Ela era uma cigana. Zaira tinha dezessete anos.
Agora ela se lembrava; outro mundo, outra vida. Ela era uma cigana, ou Romi; Tinha sido uma criança feliz, pais maravilhosos, uma infância e adolescência comum e alegre.
Viviam como nômades, de cidade em cidade, sua mãe a ensinara a ler e escrever, era filha única, mas seus amigos, seu bando, nunca permitiu que se sentisse solitária.
O preconceito contra seu povo, era grande e isso a entristecia. Entrar em uma escola, a deixaria à mercê dos preconceitos e crueldade. Outras crianças a faziam se sentir uma aberração; os próprios educadores, por não conhecer o que eram os ciganos, partilhavam do preconceito, às vezes travestido de pena ou punição gratuita e desmedida, fazendo com que seu pai achasse melhor que ela fosse educada por ele e sua esposa.
A vida entre seu
Ter a amizade de Maryah deu forças as garotas de continuarem a ir ao colégio.Eram a novidade do momento, porém os agressivos, ao verem que a diretora as protegia, mantinham certa distância.Ambas estavam adorando a escola e o aprendizado. Todos os dias tinham novidades para contar quando chegavam na comunidade. Quando estavam há uma semana na escola, seus pais foram conversar com a diretora e tal qual as filhas, a adoraram.- Ela nos disse que vocês são especiais - era Ziri quem falava, com o orgulho estampado no rosto. Dezenas de amigos estavam fora da barraca, o calor estava insuportável, mesmo sendo o começo da noite, bebiam e fumavam sentados cada um em um lugar, uns pelo chão, outros em caixotes e em um rádio de pilhas, ouviam músicas.- Ela nos disse que podemos ser o que quisermos - Falou Magna.- Idiota - Lama retrucou - Se os Cajons nem sempre
LEITURA DE MÃO CONFUSACorny, Maryah e até Rânio, que agora era visitado por Magna toda hora livre no colégio e que a denominaram sua auxiliar de enfermagem, ficaram devastados com a iminente partida das garotas.- Alguém em sua comunidade faz leitura de mão? - Perguntou Rânio a Magna que passava muito tempo o auxiliando na enfermaria do colégio.- Sim, somos em dezoito famílias e muitas mulheres lêem as mãos, minha mãe é uma delas e a senhora Lama é a que mais lê; mesmo estando já bem velha, ela ainda sai todos os dias nas praças para ler mãos - Respondeu a garota, enquanto separava bolas de algodões e as dispunham em vidros tampados.- Eu gostaria, digo, de ter uma leitura de mãos, nunca tive uma leitura - Disse Rânio, separando gazes. Eram muitos os ralados dos alunos na desabalada cor
A graça para brincarem passou, Corny ficou balançado com a leitura de Lama. Mesmo tendo brincado bastante com suas amigas e os irmãos de Magna. Não dormiu aquela noite e o pouco que cochilou, foi assombrado por pesadelos onde Lama aparecia e lhe repetia as mesmas palavras; no pesadelo, ela ficava encoberta pela fumaça espessa, mas a voz dela era indescritível e o assombrou mesmo acordado na noite interminável.Magna ao ir a escola no dia seguinte, mal assistiu às aulas, ficou o tempo todo na diretoria falando com Maryah e na enfermaria conversando com Rânio. O dia de sua partida da cidade estava chegando e a tristeza de deixar seus novos amigos, a deixava deprimida.Pela primeira vez, ela desejou não ser uma cigana. Não ter que andar pelo mundo, se fixar, poder estudar e se tornar uma enfermeira. Estava obcecada com essa idéia e não queria ir embora.
