Dívida

Quando acordou tudo doía e vagarosamente abandonava o embaçado para ganhar cor e alguma profundidade. O céu era de uma vastidão profunda perdida em um manto negro que engolia tudo,  as estrelas e até mesmo as nuvens tempestuosas carregadas de neve. O vento gelado açoitava seus braços desprotegidos e por isso acordará em plena madrugada. Se não fosse por isso dormiria mais quem sabe muito além do amanhecer. Afinal ele precisava dormir. 

-- Que bom que acordou! - Disse ela com o rosto tingido pela luz vermelha - amarelado.

Assim que a fitou perguntas rapidamente surgiam em sua mente e conforme acordava eram respondidas com uma sessão de flashs.  Ela era uma estranha que conhecerá a pouco na estrada. Ela era a isca que não sabia o caminho para onde ia e mesmo assim salvará sua vida. Ele não admitiria tal fracasso e a levaria a seu destino mesmo que isso custasse a sua vida e a deixaria segura na porta de casa e iria embora. Por que sentia que devia isso a ela não um obrigado ou um pedido de desculpas mais uma atitude que pagasse a sua dívida.

-- Quando tempo... - a voz estava fanha, rouca e falha. -- … eu dormi?

A frente da fogueira o rosto dela ganhava detalhes que antes não havia reparado e um deles era um pouco de garra. Ele não precisava saber seu nome tudo que desejava era levar o mais rápido ao seu destino e retornar à tempo para fazer as provas. Afinal era por isso que estava ali treinando, caçando e sobrevivendo. Para se tornar apto a prender uma arte sagrada e para pouquíssimos. Algo impossível pra ele em diferentes níveis. Magia.

-- Umas doze horas... ou mais - Informou dando um pedaço de carne. -- Eu peguei um coelho em uma das suas armadilhas.

A carne estava sem sal e um pouco crua,  talvez com mais meia hora estivesse no ponto. Mas por hora era o suficiente pra saciar sua fome.  

Parte dele se sentia exposto sem arma alguma tudo indicava que em algum momento alguém atacaria. Era uma questão de quando é não de como. Orion não era paranóico era uma questão simples se podia dar errado daria,  ele nunca podia se dar o luxo de contar com a sorte de pensar por um momento que era o destino e não seu treino.  Ele estava cansado de ser o azarrado e por isso treinava tanto para depender de si mesmo e de seus poucos talentos. Então questionou quase afetado porém seu tom assim como a voz era como a brisa da madruga leve e gelada. 

-- O meu arco? … Você encontrou? 

-- Como estava quebrado eu… joguei no fogo. - informou receosa. 

Isso o deixou frustrado aquele era o seu primeiro arco agora estava junto às cinzas perdido no meia das brasa. Em seu rosto a expressão era ilegível e um toque de frieza e indiferença banhava seus olhos e essa expressão sempre afastava a todos os desconhecidos. 

-- Não tem problema eu tenho outro.  - Ele fitou a árvore observando o estrago e mais uma vez se perguntava: como estava vivo? -- Você consegue subir naquele pinheiro? - Apontou olhando pra ela quase a estudando. 

-- Quem sabe ... - ela não tinha certeza de nada e a única coisa que sabia era que seu corpo precisava de mais descanso.  Agora mal aguentava com ela mesma imaginei escalar uma árvore tão grande. -- de manhã eu consiga. 

Ele considerou tudo e mais uma vez seus olhos retornaram a ela desviando do pedaço de carne em suas mãos. Os olhos estavam vermelhos e fundos,  os movimentos desleixados e pra confirmar um longo bocejo cruzava os lábios.  Ela precisava dormir e Orion precisava de um tempo sozinho. 

-- Durma que eu fico de vigília. - Disse ele impassível mais dando uma ordem do que sendo gentil. Mas de qualquer forma ele não conseguiria voltar dormir a dor era imensa e percorria seu corpo como um raio levando toda a informação ao cérebro como um tiro. 

Ela não sabia como isso seria possível no atual estado dele, porém resolveu não questionar. Já que o corpo não pedia mais implorava por um descanso.  Ela não deixou o fogo apagar, com muito esforço capturou um animal e para ajudar fez uma tala na perna deslocada dele. Tudo que ela precisava era de um descanso despreocupado e relaxante. Ela lutou bem contra o sono agora era sua vez de se entregar a ele. Mas antes que fechasse os olhos lembrou de uma coisa que precisava dar ao caçador algo que nunca pertenceria a ela.

-- Você pode querer isso. - Ela caminhou até o garoto que estava escorado em um tronco não muito longe. Nos olhos dele ela se via refletida perfeitamente envolta na luz da fogueira e por um momento se sentia como a próxima vítima pegando fogo, mas mesmo assim entregou a adaga que encontrou caída ao lado dele.

Haviam mil coisa em sua mente, mas agora tudo que precisa era de algumas horas bem dormidas. Assim que deitou a cabeça em sua mochila ela caiu em um sonho profundo e finalmente o corpo exausto estava em repouso.  

Orion esperou alguns minutos pra ter certeza que ela estava dormindo então sem pressa tirou a tala que futuramente seria um empecilho. Depois apoiou o pé em uma pedra e colocou no lugar enquanto engolia a dor ao sabor de lágrimas. Ainda desatou as faixas do peito para contemplar o estrago completo.  Manchas negras, roxas e verdes infestavam o tronco como alguns cortes por todas as partes do peito e abdômen. 

Ele resgatou o envolucru verde da cintura e passou a pomada no peito,  que não era mais que uma mistura de ervas e água não qualquer água mais a água que para qualquer alquimista podia custar caro. A primeira sensação foi alívio que deu lugar a ardência que era melhor que a dor que tinha sentido.

Teimoso Orion tentou escalar a árvore, mas não queria forçar o joelho o guardando para a longa caminhada. Ele aproveitou o silêncio para treinar o que não era muito difícil tendo um único truque. Das mãos um pequeno filete de água escorria enquanto o real desafio era manter o fluxo constante e produzir o máximo possível.  O próximo passo era fazer água amaldiçoada que seria um bônus e se conseguisse produzir água abençoada teria completo sucesso no treino. O que conseguia na maioria das tentativas devido a incessante prática.   

O sol escalava o horizonte trazendo vida ao céu cinza que por pouco não era negro, todas as nuvens estavam lá eram as mesmas que o perseguiam mais dessa vez tomavam a dianteira e nos poucos raios de sol o garoto poderia vislumbrar um sorriso, como quem diz você ainda vai perder pra mim.

Mais uma vez passou "Óleo verá" no corpo sabendo que demoraria pra passar de novo como poderia  não haver outra chance e com os olhos cravados em algum canto de sua mente Orion revia cada segundo da luta. Observando tudo que poderia ter feito,  algo que devia ser acontecido de forma diferente e sobre tudo quando tudo deu errado. 

Em todo caso nada mudaria o fato que ainda estava vivo e que o desastre de ontem ao menos servia para instrui-lo no futuro. Cansado de não fazer nada se pôs de pé e se acostumando a dor deu o próximo passo. O estômago roncava anunciando ao corpo que a pouca carne que mastigava de noite não era o suficiente. Orion não tinha nada senão uma adaga e alguns metros de fio transparente e mesmo assim estava confiante que caçaria algo.

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