Ana
..Pra alguém que já havia matado uma porção de pessoas era difícil acreditar que o Kall tinha um coração, mas o meu pai também havia matado, talvez mais do que o intocável Kall, então eu sabia que ele era um homem bom, ao menos pra mim, mas quando o Kall atendeu imediatamente ao pedido do meu pai e organizou tudo pra nos tirar do país eu fiquei levemente mexida, mas não o suficiente pra demonstrar aquilo que eu estava pensando ou sentindo, eu ainda acreditava que ele jamais seria capaz de se infiltrar nos meus pensamentos de uma forma que eu não pudesse controlar.Fomos levados pra costa africana, e existia seguranças em todos os cantos da propriedade, um helicóptero pra emergências e um hiate.O lugar era realmente um espetáculo de tão lindo, e me transmitia uma sensação de paz, embora eu soubesse que estava no meio de uma grande tempestade.No dia seguinte que chegamos ao local, o celular do meu pai tocou, mas ele não estava perto pra atender, eu olhei a tela do celular e vi que era o Kall e decidi atender, eu poderia ter chamado o meu pai? Poderia...Mas eu não iria perder a oportunidade de confrontar ainda mais o cara que achava que tinha o poder do mundo nas mãos.Eu nunca considerei que o meu gênio forte fosse de fato um problema, muito pelo contrário, o meu gênio me ajudava a não fugir de confrontos, ele me obrigava a encarar os problemas de frente e a jamais baixar a minha cabeça pra ninguém, eu sempre soube respeitar quem realmente merecia respeito, mas jamais me renderia a imposição de ninguém.Deu pra notar o quanto eu conseguia deixar o Kall desestabilizado, e eu me divertia com o fato de saber que eu o deixava louco, e depois de ter sugado toda a paciência dele, o meu pai chegou e tirou o celular da minha mão, mas nada me impediu de continuar a atingi-lo mesmo que distante do celular.Quando o meu pai encerrou a ligação, ele me olhou com aquela cara de sempre, e eu sabia que escutaria outro sermão.— Precisava disso, Ana?— Eu não fiz nada demais, apenas expressei a minha humilde opinião.— Guarde a sua humilde opinião com você quando o assunto for o Kall.— O Kall precisa entender que eu não vou ser a marionete dele quando eu estiver morando com ele.— Você é igualzinha a sua mãe.A simples menção sobre a minha mãe me fez paralisar, eu não sabia quase nada sobre ela, e todas as vezes que fiz perguntas sobre como ela era pro meu pai, ele sempre dava um jeito de desconversar.— Como ela era?— Ela era impulsiva, não sabia controlar a língua, assim como você, aquilo me deixava maluco.— Por que você nunca fala sobre ela?— Vamos mudar de assunto?— É sempre a mesma coisa pai, o que aconteceu de tão grave que você não consegue falar dela pra mim por cinco minutos?— Ela partiu, e eu odeio lembrar disso, por isso evito discutir com você, porque quando você está com raiva, age e fala como ela, e isso me faz lembrar de coisas que eu gostaria de esquecer.— E qual o problema em lembrar pai?— Você não entenderia.— Então porque você não tenta me explicar?— Vamos deixar isso quieto Ana, agora vá se arrumar, vamos dar uma volta de iate, afinal estamos aqui pra aproveitarmos os meus últimos dias.Eu respirei fundo tentando não chorar, ele estava certo, precisávamos aproveitar, e eu queria fazer daqueles dias os melhores dias que já tivemos.Eu coloquei um biquíni, uma saída de banho e um chapéu, fomos pro Iate acompanhados de quatro homens armados que ficaram me devorando com os olhos quando tirei a saída e fiquei só de biquíni.— Vamos pular na água pai?— Vai você primeiro.Ele me jogou na água sem piedade e começou a rir.— Seu velho covarde.Falei logo depois de voltar a superfície.Ele pulou na água e ficamos nadando um pouco, até ele começar a tossir e espirrar sangue.— Pai? Eu gritei assustada.— Calma Ana, isso é normal pra minha condição, vamos voltar pro Iate, eu estou com falta de ar.Quando subimos no iate novamente, ele pegou a toalha se enxugou e se sentou.— Você precisa de um médico pai? Eu posso ligar pro Kall e...— Não é preciso, ele já disse que mandaria médicos amanhã, e não existe nada que se possa fazer agora, a tendência é só piorar Ana, eu preciso que você esteja preparada pra isso.Eu enchi os meus olhos de lágrimas e não aguentei segurá-las, elas começaram a cair e o meu pai me encarou com um olhar de culpa.— Eu sinto muito por essa dor que você está sentindo minha filha.— Eu não quero perder o senhor, eu odeio essa droga de vida.— Não fale isso, um dia você será uma excelente professora, e terá a vida que sempre sonhou.— Como? Você mesmo disse que eu iria ficar sob a guarda do Kall.— Eu vou conversar com ele Ana, eu vou pensar em uma forma de você ter uma vida boa sem correr grandes riscos.— Você promete?— Eu prometo.Eu o abracei e chorei muito enquanto ele alisava os meus cabelos, eu sentia a dor de estar prestes a perdê-lo, mas também sentia alívio por saber que ainda existia uma chance pra mim.