Amanda
Com o dinheiro para liquidar minhas dívidas as preocupações acabaram, mas não estou em paz. Eu me sinto agitada.
Não sei por que me sinto assim?
Era para eu estar comemorando por ele ter agido de forma arredia, seca; no entanto, algo naquele sírio mexeu comigo.
Ele conseguiu o impossível: despertar minha atenção.
Por ser maduro e bonito?
Não. Não é isso.
Claro que sua masculinidade me atraiu bastante, mas acredito que seja mais do que isso. Talvez por ele ser diferente dos caras vazios de hoje em dia. Um bando de babacas mais chegados aos prazeres da carne do que no intelectual.
Dou uma inspirada funda e me viro do outro lado da cama. Meus olhos nesta hora focam o rádio-relógio.
Uma hora da manhã.
Deus! Preciso dormir para amanhã enfrentar mais um dia de trabalho.
Duas semanas depois...
Casamento de Amanda Lawrence e Karan Bar Qamar
Amanda
Deus! Estou nervosa como uma verdadeira noiva! Penso sentindo o suor frio surgindo na minha testa. Não deveria. As dívidas estão pagas, é só cumprir um protocolo e pronto! Mal manteremos contato um com o outro. Se bem que essa semana estarei em casa. A dona da loja, ao saber que eu ia me casar, me deu uma semana de folga. Acho que por isso estou tão apreensiva.
―Amanda. Você está linda ―Samantha diz sonhadora ― você irá ferver o sangue nas veias daquele sírio quando ele te olhar ― ela dá mais uma ajeitada no meu cabelo ―te espero na sala. Não demora.
Respiro fundo e me olho no espelho novamente, tentando me sentir segura dentro do meu vestido bonito. A dona da Felicity, a grife em que trabalho como vendedora, me ofereceu o vestido de presente e sem limite de preço deixou o modelo à minha escolha.
Não estou usando branco, afinal, não estou me casando em uma igreja. Não estou usando preto porque não estou indo a um enterro. E nem outra cor mais forte, pois não estou indo a uma festa, estou indo ao meu próprio casamento!
Deus! Nem acredito que estou fazendo isso!
Meu vestido é da cor pastel, o corte é reto, do tipo que destaca e alonga a silhueta. A saia não é volumosa e acompanha o desenho do vestido desde o busto.
Posso me dar ao luxo de usar um vestido mignon, pois não tenho barriga e meu busto tem um volume bom, nem grande, nem pequeno.
Suspiro.
Deveria ir menos glamorosa. Só que, as meninas que trabalham comigo, quando me viram experimentando este, se uniram para que eu não mudasse de ideia quanto à escolha. Acabei sendo influenciada por elas e fiquei com o vestido.
Como escolher algo inferior se elas acreditam que estou me casando por amor? Nem passa pela cabeça delas que tudo não passa de um negócio, uma conveniência. Inclusive, todas irão ao meu casamento.
Deus! Eu deveria ter dito a verdade....
Estremeço com um mal pensamento: Não! Foi melhor assim. E se uma delas me denunciasse para as autoridades?
Examino minha maquiagem leve e meus cabelos erguidos.
―Vamos lá! Tudo pronto para representar uma noiva apaixonada.
Deus! Ou Allah! Como eles dizem...
O carro estaciona perto da entrada do cartório. Samantha e o marido descem. Eu permaneço sentada no banco de trás, congelada no lugar. Samantha enfia a cabeça dentro do carro.
―Não vai descer?
Respiro fundo.
―Vou. Só preciso de um tempo.
―Sei que toda noiva se atrasa, mas o cartório tem horário. Você não está se casando na igreja.
Deus! Ela está certa. Respiro fundo e, deslizando meu bumbum no banco do carro, desço. Meus olhos vagueiam até a entrada. Karan está lá em pé, sua cabeça está virada na nossa direção. Seu olhar firme encontra-se com o meu.
Engulo em seco e respiro fundo enquanto o nervosismo toma conta de mim. Nesta hora sou cercada pelas garotas da Loja: Laura, Rebeca e Jenna. Desvio o olhar dele.
―Onde está seu noivo? ―Laura me questiona cheia de curiosidade.
―É aquele homem na entrada do cartório ―digo e meus olhos o procuram novamente, mas agora ele não está olhando para mim, sua atenção está voltada para Vitor que mantém uma conversa com ele.
Todas seguem meu olhar.
―Há dois homens na entrada do cartório ―Jenna diz para mim.
―Ele é o mais alto.
―Santo Deus! ―Rebeca geme. ― Seu noivo é aquela bela espécime masculina?
―Exato. Aquele é Karan.
Todas o observam estarrecidas e então seus olhares se voltam para mim. E posso dizer que a baba escorre de suas bocas.
―Parabéns, ele é muito gato ―Laura diz.
Todas pensam que ele é um presente de Deus. Mal sabem elas o ogro que estou me casando. Ele tem uma aura escura, quase cruel.
Bem, não posso reclamar.
Isso é bom, certo? Quer dizer que haverá uma montanha de gelo entre nós, do jeito que eu queria.
