Um

Era mais ou menos oito da noite quando minha mãe decidiu aparecer em casa, e, sinceramente, ela não parecia muito bem. Não sei o que aconteceu enquanto estive fora, mas talvez descobrir o que houve ajude a entender melhor a situação dela.

— Então, James, por que Callahan? — Ela perguntou, mordendo a comida sem muita atenção. — Não é brasileiro?

Ele assentiu com a cabeça, enquanto bebia um gole do uísque ao seu lado, os olhos sem foco.

— Eu sou, mas meu pai não — murmurou, e eu senti meu olhar se fixar nele. — Nasci no sul do Brasil, mas a família do meu pai tem um rancho aqui, um lugar antigo.

— Ah, que interessante, não sabia que já conhecia essa região — ela murmurou, embriagada pela mistura de cansaço e álcool.

— Mais ou menos. Ainda sou muito novo para me considerar bem viajado — ele sorriu, antes de continuar. — Mas meu pai casou com uma brasileira. Temos fazendas aqui e no Brasil.

Meu pai assentiu com um ar de aprovação.

James deu mais um gole, e então seus olhos se encontraram com os meus. Eu desviei rapidamente, focando na comida.

— Também quero ensinar a Ellie a cuidar da fazenda, agora que ela desistiu da medicina — meu pai falou de repente, olhando diretamente para mim. — Não vou deixar que o luto domine a vida dela.

— Pai... — murmurei, tentando controlar a dor que se formava dentro de mim.

— Luto? — James perguntou, confuso.

Meu pai assentiu, sem desviar o olhar.

— A Ellie perdeu uma amiga, há alguns meses. Por isso, desistiu da faculdade — disse ele, e eu o observei em silêncio, sentindo uma onda de frustração.

— Era minha amiga de infância, pai — murmurei, levantando da mesa. — Preciso de um tempo.

Saí rapidamente da sala e fui para o quintal. Lá, encontrei uma garrafa de uísque sobre a mesa de madeira da varanda, algo que eu não pensava duas vezes em usar.

Coloquei um pouco no copo e apreciei o sabor, tentando afogar o nó na minha garganta. Havia dias em que o mundo parecia pesar mais do que eu podia suportar. Hanna... era difícil acreditar que ela não estava mais ali. Nossa amizade começou aos cinco anos, crescemos juntas e, quando conseguimos entrar na mesma faculdade, foi como um sonho. Mas o destino foi cruel. Ela teve uma falha no coração que ninguém percebeu, e foi em uma cirurgia, após dezesseis horas de luta, que ela não conseguiu resistir.

Não, nossa amizade não acabou com sua morte. Mas desde então, nada parecia fazer sentido. Era como se um pedaço de mim tivesse ficado perdido por lá, naqueles corredores da faculdade, onde agora eu não conseguia nem andar sem sentir um peso esmagador.

O som da porta da frente se abriu, e, por mais que eu não esperasse, lá estava ele. James, com o copo de uísque na mão, ainda com a expressão um pouco sonolenta.

— Seu pai pediu para eu vir conversar com você — ele murmurou, dando de ombros e caminhando até mim. — Perdi um amigo numa arena, há cinco anos. Nunca esqueci. Fica mais fácil, mas nunca passa — disse ele, com uma sinceridade crua que fez meu peito apertar.

— Cinco anos? Quantos anos você tem? — perguntei, confusa, olhando para ele.

— Você foca na minha idade agora? — ele deu uma risada curta. — Tenho vinte e seis.

Achei difícil acreditar. Ele parecia mais novo, mais leve, mais... inexperiente.

— Certo.

— Se você não está bem, posso ceder a beliche de baixo para você — ele sugeriu, com um sorriso travesso. — E, se fosse você, entraria logo. Está frio demais.

Assenti com a cabeça, agradecida por ele não insistir em mais conversa. Quando entrei no meu antigo quarto, uma onda de nostalgia me atingiu. Um colete de montaria estava pendurado na parede, junto com diversos chapéus e botas. A antiga cama agora era uma beliche velha, mas ainda assim, o espaço minúsculo se manteve.

Deixei minha mala em cima da cama e fui até o banheiro para um banho quente. A água correndo parecia me acalmar um pouco, me ajudando a relaxar antes do que seria um dia exaustivo.

Quando terminei, vesti um pijama confortável e voltei para o quarto. Mas, ao abrir a porta, dei de cara com James. Ele estava sem camisa, tirando a bota, e me olhou com um ar desinteressado, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Eu tentei não olhar, mas não consegui evitar. Meu coração deu um pulo no peito, e logo virei a cabeça, tentando não demonstrar nada.

— Quando acabar, coloque ela do lado de fora — murmurei, tentando quebrar o gelo. Ele me olhou de forma indiferente.

