tornava impossível ignorá-lo.Ao cruzar a porta, Helena procurou um lugar entre as fileiras de cadeiras já quase preenchidas. Não queria sentar-se nem muito na frente, onde poderia ser encarada diretamente por Miguel, nem tão atrás, onde não teria uma visão privilegiada dele. Escolheu uma posição estratégica no meio da sala. Ajustou os óculos e abriu seu caderno, como se estivesse preparada para anotar cada palavra dita, mas, na verdade, era a figura à frente que monopolizava sua atenção.Miguel Schutz já estava lá, encostado na mesa de madeira, os braços cruzados sobre o peito e a e
Era o primeiro dia do semestre letivo. O professor Miguel acordara bem cedo a fim de organizar seus materiais para recepcionar os alunos no primeiro dia de aula.— Pasta? Ok. Livros? Ok. Computador? Ok. É, acho que não falta nada para hoje...— Espera!— Amor, onde estão minhas canetas pretas? — disse Miguel à sua esposa.— Estão na primeira gaveta da cômoda, Miguel!— Você não encontra nada! Me pergunta tudo! — disse Sarah rispidamente.Miguel tentou ignorar a grosseria da esposa, mas lembrou que isso já havia se tornado rotina. Há seis meses, eles não se deitavam como um casal, brigavam todos os dias e não entravam em acordo sobre nada.A verdade é que o peso de vinte anos de casamento começava a se instaurar na relação dos dois. Sem filhos e bem-sucedidos, as pessoas de fora os consideravam um casal perfeito e sem problemas — algo totalmente fora da realidade deles.Vinte anos se passaram, mas eles continuavam os mesmos.Miguel tinha um espírito aventureiro que, quando mais jovem,