4. Confronto

Stella

É provável que a maior preocupação da minha família seja a mudança para Boston, que está a aproximadamente uma hora de distância da nossa cidade, não é tão longe, mas como somos de família humilde, o deslocamento diário seria impossível, especialmente porque também preciso trabalhar para me sustentar. Além disso, o curso ocorrerá no período da noite, o que tornaria arriscado a volta para casa sozinha. Esses serão os principais pontos de preocupação que minha família provavelmente reclamará, e o fato de “se me der um treco2, quem me socorrerá?”. Não sei como dizer, mas preciso fazer isso logo, pois o curso começa daqui a duas semanas.

— Amiga, volta para terra! — Emma diz estalando os dedos na minha frente. Eu sorrio sem graça e digo:

— Desculpa, estava longe. 

— Percebi, Stelinha, como vai fazer agora? — Pergunta Emma preocupada. — E se eles não deixarem?

— Amiga, já sou maior, eles não podem me impedir de realizar meu sonho. — Digo decidida.

— Sabe que estou aqui para o que precisar, eu tenho umas economias, te dou de coração.

— Não precisa amiga, eu agradeço muito, de coração! — Dou um abraço apertado em minha amiga, não tem como não se emocionar com a atitude dela, limpo a lágrima teimosa que desceu, e sorrio para ela. — Tenho algumas economias guardadas, dos longos anos de babá. Agora terei que enfrentar as feras. — Ela sorri e diz em mais um abraço:

— Lembro bem, que você guardava todo o seu dinheiro, e fazia o Léo, ou eu, ou algum dos seus peguetes pagar a conta, quando saímos para comer. Dizia que não podia gastar à toa. — Ela diz rindo.

Por isso que eu a amo, ela sempre tenta me animar, me aconselhando ou fazendo alguma gracinha.

— Boa sorte, Stella!

— Obrigada amiga!

Respiro fundo e entro em casa, encontrando todos sentados na mesa me esperando para jantar, já que avisei por mensagem que estava chegando. Nosso jantar foi descontraído como sempre, meu irmão gêmeo contando as proezas3 que fez no emprego hoje.

Eu e Léo somos gêmeos, mas não idênticos, já que minha mãe nos gerou em placentas separadas4, mas somos muito grudados e cúmplice um do outro, só não fomos dessa vez do curso, porque ele está protetor como meus pais.

Fisicamente, somos muito diferentes também, eu sou loira como minha mãe e ele tem os cabelos castanhos como do meu pai, nossos olhos são azuis, minha mãe diz que é do lado do meu pai, já que na família dela não tinha ninguém com olhos claros.

Nós não temos contato com a família do meu pai, mas somos apegados a família da minha mãe, eles sempre vem nos visitar, e quando não podem, nós vamos. Eles são brasileiros, sempre animados.

— Porque está quieta hoje, Stella? Aconteceu alguma coisa? Você está bem, minha filha? — Minha mãe pergunta me analisando. Todos olham para mim, chegou a hora, terei que falar.

— Verdade mana, nem mexeu na comida. — Meu irmão diz, olhando-me com preocupação.

— Estou bem, graças a Deus! Quero compartilhar uma coisa com vocês.

— Não vai me dizer que está grávida! Eu mato aquele moleque. — Meu pai diz irritado.

— NÃO! Não estou grávida. Eu, eu fui aprovada no curso culinária do chef Bonavalle, e ganhei a bolsa integral em Boston. — Falei olhando para meu prato, sem ter coragem de encarar minha família.

Ouço um som alto de algo se quebrando. Procuro o som e encontro meu pai, que me encara com ódio. Me encolho como forma de proteção. Nunca o vi assim. Ele sempre foi muito carinhoso. Estou assustada quando um copo se despedaça na parede ao meu lado.

— Está louco Jimmy, se errar pode aceitá-la, e machucá-la.

— Prefiro-a machucada e me odiando aqui, do que nas mãos dessas pessoas mesquinhas e sem coração.