―E pensar que você nunca nos falou sobre ele―Rebeca diz chateada― escondeu o ouro todo esse tempo.
―E eu pensando que era uma coitadinha, que estava lidando sozinha com a doença da sua mãe e você tinha um macho alfa do seu lado ―Laura diz me avaliando.
Minha mãe morreu há seis meses, claro que elas imaginam que Karan estava ao meu lado nesse período. Ninguém namora e se casa em tão pouco tempo, ainda mais uma pessoa tão razão como eu.
Em resposta apenas lhes dou um sorriso amarelo. Vou falar o quê?
Samantha surge ao meu lado.
―Meninas. Vocês nos dão licença, mas a noiva precisa se apressar. Temos um horário a cumprir. O juiz não espera.
Minha amiga me puxa para longe delas e eu agradeço aos céus por isso.
Ufa! Solto o ar em puro alívio conforme caminhamos a passos lentos até o meu destino. Só que no meio do caminho o nervoso começa a tomar conta de mim novamente e ainda que eu esteja fazendo todo o caminho sem olhar para Karan, meu coração está disparado, minha boca seca e a respiração agitada. Só quando estou alguns metros de distância dele que eu ergo meu olhar a ponto de ver seus olhos avaliativos sobre mim. Ele observa meu vestido e em seguida meu rosto. O meu mal-estar piora e eu sinto como se borboletas alçassem voo no meu estômago.
Tentando me acalmar, inspiro o ar dentro da minha máscara que não ajuda em nada, o ar ainda me falta.
Valente, eu me aproximo ainda mais dele. Deus! Tenho que alertá-lo de uma situação.
―Oi, Karan. Não sei se reparou, mas temos plateia. Achei melhor que todas as garotas do meu trabalho acreditassem nessa far...Karan interrompe o que eu ia dizer quando ele retira sua máscara e dá um passo em minha direção. Então ele ergue sua mão e retira a minha com delicadeza e a entrega para mim. Eu a pego da mão dele tentando ignorar minhas pernas trêmulas, dizendo para mim mesma que isso não significa nada para mim. Quase infarto quando sinto seu braço me envolvendo e me puxando ao encontro de sua montanha de músculos. Seu perfume me deixa quente e atordoada. Ergo meu rosto para ele enquanto o seu desce e sua testa pousa na minha. Fica um tempo assim e então seu lindos olhos azuis procuram os meus e eu leio neles o que ele está prestes a fazer.―Relaxe.Relaxar?Eu precisaria estar morta para ignorar esse homem. A perfeição destes olhos azuis sombreados por cílios longos e negros. A barba escura bem-feita. Os lábios cheios na medida certa, os dentes certinhos e muito brancos, fo
Começamos a fazer poses bonitas para o fotógrafo, nossos corpos ajustados às exigências da câmera, enquanto os sorrisos se tornam apenas sombras de felicidade fabricada. Cada clique captura um teatro bem ensaiado, o quadro de um casal apaixonado que não existe de verdade. Mas é quando sinto seus dedos apertarem minha cintura, com mais intenção do que o esperado, que meu coração dispara e uma avalanche de sentimentos toma conta de mim.Seus lábios ainda pressionam os meus, e por um momento, é como se o mundo ao nosso redor desaparecesse, deixando apenas a presença dele e a força irresistível desse toque. Os flashes continuam, me lembrando que tudo isso é apenas um cenário, uma farsa para os outros. Ainda assim, a raiva cresce em mim como uma chama alimentada por oxigênio. Raiva de como ele me afeta, de como cada parte de mim parece ceder àquele contato, enquanto eu sei que para ele não é nada mais do que uma cena bem atuada.Sua mão escorrega para o meu quadril, apertando com firmeza,
Sigo até o meu apartamento, com Karan logo atrás. O som dos passos dele parece ecoar mais alto no corredor, como se cada um fosse um lembrete da presença pesada que ele traz. Quando alcançamos a porta, abro e seguro-a para que ele entre. Assim que ele cruza o limiar, fecho a porta, sentindo o clique da tranca como uma confirmação da nossa convivência inevitável.Ao encará-lo na sala, uma sensação desconfortável me atinge: o ambiente parece menor, quase sufocante. A altura de Karan e o porte de seus ombros, que já chamavam atenção antes, agora parecem dominar o espaço. Minhas mãos se entrelaçam nervosamente, e percebo que minha calma escapou sem eu perceber.— Como sabe, você terá um quarto para dormir — começo, a voz levemente trêmula, mas tentando soar firme. — E, caso os agentes nos façam uma visita, sua cama deve estar sempre arrumada para passar a impressão de que é um quarto de hóspedes.Dou uma pausa, observando-o, mas ele não dá nenhum sinal de reação. Nem uma palavra, nem um m
