Três

A noite demorou a passar. O celeiro rangia a cada assobio do vento, e parecia que, a qualquer momento, estaríamos no meio dos escombros daquele lugar.

James, por sua vez, dormiu a noite toda. E eu agradeci pelo seu calor corporal, afinal, estava quase congelando. No fim, deu tudo certo, e o dia finalmente chegou. O amanhecer foi bem frio, e a tempestade durou a madrugada inteira, há quase um metro de neve acumulado na porta do celeiro.

— O que vamos dizer ao meu pai? — pergunto, observando minha mão. Ela não inchou tanto por causa do frio do lado de fora.

— A verdade. Não quero mentir para ele — murmura James, finalmente abrindo a porta.

Uma quantidade pavorosa de neve cai dentro do celeiro, e eu respiro fundo, observando James se estressar com isso.

— O aquecedor vai ter que esperar — ele murmura, saltando para o lado de fora.

Faço o mesmo. O chão está coberto de neve, a grama congelada, e as árvores quase sem folhas. Está lindo como sempre.

Havia me esquecido da beleza de um inverno no campo, havia me esquecido de como é a sensação.

Voltamos a cavalo até a casa principal, onde meu pai nos aguardava na varanda, com uma caneca de café nas mãos.

— Bom dia! — James exclama, caminhando em direção à casa. — Parece que a tempestade pegou a gente.

— Bom dia. Eu imaginei. Deu tudo certo? — Meu pai pergunta, mas, em seguida, seus olhos azuis focam na minha mão. — O que aconteceu?

— A vaca se enroscou, fui tentar ajudar e ganhei um belo de um coice — murmuro. — Já está melhor. Dois dedos deslocaram, mas James os colocou no lugar.

— Ótimo. Logo estará bem, tenho certeza — meu pai afirma. — Tomem um café reforçado, ficaram muitas horas sem comer.

Assenti, entrando em casa. Em cima da bancada havia panquecas com manteiga e, ao lado, uma grande garrafa de café. Não pensei duas vezes: peguei duas panquecas e uma xícara de café, devorando tudo em menos de cinco minutos.

James me observa.

— Vamos colocar uma tala nos dedos. Precisam cicatrizar direitinho — diz ele, com um leve sorriso no rosto.

Fico esperando até ele voltar com o kit de primeiros socorros. Em seguida, James começa higienizando minha mão e logo passa a faixa nos meus dedos. Ainda doem, mas nada comparado à dor que senti ontem. Pelo menos consigo movê-los.

— Obrigada — agradeço assim que ele termina.

James responde com um sorriso amarelo.

— Não há de quê.

Subo para o quarto, pego roupas limpas e vou direto para o banheiro. Fico alguns minutos sob a água quente da ducha, aproveitando para lavar o cabelo e tirar o cheiro de vacas e cavalos, mas sem molhar a mão machucada.

Dessa vez, decido colocar uma roupa mais confortável. Hoje à noite vai ter um rodeio na cidade, e acredito que todo mundo vá. Então, aproveito para tirar um longo cochilo à tarde, para recuperar o sono mal dormido.

Quando acordo, já passam das cinco da tarde, e estou parecendo uma sonâmbula dentro de casa. Corro até o secador de cabelo para fazer uma escova rápida, depois faço a maquiagem e visto minha roupa.

Algo bonito, mas quente, porque definitivamente hoje não posso passar frio, não mesmo.

Quando saio do quarto, Jimmy e James estão me esperando do lado de fora, já com a caminhonete preparada.

— A mamãe não vai? — pergunto ao meu pai, que sorri amarelo.

— Não, ela está na casa de uma amiga. Vamos?

Eu e James entramos na caminhonete do meu pai, e seguimos caminho até a cidade. São cerca de vinte minutos de estrada de terra, e o cheiro de terra molhada misturada com neve é incrível e indescritível.

Assim que chegamos à arena, procuramos um bom lugar para estacionar, longe da música e dos carros batendo portas e arranhando a caminhonete do meu pai.