— Agora vamos voltar pra casa, eu estou me sentindo com fome e cansado.Quando chegamos em casa eu me lembrei de um detalhe que havia passado despercebido por mim, eu estava com a cabeça tão cheia de problemas que esqueci que estava sem celular e que também não havia informado a universidade sobre a minha ausência nas aulas.— Ah droga, como posso ter esquecido disso?— Esquecido de quê?— Eu quebrei o meu celular, preciso de um novo, e também não informei a universidade sobre a minha ausência nas aulas.— Como você quebrou o seu celular?— Eu joguei ele na parede.Ele ficou me encarando tentando assimilar aquela reação a mim, pois aquela era a primeira vez que eu havia descontado a minha raiva em um objeto.— Não me olha assim, a culpa foi sua.— Minha?— Sim, você ficou brigando comigo por causa daquele...Deixa pra lá, só de falar dele eu já fico indignada.— Eu vou mandar alguém providenciar um celular pra você, e sobre a universidade eu vou falar pro Kall resolver isso.— O Kall vai resolver isso como? Ele não é meu pai e é novo demais pra justificar a minha ausência como se fosse o meu tutor.— Não há motivos pra se preocupar, Ana.— Pelo visto, é tudo muito fácil de ser resolvido estando nessa vida.— Não é que seja fácil, só somos práticos.— Eu só espero que essa praticidade não me coloque em uma posição ruim diante do reitor.Eu fui pro meu quarto tomar um banho pra esfriar a minha cabeça, mas a verdade era que nada conseguiria me deixar mais tranquila diante de tudo aquilo que eu estava sendo obrigada a aceitar.Eu não gostava nem um pouco de todo o poder que o meu pai estava dando ao Kall sobre a minha vida.kall..Um dos meus homens foi me avisar que a mulher que eu solicitei já havia chegado.— A traga até mim.— Sim senhor.Quando ela entrou no quarto eu notei uma certa semelhança entre ela e a filha do Lion, ela não era tão linda quanto a Ana, mas os cabelos castanhos quase loiros, o tamanho dos seios, e os lábios rosados eram bem parecidos.A venda nos olhos não me permitia ver mais detalhes do rosto dela, mas não importava, afinal eu nunca mais comeria aquela mulher outra vez.— Como você se chama?— Nathaly.— Você sabe onde está, Nathaly?— Não, mas me ofereceram um valor muito alto pra estar aqui.— E você não teve medo de ser levada pra um lugar que você não conhece pra encontrar um completo desconhecido?— Não é a primeira vez que passo por isso, eu já estou acostumada com essa vida.— Então você não vai se importar com isso aqui, não é?Eu a segurei pelo pescoço a encostando na porta e enfiei a outra mão por dentro da calcinha dela.O fato dela estar de saia facilitou muito
Os meus homens conseguiram sobreviver, apesar de um deles precisar fazer fisioterapia depois de se recuperar da cirurgia, mas enquanto eles estavam sendo operados, conseguimos localizar o helicóptero que estava sobrevoando a casa.— Senhor, o helicóptero pertence a uma empresa privada que aluga helicópteros para fins comerciais.— Mas é claro, já era de se esperar algo assim, afinal quem iria querer ser descoberto? Qual é o nome do proprietário da empresa?— Ele se chama Enzo Marazzo, tem 42 anos e aparentemente não tem nenhum envolvimento com o crime.— Aparentemente eu também não tenho, no entanto...— O que devemos fazer?— Eu quero saber se tem esposa, filhos, mãe, pai, onde moram, que lugares frequentam, quero fotos, nomes, tudo.— Sim senhor, iremos providenciar essas informações.Eu me retirei e fui pro meu escritório, a minha cabeça estava explodindo, e eu estava furioso, mas a minha intuição dificilmente falhava, algo me dizia que o dono da empresa me daria as respostas que
Ana..Durante o jantar o meu pai me entregou uma sacola de uma loja e quando eu abri vi que se tratava do meu novo celular.— Obrigada pai, mas não precisava ser um tão caro.— Dinheiro nunca foi problema Ana.— Não gosto de saber que minhas coisas são compradas com o dinheiro do crime.— Não vamos ter essa conversa na hora do jantar Ana.— Você falou com o problemático do Kall sobre as minhas faltas?— Sim, ele vai resolver da melhor maneira possível, não se preocupe.— E sobre o meu futuro?— Nós também conversamos sobre isso.— E então?— Você irá morar com ele até o fim do seu curso, após isso ele irá comprar uma casa e um carro pra você e...— Eu não quero nada que venha dele.— O dinheiro será meu, mesmo não estando vivo, o meu dinheiro irá manter você.— Eu quero trabalhar pra manter as minhas próprias coisas.— Você não está ajudando Ana, se você quer ter uma vida normal, terá que facilitar.— Tudo bem, depois que ele comprar a casa e o carro, como será?— Você irá morar soz
