KaranMeu ouvido está zunindo, cada som amplificado por um eco perturbador. Meu corpo inteiro está coberto pelo pó de construção, e o peito arde com a presença de um estilhaço profundamente cravado. Eu não o retiro; sei que isso apenas agravaria a hemorragia.Com dificuldade, tento me erguer. Meu corpo protesta, mas consigo ficar de pé, tremendo. Meus olhos desesperados percorrem o cenário de caos até encontrarem o carro de Samira. O horror me consome enquanto avanço em direção a uma mão pálida, manchada de sangue, em contraste com o metal retorcido.— Allah! Allah não! Não pode ser. Não. Não. Não! — Minhas palavras são um lamento desesperado.O anel de noivado reluz entre os destroços, uma confirmação cruel. Ele pertence à mulher da minha vida. Uma onda de dor e negação me invade enquanto tento, inutilmente, erguer o metal retorcido.— Samira! Eu posso salvá-la! — grito, minha voz cheia de um desespero impotente.— Karan. — Uma voz suave rompe o caos, chegando até mim como um sussurr
Dia seguinte...AmandaVi Karan apenas de manhã. Foi no momento em que ele desceu para encontrar Vitor e pegar a chave de sua moto. Depois disso, ele desapareceu. Imagino que tenha ido espairecer, fugir por algumas horas do peso que carrega. Ele precisa disso. Estar confinado no apartamento é um tormento para qualquer um, mas para ele, com todos os demônios que enfrenta, é ainda pior.Passei meu dia de outra forma, tentando ocupar a mente sem precisar sair. Entre as tarefas do dia a dia, limpei o apartamento, cozinhei, li um pouco e assisti televisão. Quando o sol começava a descer, resolvi cuidar do corpo. Coloquei roupas confortáveis, calcei meu melhor tênis e fiz uma longa caminhada em volta do condomínio. O ar fresco e o movimento repetitivo das pernas ajudaram a acalmar meus pensamentos.Agora são sete horas da noite, e estou na sala, jantando. Visto meu pijama de flanela branco, cheio de pequenos ursinhos, e como em frente à televisão. É um hábito h0rrível, eu sei, mas ficou com
AmandaComo eu imaginei, Karan se recolheu logo depois do banho. Ele sempre faz isso, como se buscasse na solidão de seu quarto uma forma de se isolar do mundo — ou talvez apenas de mim.Ao contrário dele, não tive pressa alguma para ir dormir. Estava com a mente inquieta, e o silêncio da casa parecia gritar. Comecei jantando tranquilamente, com as notícias da televisão preenchendo o ambiente. A voz dos apresentadores era quase um murmúrio ao fundo, enquanto eu me concentrava em mastigar devagar, tentando prolongar o momento, como se fugir da cama significasse fugir de algo maior.Depois da janta, fui até a cozinha e lavei toda a louça acumulada. Não era muita coisa, mas estendi a tarefa o máximo possível, aproveitando para passar um pano no balcão e no chão. Cada movimento meu era metódico, quase terapêutico, como se limpar a cozinha pudesse organizar o caos dos meus próprios pensamentos.Quando terminei, voltei para o sofá, buscando distração. Abri a Netflix e escolhi um filme que j
KaranA imagem de Amanda ainda está assolando minha mente.Allah! Como ela estava perfumada!Foi difícil travar tudo, controlar meus sentidos enquanto eu a carregava até o quarto.Assisti-la enrubescer me deixa quase louco. Inspiro entrecortado.Diabos! Aquela mulher é sexy! E quando ela morde os lábios então?Giro meu corpo e desfiro um soco forte no saco. Como posso ter minha mente tomada por Amanda desse jeito? Uma mulher que tem uma cultura tão diferente da minha?Repito várias vezes o movimento, tentando mortificar os sentimentos conflitantes da minha carne que faz de tudo para que eu deixe a razão.Todo momento preciso me lembrar que a aliança que deslizei em seu dedo faz parte de uma farsa. Que ela não me pertence. Por isso tenho me mantido frio e distante. É mais fácil lidar com meus anseios dessa forma.Ergo minha perna e desfiro um chute no saco de pancadas.Repito o movimento várias vezes até o suor escorrer pelo meu rosto e costas. Hoje eu não planejava estar aqui. Eu esta