O som dos alto-falantes anunciando o próximo competidor se mistura ao barulho das arquibancadas lotadas. O cheiro de terra batida e churrasco preenche o ar, junto com o rastro adocicado de algodão-doce e pipoca caramelizada. O rodeio sempre tem essa energia vibrante, algo familiar e ao mesmo tempo empolgante.

James caminha ao meu lado, como sempre com aquele jeito reservado, atento a tudo ao redor. Ele nunca parece completamente relaxado, como se estivesse sempre pronto para reagir. Ainda assim, sua presença tem algo confortável para mim, como uma constante silenciosa.

— Ellie!

Viro a cabeça e dou de cara com um sorriso largo e uma fivela de cinturão brilhando sob a luz dos refletores. Reconheço o rosto de imediato. É um velho conhecido, um cowboy da cidade. Não exatamente um amigo próximo, mas alguém com quem já troquei algumas conversas em outras noites como essa.

— Faz tempo que não te vejo por aqui — ele diz, tirando o chapéu e ajeitando a gola da camisa.

Sorrio de volta, por educação.

— Pois é, andei ocupada.

Ele aproveita para puxar papo, falando sobre sua última competição e como tem treinado para a montaria de hoje. James continua ao meu lado, mas percebo que seu corpo está mais rígido, sua expressão fechada. Eu não o conheço bem, mas sei o suficiente para notar quando algo está incomodando.

O cowboy solta uma piada e toca de leve no meu braço ao rir. Não é nada demais, mas a mudança em James é imediata. Ele se mexe ao meu lado, como se estivesse pronto para agir.

Então, o cowboy inclina um pouco mais a cabeça para mim, a voz ficando mais baixa:

— Você ainda gosta de andar a cavalo à noite? Posso te levar pra dar uma volta depois do rodeio, se quiser.

Antes mesmo que eu tenha tempo de reagir, James dá um passo à frente. Um passo pequeno, mas que muda tudo. Ele se coloca entre nós dois, bloqueando minha visão do cowboy.

— Acho que ela tá ocupada hoje — James diz, a voz baixa, firme, carregada de um aviso silencioso.

Meu coração dispara.

O cowboy ergue as mãos, um meio sorriso brincando em seus lábios.

— Relaxa, parceiro. Só tava conversando.

— Pois é, e agora a conversa acabou — James rebate, a mandíbula travada.

O outro solta um riso pelo nariz, mas dá de ombros antes de se afastar.

James continua encarando-o por um instante, tenso, como se estivesse pronto para partir para cima caso ele voltasse. Sinto meu estômago revirar. Não sei se é pelo jeito protetor dele ou pelo calor estranho que sua reação despertou em mim.

Cruzo os braços e olho para ele.

— O que foi isso?

James vira o rosto para mim, um meio sorriso nos lábios, mas seus olhos continuam escuros.

— O cara tava enchendo a porra do saco.

— Ele só estava conversando — digo, desafiadora.

Ele ri, mas sem humor.

— Ah, claro. E a próxima conversa seria aonde? No estábulo?

Reviro os olhos, suspirando. Mas antes que eu possa retrucar, ouço risadas atrás de nós.

O cowboy de antes agora está com alguns amigos, e eles estão fazendo comentários o suficiente para que possamos ouvir. Algo sobre James ser valentão, protetor demais. Uma provocação barata.

James se mexe ao meu lado. Sei o que isso significa.

— James... — chamo seu nome em alerta, mas é tarde demais.

Ele já se virou. Seu andar é lento, calculado, mas há algo perigoso nele.

O cowboy percebe e solta mais uma piada. Palavras afiadas são trocadas, e a tensão no ar se torna elétrica. Então, quando o cowboy dá um leve empurrão no peito de James, sinto meu coração parar por um segundo.

James não hesita. Seu punho se fecha e o primeiro soco acerta em cheio. O som do impacto se mistura ao barulho da multidão que começa a se agitar ao redor.

