AmandaO crepúsculo aparece no horizonte, tingindo o céu com tons de laranja e púrpura. A luz suave reflete nas janelas do meu edifício, trazendo à memória um passado que aquece e fere ao mesmo tempo. Lembro-me dos domingos com mamãe, quando descíamos para caminhar, sentindo o sol nos aquecer enquanto conversávamos sobre a vida.Caminho lentamente até o banco que costumávamos ocupar. Era aqui que eu abria meu coração, contando a ela sobre os desafios do trabalho, as alegrias e dores da minha rotina, e, às vezes, até confessando os segredos do meu coração.A saudade é como uma mão invisível que aperta meu peito. Sentindo o peso disso, retiro a máscara e fecho os olhos. Inclino o rosto para o céu e puxo uma respiração profunda. O aroma da grama recém-cortada mistura-se com a brisa fresca que acaricia meu rosto. É um momento de calma em meio à confusão dos meus pensamentos.Quando abro os olhos novamente, minha visão se eleva até a janela do meu quarto. As luzes estão acesas, um sinal cl
Seus olhos deixam os meus por um instante e se voltam para o envelope, onde as fotos ainda estão à mostra na cama. Quando ele olha para mim novamente, seus dentes estão trincados, e posso ouvir o som de sua respiração pesada.—Não? Você acha que sou um... um... um ghabiun? —ele cospe a palavra com tanta raiva que até parece doer em sua garganta.Eu fico aturdida, tentando entender o que ele acabou de dizer. A palavra soa estranha, mas ao mesmo tempo, reconheço a intensidade de sua indignação.—Ghabiun? —repito, hesitante.Ele parece ainda mais irritado, o rosto ficando mais vermelho enquanto procura uma tradução em sua mente. É como se sua fúria o impedisse de encontrar a palavra certa.Percebendo o quão perto ele está de perder completamente o controle, resolvo ajudá-lo.—Você quer dizer bobo, idiot@? —sugiro com cautela, minha voz suave tentando aplacar a tempestade.Ele me encara, seu olhar queimando com emoções que parecem querer transbordar. Por um momento, o tempo para.—Isso! E
KaranFico sozinho, apenas eu e a minha amargura, cercado pelo peso esmagador das lembranças que nunca me abandonam.Vou até a cama e me sento, os ombros caídos sob o fardo invisível que carrego todos os dias. Meus olhos recaem sobre as duas fotos expostas. Com mãos trêmulas, pego a primeira e encaro o momento congelado no tempo: minha família, todos juntos, sorrindo em frente à nossa casa. Hoje, aquele lar não passa de escombros.A outra foto, menor e mais pessoal, é de Samira. O sorriso dela, tão sincero, contrasta cruelmente com a ausência que grita em meu peito. Foi ela quem me deu essa foto no dia em que nos conhecemos, quando tudo parecia simples e cheio de promessas.Abaixo a cabeça, pressionando os dedos contra as têmporas. Uma dor afiada me perfura, não apenas no corpo, mas na alma.Allah! Será que minha vida não pode ter um único instante de paz?A raiva e a tristeza se entrelaçam em meu interior, um ciclo infinito. Como se o dia de hoje já não tivesse me torturado o suficie
Minhas emoções ainda vibram intensamente, resquícios dos momentos turbulentos de minutos atrás. A necessidade de me recolher ao quarto é quase instintiva, como se o espaço pudesse me proteger de meus pensamentos. A frieza no trato dele ainda reverbera em mim, mas é inegável que seu olhar parecia fixado em minha boca de uma forma quase hipnótica.Por Deus, pensei que a qualquer instante ele me puxaria para um beijo inesperado, um instante que jamais saberia como reagir. Preciso ter cuidado com esse sírio. Apesar da aparente indiferença, ele carrega uma aura que mistura perigo, rebeldia e uma impetuosidade que me desarma. Meu jeito solícito pode ser interpretado de forma errada, e isso é algo que preciso evitar a qualquer custo. Ele deixou claro, em cada gesto e olhar, que não oferece um coração, mas sim o ardor da carne e um desejo bruto que me consome.De repente, me vejo fechando os olhos e pensando nos momentos que ele me puxou para os seus braços e me beijou. Sorrio com essa sensaç