— Pode deixar, senhorita — ele respondeu com um sorriso, colocando a bota no batente da porta. — E a propósito, às cinco vamos estar de pé. Tem que aplicar as injeções nas vacas. Seu pai quer que aprenda.

— Não seria o veterinário quem faria isso? — perguntei, e ele riu.

— Ah, você percebeu... — ele sorriu de novo. — Sou veterinário, sim.

Me sentei na cama, mas logo me deitei, tentando esfriar a mente. Ele subiu para a beliche de cima e se deitou também. Alguns minutos depois, percebi que ele já dormia, então logo me entreguei ao sono também.

Não demorou muito até eu ser acordada com um sacudir de ombro. Abri os olhos rapidamente e vi James ali, ainda com o semblante sonolento, mas já vestindo uma jaqueta de couro e calça jeans surrada.

— São cinco e meia. Não colocou despertador? — ele perguntou, e eu apenas neguei com a cabeça, ainda tentando me recompor. — Levante, se apronte. Vou deixar o cavalo para você ir até o celeiro. Está frio, não fique muito tempo lá fora.

Assenti com a cabeça e vi ele sair. Num pulo, me levantei, colocando as roupas mais grossas. Estava congelando, mesmo dentro de casa. Não queria nem pensar no que me esperava lá fora.

Assim que saí, o ar gelado cortou minha pele e meu nariz ficou congelado instantaneamente. O céu estava cinza, e uma tempestade de neve parecia iminente.

Vi Black Jack amarrado sob uma árvore e fui até ele, subindo rapidamente. O celeiro ficava a uma distância considerável de casa, então o cavalo me economizava algum tempo.

Acelerei e logo estava entre as vacas. James já estava com os medicamentos prontos, e eu fiquei apenas observando, esperando alguma instrução.

— Queria manter elas nas baias, mas está frio demais para isso, não quero perder mais nenhuma — ele comentou, me lançando um olhar. — Tem café na garrafa.

Assenti com a cabeça e vi a garrafa no chão. Peguei um copo plástico e enchi. O café estava quente e forte, descendo pela garganta como fogo.

— Esse café é tão forte quanto meu sono há trinta minutos atrás — murmurei, e ele sorriu, parecendo um pouco mais à vontade.

— No que posso ajudar? — perguntei, finalmente, querendo ser útil.

Ele pegou uma seringa e, com cuidado, explicou:

— A vacina é intramuscular, então a agulha precisa entrar em um ângulo de 90 graus, direto no músculo. No pescoço, de preferência. Basicamente, como na medicina.

Sorrio.

— Na medicina, nossos pacientes não dão coices — falei, e ele riu.

Pego a vacina de sua mão e, ao preparar a aplicação, vejo sua cabeça vindo em minha direção. Afasto-me rapidamente, meu coração acelerado. Ele sorriu levemente.

— Está com medo, e ela está percebendo — ele comentou, com um olhar perspicaz. — Vá com confiança, ela está acostumada.

Respiro fundo e vou na direção da vaca, aplicando a agulha com firmeza. Ele assente com a cabeça, satisfeito.

— Viu? É tudo sobre não ter medo — ele diz, e eu retiro a agulha.

— Prefiro pacientes humanos — sorri, e ele riu novamente.

Meu pai apareceu na porta do celeiro, observando-nos.

— Ela conseguiu? — ele perguntou, com um sorriso de aprovação. James assentiu.

— Sabia que conseguiria — meu pai diz. — Hoje vai cair uma tempestade de neve mais tarde. Preciso que você vá até a fazenda dos Benett pegar correntes para os pneus da caminhonete. Pode ir de cavalo.

Meu pai olhou para James com atenção.

— Já que tocou no assunto, não acha que deveríamos trocar o aquecedor da casa? Os bois estão mais quentes que nós — murmurei, observando-os. James assentiu.

— Não vão achar isso aqui, mas em Salt Lake City deve ter. Acha que consegue ir e voltar no mesmo dia? — meu pai perguntou.

— Vou sair cedo e chegar tarde, mas nada que não dê para resolver — James sorriu levemente.

Fiquei surpresa. Ele ia rodar oitocentos quilômetros em um único dia? Isso parecia quase impossível.

— Posso ir? — perguntei, hesitando. James deu de ombros e meu pai assentiu.

Logo, ele se retirou, e James e eu terminamos de vacinar os animais. Levou um bom tempo, mas eu realmente aprendi o básico.

— Ontem você falou sobre seu amigo, e como a dor nunca passa — eu falei de repente. — Acho que você está certo.

James olhou para mim, com um olhar sério.

— Sempre tenho razão — ele murmurou, enquanto saía do celeiro.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App

Capítulos relacionados

Último capítulo

Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App