No dia seguinte, a realidade de que logo iriam embora, deixou Magna angustiada. A noite alegre no circo, esquecida. Resolveu não ir a escola. passou o dia calada e triste e por mais que Zaira insistisse com ela, a garota se animava.- É bom que já vou me acostumando, logo não iremos mais, mesmo - Dizia.- Sim, mas temos que aproveitar a presença de nossos amigos - Insistia Zaira.- Para quê? A despedida só será pior quando formos embora.- Você gostaria de ser uma Cajon? - Questionou a amiga.- Do que está falando? - Perguntou ultrajada Magna, virando-se para ela, estavam sentadas e um monte de areia, Zaira com sua mochila tentando convencer a amiga a irem para a escola.- Se fosse como as outras crianças, seria normal, poderia ir a mesma escola até se formar e depois ser uma enfermeira.- Nós somos normais! Amo minha vida de cigana
Niva veio visitá-la quando soube que ela estava internada, a freira não a havia esquecido desde seu tour pelo hospital anteriormente.- Mas minha garota está aqui e não me avisam? Como está, meu bem?A freira adentrara o quarto após três batidas de aviso e encontrara Zaira, Corny, Tâmara, Ziri, Heron, Lui e a Magna sentada na cama ainda de avental hospitalar. Niva com seu hábito escuro, mangas longas, seu crucifixo comprido no pescoço que descia quase até a cintura, não se via seus pés, o hábito os cobria. Era uma mulher de estatura média, no máximo um metro e sessenta, mas era imponente.- Estou bem, irmã, estou feliz de estar aqui.- Meu Deus, mas como assim, como uma pessoa pode estar feliz estando internada? - Fingia consternação. Se aproximara da garota, distribuindo sorrisos aos outros.- N&ati
Precisaram de mais uns dias para os trâmites legais de passar a guarda provisória de Magna para Mayah. A menina não cabia em si de felicidade. Zaira estava arrasada e não escondia isso, sua tenra idade, não lhe permitia ocultar a angústia de saber que sua amiga não iria com eles, não conseguia fingir nem ficar feliz pela amiga.- Não quero que fique, Mag, nada será como antes sem ter você.- Zai, vamos nos ver sempre, não viu que mamãe e papai voltarão sempre, nos veremos ainda.- Eu sei, mas não vou acordar todos os dias e ver você. Vai andar como os Cajons, agora, vestir as roupas iguais as deles?- Claro que não! Jamais vou deixar de usar as roupas que gosto, irmã Niva disse que compraria roupas normais para mim, que seria mais fácil e parariam de me tratar diferente mas a agradeci e disse que quero continuar a
Já fazia seis meses que estavam longe da cidade em que Magna ficara. Zaira ainda sentia falta da amiga diariamente, a angústia ainda a acompanhava, não se matriculara mais em nenhuma escola; sem Magna não teria a mesma graça e seus pais não insistiram. Caso entrasse em outra escola, não teria a companhia da amiga nem de Corny e os outros que lhes foram tão importantes.Tinham passado por cinco cidades diferentes desde que deixaram Magna, por dois estados diferentes e fazia duas semanas que estavam montados em uma cidade grande.A cidade era turística e animada, mas Zaira só se animava em sair, visitar lugares, quando ia acompanhada de Gunari e Hans; eles também sentiam falta da irmã mas procuravam não falar sobre isso, Zaira os via com o semblante triste quando brincavam ou faziam algo que a irmã gostava, mas não tocavam no assunto. Ela s
- De que lhe vale uma vida longa aqui ou lá se for para pagar os pecados cometidos? - Perguntou-lhe a velha.- É verdade - Concordou Zaira que já pensava em uma forma de se livrar daquela leitura de cartas que ela não compreendia.- Pois então, melhor fazer boas escolhas do que ficar pagando por erros e maldades. Vejamos aqui agora essa outra carta, a da Raposa, só reforça o que já falamos. Cautela. Algo novo que se aproxima, como a guerra, como já lhe disse também.- Já a carta da Estrela - Continuou Lama, com uma expressão desanimada - Ela nos diz que o que lhe é destinado, não há como desfazer, é seu destino, entende?Lama alterou a voz, Zaira já estava assustada e ficou ainda mais. Via nos olhos da velha uma motivação, uma ânsia para lhe informar, mas ela nada entendi