— Jimmy, não! Ela não é eles, ela foi criada por nós.

— Do que estão faltando? — Léo pergunta o que não conseguia perguntar, ainda estava imóvel, assustada.

— Está assustando a menina. — Minha mãe entra na sua frente.

— Des, desculpa ter ido s avisa, mas passei com honras, fiz o teste no final de semana e saiu o resultado hoje, o curso inicia daqui a duas semanas, me deixe ir pai! — Imploro por sua benção.

— De Boston aqui é longe, como vai ir e voltar todos os dias maninha? — Olho para o prato que só remexi e ele xinga baixinho, entendo o que não disse.

— Merda! Stella, você não pode fazer isso! — Meu irmão pragueja. — Como vai se sustentar?

— Boa pergunta, Leonardo. Resumindo, você não vai Stella. Não tem a minha permissão — Meu pai fala bravo.

— É uma oportunidade única, o processo seletivo é difícil, e eu consegui, teriam que se orgulhar de mim. — Digo chorando, olho para minha mãe que seca uma lágrima, e olha para o chão, evitando me encarar, Léo me abraça de lado, olho para o meu pai que estava bufando como um touro bravo, eu respiro fundo e digo: — Desculpa, pai, mas tenho reservas para ficar os três primeiros meses, vou arrumar um emprego e realizar meu sonho, com a sua permissão ou não.

— Se sair por aquela porta, — Ele diz apontando para a entrada de casa. — Eu não me responsabilizo mais por você, estará sozinha. — Olho para ele com lágrimas nos olhos. — Minhas portas estarão fechadas para sempre.

— Jimmy, ela é sua filha! — Minha mãe choraminga. Enquanto Léo encara o pai.

— Se é assim que deseja. — Digo num sussurro, — Não vou desistir do meu sonho, sairei amanhã pela manhã da sua casa.

— Está ouvindo isso… sua filha vai sair de casa, se ela sair, ela não volta mais.

— Jimmy, não pode colocar sua filha para fora de casa. 

— Se ela me desobedecer, e ir atrás desse curso sem futuro, não será mais minha filha, então, não terá casa. Se está é sua decisão, tem uma hora para tirar tudo o que é seu da minha casa. — Saio correndo para o meu quarto, chorando, e não reconhecendo aquele homem frio que estava na minha frente.

— Onde você vai ficar hoje? — Leo entra falando me dando o maior susto.

— Pensei em ir para a casa da Emma, amanhã vou cedo para Boston.

— Sentirei sua falta! — Ele diz me ajudando a arrumar as coisas na mala. 

— Também sentirei sua falta, mas essa oportunidade é única. Preciso ir atrás do meu sonho. — Coloco a mão no coração e digo — Meu coração está ótimo, não precisa ficar preocupado. 

— Eu sempre vou me preocupar com você! — Ele diz apertando meu nariz tirando um sorriso meu — Que horas vai amanhã?

— Pretendo pegar o primeiro ônibus, sai às quatro e meia, eu acho.

— Não, eu vou te levar. — Ele diz decidido.

— Não quero atrapalhar, você tem que trabalhar amanhã. — Digo preocupada com ele.

— Converso com a Maria, ela vai entender, quero ver com meus próprios olhos onde você morará, se é seguro. — Meus olhos se enchem de lágrimas, com o cuidado dele, não resisti e pulo em seu pescoço, dando um abraço apertado.

— Stella, tem certeza? — Meu irmão pergunta, enquanto me ajuda a arrumar minhas coisas.

— O que houve com ele? Aquele homem não se parece em nada com nosso pai. — Digo, ainda pensando na atitude do meu pai.

— Dá um tempo para ele, você sempre foi nossa princesinha!  Te ver partir dói, mas se é isso que você quer, eu não impedirei. 

— Obrigada por não me abandonar! — Digo abraçando-o de novo.

...

 Legenda:

2:Treco: Nesta frase quer dizer: indisposição, mal-estar.

3: Proeza: façanha, feito

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