Lembranças do meu casamento com SamiraNeste dia, o sheik Abdul Bashir nos aguardava para oficializar nosso casamento em uma mesquita a quatro quilômetros da casa de Samira. Meu coração estava acelerado, não apenas pelo calor sufocante do dia, mas pela proximidade de realizar o sonho que alimentamos juntos por tanto tempo.Paro meu carro em frente ao portão dela e deixo o motor ligado para manter o ar-condicionado funcionando. Mesmo assim, parece que o calor não se dissipa; é como se o próprio destino estivesse pulsando ao meu redor. Quando Samira aparece, meu mundo se ilumina. Ela está lindíssima. Um hijab branco cobre seus cabelos negros como seda, os olhos destacam-se em contraste com a maquiagem impecável, e o vestido, da mesma cor do lenço, é ornamentado com delicadas faixas douradas que cintilam sob o sol.Nossos olhares se encontram. Os olhos dela, negros como uma noite sem lua, brilham com emoção. Ela sorri, e eu sinto o coração vacilar, tomado por uma felicidade tão intensa q
Fecho a porta, mas meu coração ainda está acelerado. A visão daquele deus árabe sem camisa não sai da minha mente. É o tipo de beleza que poderia deixar até uma freira sem fala. Aquele peito largo, coberto por uma massa de pelos castanhos... uma perdição. Mas não foi isso que me deixou inquieta e sim aquela cicatriz.Deus do céu, o que pode ter acontecido com ele? É enorme, brutal, como se contasse uma história que ninguém deveria viver. Fecho os olhos por um momento, tentando afastar a imagem, mas ela continua pulsando na minha mente. Algo grave deixou essa marca em Karan. Algo que ele nunca vai me contar.Suspiro, tentando me recompor. Parece que essa semana será assim: refeições solitárias, cada um no seu canto. Por mais que eu odeie admitir, já estou acostumada com a solidão. Desde antes da morte da minha mãe, convivo bem com isso. Por que agora seria diferente?E se pensar bem, comer com ele seria um ato estranho e sua frieza, seu mal humor têm deixado muito clara sua intenção: c
AmandaO crepúsculo aparece no horizonte, tingindo o céu com tons de laranja e púrpura. A luz suave reflete nas janelas do meu edifício, trazendo à memória um passado que aquece e fere ao mesmo tempo. Lembro-me dos domingos com mamãe, quando descíamos para caminhar, sentindo o sol nos aquecer enquanto conversávamos sobre a vida.Caminho lentamente até o banco que costumávamos ocupar. Era aqui que eu abria meu coração, contando a ela sobre os desafios do trabalho, as alegrias e dores da minha rotina, e, às vezes, até confessando os segredos do meu coração.A saudade é como uma mão invisível que aperta meu peito. Sentindo o peso disso, retiro a máscara e fecho os olhos. Inclino o rosto para o céu e puxo uma respiração profunda. O aroma da grama recém-cortada mistura-se com a brisa fresca que acaricia meu rosto. É um momento de calma em meio à confusão dos meus pensamentos.Quando abro os olhos novamente, minha visão se eleva até a janela do meu quarto. As luzes estão acesas, um sinal cl
Seus olhos deixam os meus por um instante e se voltam para o envelope, onde as fotos ainda estão à mostra na cama. Quando ele olha para mim novamente, seus dentes estão trincados, e posso ouvir o som de sua respiração pesada.—Não? Você acha que sou um... um... um ghabiun? —ele cospe a palavra com tanta raiva que até parece doer em sua garganta.Eu fico aturdida, tentando entender o que ele acabou de dizer. A palavra soa estranha, mas ao mesmo tempo, reconheço a intensidade de sua indignação.—Ghabiun? —repito, hesitante.Ele parece ainda mais irritado, o rosto ficando mais vermelho enquanto procura uma tradução em sua mente. É como se sua fúria o impedisse de encontrar a palavra certa.Percebendo o quão perto ele está de perder completamente o controle, resolvo ajudá-lo.—Você quer dizer bobo, idiot@? —sugiro com cautela, minha voz suave tentando aplacar a tempestade.Ele me encara, seu olhar queimando com emoções que parecem querer transbordar. Por um momento, o tempo para.—Isso! E
KaranFico sozinho, apenas eu e a minha amargura, cercado pelo peso esmagador das lembranças que nunca me abandonam.Vou até a cama e me sento, os ombros caídos sob o fardo invisível que carrego todos os dias. Meus olhos recaem sobre as duas fotos expostas. Com mãos trêmulas, pego a primeira e encaro o momento congelado no tempo: minha família, todos juntos, sorrindo em frente à nossa casa. Hoje, aquele lar não passa de escombros.A outra foto, menor e mais pessoal, é de Samira. O sorriso dela, tão sincero, contrasta cruelmente com a ausência que grita em meu peito. Foi ela quem me deu essa foto no dia em que nos conhecemos, quando tudo parecia simples e cheio de promessas.Abaixo a cabeça, pressionando os dedos contra as têmporas. Uma dor afiada me perfura, não apenas no corpo, mas na alma.Allah! Será que minha vida não pode ter um único instante de paz?A raiva e a tristeza se entrelaçam em meu interior, um ciclo infinito. Como se o dia de hoje já não tivesse me torturado o suficie