Kall..Eu estava em uma ligação importante falando da mercadoria que eu iria receber no dia seguinte quando fui sinalizado pelo celular que havia uma segunda chamada, quando eu olhei pra tela era o Valente, o responsável por me passar todas as informações importantes referente ao Lion e a Ana, ver o nome dele na tela me deixou preocupado, então me apressei em encerrar a ligação que eu estava e atendi a dele.— O que houve?— Senhor, o pior aconteceu, Lion está morto.— O quê? Quem o matou? Quem foi o desgraçado que o matou?Uma onda de fúria reverberou pelo o meu corpo, e várias suposições passaram pela minha cabeça em questão de segundos.— Ninguém o matou senhor, ele passou mal, começou a sangrar pela boca e pelo nariz e morreu antes mesmo de conseguirmos um médico.— Que porra! Eu prometi que mandaria médicos pra ficar a disposição dele amanhã, como isso aconteceu tão rápido? Eu vou matar aquele médico Valente, ele garantiu que o Lion tinha alguns meses de vida, ele será responsa
Ana..Nenhum dos homens presentes na casa teve a ousadia de me conter, aquela era a minha forma de lidar com a dor, mas no final de tudo eu fiquei exausta, tudo à minha volta estava um caos, mas por dentro eu estava bem pior.Eu sentei no pé da cama e fiquei olhando pra porta, completamente paralisada, eu estava esperando que o meu pai entrasse a qualquer momento, mas quem acabou entrando foi um dos homens com um copo de água e uma cartela de comprimidos, não teve jeito, eu tive que me render antes de enlouquecer de vez.— Você precisa tomar isso, senhorita, por favor.Eu tomei três comprimidos diferentes sem questionar.— Deitei-se, em poucos minutos você pegará no sono.Ele me ajudou a levantar do chão e eu fui pra cama ainda com o sangue do meu pai no corpo e nas mãos, mas aquilo não importava, tudo o que eu queria era apagar e esquecer daquele pesadelo.Quando o dia amanheceu e eu abri os meus olhos, a primeira coisa que eu fiz foi chorar, eu levantei da cama e caminhei pro banh
Kall..Ingrata...Era isso o que aquela garota era, mesmo depois de eu fazer um enorme esforço pra ser amigável com ela, eu ainda tive que aguentar a língua solta dela falando coisas que me deixavam extremamente irritado.Ela me pegou olhando pra ela e achou que poderia me afrontar, e uma nova discussão aconteceu bem ali, diante do caixão do pai dela.Eu não queria envolver um morto naquilo, mas eu não poderia deixar ela vencer aquela discussão, e eu jamais alimentaria a ideia de que ela estaria livre depois do enterro, afinal o Lion deixou bem claro o que queria e eu não iria falhar com ele.Ela sabia muito bem que eu jamais a mataria, então soltava palavras ao vento como se realmente não se importasse se aquilo realmente acontecesse.A verdade era que quanto mais eu conhecia aquela garota, mas eu achava o gênio dela parecido com o meu.Eu já tinha ouvido tantos xingamentos na minha vida que não fazia diferença nenhuma vê-la enlouquecer diante do meu comportamento, segurar o queixo
Ana..A sensação de perder alguém que amamos nos coloca em uma montanha russa de emoções, uma hora estamos conformadas com aquela perda, em outra estamos debruçadas sobre o caixão praticamente implorando pra aquilo ser somente um pesadelo.O pior era saber que eu não tinha ninguém pra segurar a minha mão e me dizer que aquilo tudo iria passar.Eu não tinha família, não sabia quem tinha o meu sangue, tudo o que eu tinha eram resíduos das poucas vezes que o meu pai falou sobre a minha mãe.Quando o Kall avisou que o meu tempo com o meu pai havia acabado, eu entrei em desespero, pois aquilo significava que eu não o veria nunca mais e tudo que eu teria dele eram lembranças de uma vida que eu não escolhi.Eu não queria que o meu pai fosse enterrado no mesmo cemitério que o pai do Kall, o meu desejo era que ele fosse enterrado ao lado da minha mãe, mas eu nunca soube onde ela havia sido enterrada, e aquilo continuaria sendo um grande mistério pra mim.Eu fui pro quarto pegar as minhas coi
Kall..Eu sabia que a Ana iria ficar totalmente perdida ao se deparar com aquelas pessoas que ela nunca viu, mas ela precisava entender quem era o pai dela e como funcionavam as coisas entre nós.Ser um homem respeitado no mundo da máfia era algo difícil, o Lion havia feito o nome dele em nosso meio, então era normal que homens importantes fossem dar o último adeus.Apesar da Ana ter ficado surpresa com a revelação que fiz sobre os cargos daqueles homens, ela se manteve calma, mas ao final do enterro ao ver uma frase bíblica na placa, ela não conseguiu esconder o quanto aquilo a desagradou, ela praticamente esfregou na minha cara que aquilo era uma tremenda hipocrisia.Eu entendi todas as perguntas que ela fez, afinal pessoas como nós na cabeça dela não mereciam o cuidado de Deus, e a fé não se encaixava na nossa realidade, mas mesmo entendendo o raciocínio dela eu fui atingido por cada palavra que ela disse.A verdade era que eu precisava de alguém pra confiar, alguém supremo que e