KaranMeu ouvido está zunindo, cada som amplificado por um eco perturbador. Meu corpo inteiro está coberto pelo pó de construção, e o peito arde com a presença de um estilhaço profundamente cravado. Eu não o retiro; sei que isso apenas agravaria a hemorragia.Com dificuldade, tento me erguer. Meu corpo protesta, mas consigo ficar de pé, tremendo. Meus olhos desesperados percorrem o cenário de caos até encontrarem o carro de Samira. O horror me consome enquanto avanço em direção a uma mão pálida, manchada de sangue, em contraste com o metal retorcido.— Allah! Allah não! Não pode ser. Não. Não. Não! — Minhas palavras são um lamento desesperado.O anel de noivado reluz entre os destroços, uma confirmação cruel. Ele pertence à mulher da minha vida. Uma onda de dor e negação me invade enquanto tento, inutilmente, erguer o metal retorcido.— Samira! Eu posso salvá-la! — grito, minha voz cheia de um desespero impotente.— Karan. — Uma voz suave rompe o caos, chegando até mim como um sussurr
Dia seguinte...AmandaVi Karan apenas de manhã. Foi no momento em que ele desceu para encontrar Vitor e pegar a chave de sua moto. Depois disso, ele desapareceu. Imagino que tenha ido espairecer, fugir por algumas horas do peso que carrega. Ele precisa disso. Estar confinado no apartamento é um tormento para qualquer um, mas para ele, com todos os demônios que enfrenta, é ainda pior.Passei meu dia de outra forma, tentando ocupar a mente sem precisar sair. Entre as tarefas do dia a dia, limpei o apartamento, cozinhei, li um pouco e assisti televisão. Quando o sol começava a descer, resolvi cuidar do corpo. Coloquei roupas confortáveis, calcei meu melhor tênis e fiz uma longa caminhada em volta do condomínio. O ar fresco e o movimento repetitivo das pernas ajudaram a acalmar meus pensamentos.Agora são sete horas da noite, e estou na sala, jantando. Visto meu pijama de flanela branco, cheio de pequenos ursinhos, e como em frente à televisão. É um hábito h0rrível, eu sei, mas ficou com
AmandaComo eu imaginei, Karan se recolheu logo depois do banho. Ele sempre faz isso, como se buscasse na solidão de seu quarto uma forma de se isolar do mundo — ou talvez apenas de mim.Ao contrário dele, não tive pressa alguma para ir dormir. Estava com a mente inquieta, e o silêncio da casa parecia gritar. Comecei jantando tranquilamente, com as notícias da televisão preenchendo o ambiente. A voz dos apresentadores era quase um murmúrio ao fundo, enquanto eu me concentrava em mastigar devagar, tentando prolongar o momento, como se fugir da cama significasse fugir de algo maior.Depois da janta, fui até a cozinha e lavei toda a louça acumulada. Não era muita coisa, mas estendi a tarefa o máximo possível, aproveitando para passar um pano no balcão e no chão. Cada movimento meu era metódico, quase terapêutico, como se limpar a cozinha pudesse organizar o caos dos meus próprios pensamentos.Quando terminei, voltei para o sofá, buscando distração. Abri a Netflix e escolhi um filme que j
KaranA imagem de Amanda ainda está assolando minha mente.Allah! Como ela estava perfumada!Foi difícil travar tudo, controlar meus sentidos enquanto eu a carregava até o quarto.Assisti-la enrubescer me deixa quase louco. Inspiro entrecortado.Diabos! Aquela mulher é sexy! E quando ela morde os lábios então?Giro meu corpo e desfiro um soco forte no saco. Como posso ter minha mente tomada por Amanda desse jeito? Uma mulher que tem uma cultura tão diferente da minha?Repito várias vezes o movimento, tentando mortificar os sentimentos conflitantes da minha carne que faz de tudo para que eu deixe a razão.Todo momento preciso me lembrar que a aliança que deslizei em seu dedo faz parte de uma farsa. Que ela não me pertence. Por isso tenho me mantido frio e distante. É mais fácil lidar com meus anseios dessa forma.Ergo minha perna e desfiro um chute no saco de pancadas.Repito o movimento várias vezes até o suor escorrer pelo meu rosto e costas. Hoje eu não planejava estar aqui. Eu esta