— Uma delícia esse lanche, hein? O sabor me surpreendeu — comento, tentando desviar o foco, enquanto dou mais uma mordida.Ela sorri, balançando a cabeça.— Sabia que você ia gostar. Sempre McDonald’s, Burger King, Bob’s. Você precisa se arriscar mais! Sair desse círculo vicioso, sempre presa nas mesmas coisas com medo de se decepcionar. Precisamos dar chance às novidades que surgem.Suspiro profundamente.— Verdade. Sou muito metódica. Vou seguir seu conselho.— Quando sair desse casamento, aja assim na sua vida sentimental também. Você escolhe muito. Não é à toa que ainda é virgem.Dou um fungado curto, mas não sem uma pontada de tristeza.— Escolho muito? Engano seu. Na verdade, meu foco sempre foi outro. Estudos, trabalho e, quando eu estava começando a desenvolver mais esse lado, veio a doença da minha mãe. Foram três anos nessa luta até a doença vencê-la — digo, sentindo o pesar da memória apertar meu coração.Samantha entorta os lábios, compreensiva.— Tudo bem. Eu entendo, mas
KaranAmanda surge na sala com uma xícara de café e alguns biscoitos.Ela caminha na minha direção com uma graciosidade que me desconcerta completamente. O som de seus passos é quase imperceptível, mas cada movimento seu prende minha atenção como se o mundo ao redor tivesse silenciado. Quando nossos olhos se encontram, sinto como se algo dentro de mim perdesse o compasso, e minha respiração, desobediente, sai pesada e marcada.Sem querer, prendo a respiração, lutando contra o maldito hábito do meu corpo de me trair toda vez que ela está perto.— Pra você — diz séria, erguendo o café e os biscoitos na minha direção.Seu tom direto e sua expressão impenetrável são como um escudo. Forço um sorriso amistoso, tentando suavizar o momento, e aceito o que ela me oferece. Tomo a xícara e o prato com cuidado, quase esperando um gesto de reciprocidade, um sorriso mínimo, mas nada acontece.Seus olhos deslizam dos meus com uma frieza que corta mais do que eu gostaria de admitir. Em seguida, ela s
—Trabalho nenhum.—Mas não se dê ao trabalho de arrumar a mesa para mim. Não vou comer agora. Só mais tarde.Claro que ele não se sentaria à mesa comigo, isso criaria uma intimidade que ele evita a todo custo.—Vou deixar seu prato no micro-ondas.—Obrigado.Coloco outro empanado na frigideira.Quando Karan está se afastando eu resolvo comentar:—Eu vi que fez compras e tem se virado na cozinha.Ele que estava de saída, volta seu corpo para mim.—É verdade.—Um dia gostaria de provar da sua comida.Deus! Não sei por que disse isso.Sei sim! Para provocá-lo.—Talvez você não goste. Elas são muito condimentadas para o paladar de vocês ingleses — ele diz, rápido demais.Eu deveria demonstrar uma amigável indiferença, mas não consigo e uma risada escapa sem que eu possa evitar:—Como pode afirmar isso se eu nunca provei? Eu posso gostar—o provoco.Funga.—Bem, isso é verdade.—E? Quando pensa em cozinhar para mim?—Não sei.—No dia de São Nunca?Ele fica sério.—Deveria saber que não fest
Eu sorrio com frieza. Não estou me reconhecendo.—Karan não esquenta a cabeça tá. Não te colocarei chifres.—Chifres? O que é chifres?Ele me olha sem entender e eu me viro para a porta e meu braço é pinçado pelos seus dedos novamente.Eu o encaro dessa vez demonstrando minha repulsa por seu gesto possessivo.Ele imediatamente retira a mão do meu braço e a passa pelos cabelos, respira fundo como se precisasse disso para se acalmar, então me encara:—Sei que não estabelecemos regras nem regulamentos, mas ainda assim é um casamento e você me deve respeito.Solto o ar.—Vou a uma festa familiar. Não irei me encontrar com nenhum homem. Está satisfeito?—Festa familiar? Vitor me disse que você não tem família.Fungo.—Realmente. Só tenho um tio por parte de mãe e ele está pouco se lixando para a minha vida.Ofegante ele se aproxima mais de mim:—Então que festa é esta?Bufo bem alto.—É aniversário da irmã de Samantha e ela me convidou para ir com ela.Ele me solta e se afasta. Seus olhos