Volto para dentro de casa e encontro minha mãe observando seu celular com uma expressão de leve apreensão. Suas mãos tremem ligeiramente, algo quase imperceptível, e eu a observo de longe. Ela se assusta e rapidamente coloca o celular no bolso. — Está tudo bem? — Pergunto, me aproximando. Ela sorri sem graça, pega um pano de prato e começa a secar os copos. — Sabe que pode me contar qualquer coisa, mãe. Ela assente com a cabeça, se encostando na bancada da pia e apoiando as duas mãos atrás de si. — Já é quase Natal — ela suspira, como se um peso a estivesse incomodando —. Isso significa que meus pais vão vir. Dez anos sem me ver, e agora decidem que vão vir até aqui. Assenti com a cabeça. — Por quê? — Pergunto, como se a resposta fosse óbvia. — Não sei — ela responde com um sorriso amargo —. Acho que querem controlar sua vida, assim como fizeram com a minha. Tome cuidado com eles. — Ela me observa com seriedade. — Ellie, o único bem importante que eu tenho é você, e eu não vou
JamesEu definitivamente consegui deixar Dorothy com muita raiva. A vi ficar tão vermelha que parecia que ia explodir, e eu apenas sorria por dentro, sem precisar dizer uma palavra. Ellie me olhou contente, e eu só segui o roteiro.Como uma mulher que não vê a neta há dez anos acha que tem direito de opinar em algo? Na verdade, como ela sobreviveu em uma fazenda sem andar de cavalo e tomar uísque?A observo, e a mãe de Ellie, Camila, simplesmente se mantém calada, e Jimmy também não se dignou a defendê-la nem por um segundo.Porcos.Meu telefone vibrou no bolso, e, ao pegá-lo, me lembrei: eu havia esquecido completamente! Hoje vou competir em uma cidade vizinha, uma prova de laço em dupla. Droga, nem me lembrei disso!— James? — Uma voz feminina veio do outro lado da linha. — Estamos te procurando.Coloquei a mão na testa, lembrando-me rapidamente.— Já estou quase chegando — murmuro, tentando passar confiança.Desligo o telefone e volto para dentro da casa. Ellie agora está na sala d
Eu me afasto dele, o coração batendo descontrolado e a mente um turbilhão. Ele me beijou. James, o idiota, me beijou, e agora eu não sei o que fazer com isso. Sinto um calor nas bochechas e uma pontada de frustração. O que ele estava pensando? O que eu estava pensando?— Você... — A voz sai fraca, como se eu estivesse tentando encontrar palavras, mas nada parece fazer sentido. Eu dou um passo para trás, ainda tentando afastar o calor do meu corpo. — Como você pôde fazer isso?James não se move, apenas me observa com aquele olhar impassível. Eu não consigo entender o que ele quer de mim, o que ele espera que eu faça agora.— Ellie, eu... — Ele começa, mas a sua voz seca me irrita ainda mais.— Eu avisei, James... — Falo baixinho, sem coragem para gritar, mas as palavras saem duras, com um peso que eu não esperava. — Eu achei que tivesse deixado bem claro! Que não queria que você fizesse isso. Não sei o que você estava esperando, mas não sou uma dessas meninas com quem você pode brincar
O frio já estava impregnado no ar, misturado ao cheiro da lenha queimando e ao aroma familiar de peru assado. Desde criança, sempre senti que o Natal tinha um cheiro próprio—uma mistura de especiarias, doces de baunilha e gengibre sobre a mesa, e o calor das luzes piscando na árvore.Eu já havia escolhido minha roupa, arrumado o cabelo e separado a maquiagem que tentaria passar para parecer mais "feminina", como minha avó adorava sugerir. Mas, naquele momento, minha atenção estava na árvore de Natal, ajustando os enfeites quando vi minha mãe andar de um lado para o outro, agitada como um peru prestes a ir para o forno.— Mãe, está procurando alguma coisa? — perguntei, observando-a com curiosidade.— Meu casaco azul-escuro. Pode pegar para mim? Está no closet. Preciso sair para a cidade.Assenti, sem pensar muito, e segui para o quarto dela. Eu já sabia onde estava—pendurado no cabide mais alto, à esquerda. O tecido pesado e elegante sempre foi a escolha dela quando queria parecer mais