— Merda — murmuro, meu coração disparado enquanto vejo os dois começarem a brigar. Tento me meter entre eles, puxar James de volta antes que isso vá longe demais. Mas ele está cego de raiva.

E, no fundo, uma parte de mim se pergunta por que isso me faz sentir algo que não deveria sentir.

Jimmy o puxa do meio da briga, o jogando longe e pedindo desculpas aos demais.

Quando olho, o vejo com os braços cruzados nos chamando com dois dedos, meu coração vai a mil, mas apenas seguimos até ele.

A caminhonete do meu pai está estacionada atrás das arquibancadas, longe do barulho do rodeio. A noite segue animada para o resto da cidade, mas, para nós, parece que o tempo parou desde o momento em que James acertou aquele soco.

Agora estamos os dois aqui, de frente para meu pai, como dois adolescentes pegos no flagra.

Jimmy Carter não grita. Ele nunca grita. Mas a forma como cruza os braços, o olhar duro sobre nós, faz minha pele arrepiar. O silêncio dele pesa mais do que qualquer berro.

James está ao meu lado, a mandíbula travada, os nós dos dedos avermelhados e inchados. Ele não diz nada. Eu também não.

Meu pai inspira fundo, passa uma mão pelo rosto e solta um suspiro longo antes de finalmente falar.

— De todos os lugares e de todas as noites, vocês escolheram justamente hoje, no meio de um rodeio cheio de gente, pra arrumar encrenca?

Nenhuma resposta.

Ele me encara primeiro.

— Ellie, o que diabos deu em você? Desde quando você deixa um sujeito te meter no meio de uma briga dessas?

— Eu não fiz nada! — digo, rápido demais. — Eu só... estava ali.

— Estava ali enquanto esse aqui — ele aponta para James — resolvia bater em um cowboy no meio de todo mundo?

Mordo o lábio, sem saber o que responder.

Meu pai vira o olhar para James agora, e a tensão no ar dobra de peso.

— E você? — A voz dele fica mais baixa, mas mais perigosa. — Achei que já tinha deixado bem claro que não queria você trazendo problema pra minha filha.

James mantém a postura firme, mas seus punhos ainda estão cerrados ao lado do corpo. Ele levanta o queixo.

— Ele tava passando dos limites com Ellie.

Meu pai solta um riso curto e seco, balançando a cabeça.

— Ah, então você agora é o segurança pessoal dela?

James não responde.

Meu pai dá um passo mais perto, e mesmo sem gritar, sua voz parece um trovão:

— Eu vou te dizer uma coisa, James. Eu já vi muito garoto encrenqueiro na minha vida. Já vi muito valentão achando que pode resolver tudo no soco. Mas sabe o que acontece com gente assim?

James continua imóvel, mas vejo seu maxilar se contrair.

— Eles acabam ou atrás das grades ou no fundo de uma cova — meu pai continua. — E, me diz, você quer que esse seja o seu destino?

O silêncio pesa.

Meu pai balança a cabeça, desapontado, antes de soltar um último aviso:

— Da próxima vez que eu ouvir que você andou brigando por aí, James, não vai ser só um sermão que você vai levar.

Ele se vira para mim.

— E você, Ellie, se acha que vou deixar minha filha se meter em confusão desse tipo, pode esquecer.

Sinto meu rosto esquentar. Eu nem fiz nada!

Ele respira fundo, massageando a têmpora como se essa conversa tivesse sugado toda a paciência que ele tinha.

— Agora entrem na caminhonete. Vamos pra casa antes que vocês me deem mais um motivo pra ter uma dor de cabeça.

James finalmente relaxa os punhos, mas seu olhar continua carregado de alguma coisa que não sei dizer.

Obedeço sem discutir, mas, quando passo por James para entrar na caminhonete, não consigo evitar um último olhar de canto para ele.

E o pior de tudo é que, por mais que tenha sido errado... por mais que tenha sido perigoso...

Uma parte de mim gostou de ver ele brigando por mim.

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