O som das minhas botas ecoa pelo piso de madeira da varanda. Observo os vidros das janelas levemente embaçados; parece tudo normal. O inverno impiedoso e rigoroso já começa a se mostrar, e as nuvens pesadas e escuras cobrem praticamente toda a paisagem de Jackson.Observo a porta entreaberta, e um ar quente é emanado de dentro da casa.Voltar para casa depois de dois anos deveria ser reconfortante. Mas tudo estava igual – e eu, completamente diferente. Antes, achei que faria medicina pelo resto da vida. Agora, nem sei direito o que estou fazendo aqui.— Filha? — Escuto a voz rouca do meu pai vinda da cozinha. — Ellie! Que bom que voltou!Sorrio, vendo o velho barrigudo que meu pai se tornou durante minha ausência.— Jimmy Carter! — Exclamo seu nome, sabendo que ele não gosta que o chame assim. — Como você está, pai?Ele sorri, mostrando como o tempo foi cruel. Estava em Denver estudando por dois longos anos, mas sempre fui incentivada a estudar. O problema é que não o vejo há muito te
Era mais ou menos oito da noite quando minha mãe decidiu aparecer em casa, e, sinceramente, ela não parecia muito bem. Não sei o que aconteceu enquanto estive fora, mas talvez descobrir o que houve ajude a entender melhor a situação dela.— Então, James, por que Callahan? — Ela perguntou, mordendo a comida sem muita atenção. — Não é brasileiro?Ele assentiu com a cabeça, enquanto bebia um gole do uísque ao seu lado, os olhos sem foco.— Eu sou, mas meu pai não — murmurou, e eu senti meu olhar se fixar nele. — Nasci no sul do Brasil, mas a família do meu pai tem um rancho aqui, um lugar antigo.— Ah, que interessante, não sabia que já conhecia essa região — ela murmurou, embriagada pela mistura de cansaço e álcool.— Mais ou menos. Ainda sou muito novo para me considerar bem viajado — ele sorriu, antes de continuar. — Mas meu pai casou com uma brasileira. Temos fazendas aqui e no Brasil.Meu pai assentiu com um ar de aprovação.James deu mais um gole, e então seus olhos se encontraram
Enquanto cavalgo em Black Jack, observo a paisagem do rancho à distância. James e eu estamos indo até os Benett buscar as correntes para os pneus da caminhonete. Eles pegaram emprestado no ano passado e disseram que devolveriam, mas o tempo passou e nada foi feito.— Earl é um homem bem ignorante — murmuro, sem desviar o olhar.James me olha por baixo do chapéu e sorri de leve.— Assim como a maioria por aqui — responde, a voz carregada de um tom de quem já se acostumou com isso. — No começo, incomoda. Depois, você aprende a deixar passar.— E seu pai, James? — pergunto, ainda olhando para a paisagem, tentando não pensar no que estava prestes a acontecer.— Bom... ele foi casado com uma brasileira. Então, digamos que aprendeu a ser mais educado com ela. — James ri baixo. — Antes disso, era um sujeito insuportável.Assenti, compreendendo o peso das palavras.— O casamento dos meus pais foi arranjado pelos meus avós, então minha mãe... bem, ela não tem muita paciência por ele. — Um sorr
A noite demorou a passar. O celeiro rangia a cada assobio do vento, e parecia que, a qualquer momento, estaríamos no meio dos escombros daquele lugar.James, por sua vez, dormiu a noite toda. E eu agradeci pelo seu calor corporal, afinal, estava quase congelando. No fim, deu tudo certo, e o dia finalmente chegou. O amanhecer foi bem frio, e a tempestade durou a madrugada inteira, há quase um metro de neve acumulado na porta do celeiro.— O que vamos dizer ao meu pai? — pergunto, observando minha mão. Ela não inchou tanto por causa do frio do lado de fora.— A verdade. Não quero mentir para ele — murmura James, finalmente abrindo a porta.Uma quantidade pavorosa de neve cai dentro do celeiro, e eu respiro fundo, observando James se estressar com isso.— O aquecedor vai ter que esperar — ele murmura, saltando para o lado de fora.Faço o mesmo. O chão está coberto de neve, a grama congelada, e as árvores quase sem folhas. Está lindo como sempre.Havia me esquecido da beleza de um inverno