A quarta-feira passou como um sopro.
Tinha conseguido entregar os textos da Verônica a tempo de mandar para a produção, mas precisei passar do horário para isso. No relógio, as horas passavam no grito — na verdade, elas pareciam ter agarrado nas sete. E isso aconteceu depois que Samuca me mandou uma mensagem, dizendo que passaria para me buscar. Nós precisamos conversar, embora isso não estivesse escrito, mas deva para ler nas estrelinhas. Eu comecei a listar mentalmente todos os assuntos que precisaria abordar e os argumentos em minha defesa começaram a surgir, tão rápido quanto um hamster correndo em uma roda, dando voltas e voltas sem sair do lugar.
Isso é ridículo, pensei enquanto enumerava no dedo como se fosse uma espécie de reunião.
Que absurdo!
O que eu estava fazendo?
Ele é meu noivo!
Direcionei-me ao banheiro e fit
A sequência de Dua Lipa animava o local com as batidas agitadas de Don’t Start Now, mas eu não apreciava essa energia, porque já passava do sétimo chope, e começava a me afogar num desânimo que só conseguia me tirar suspiros frustrados.— Pensei que sair para beber fosse me deixar menos nostálgica. — Confessei apática, apoiando a cabeça em uma mão e girando a caneca de vidro vazia pela alça.— Conversar ajuda — Mari disse, olhando para mim como quem espera alguma coisa.— É verdade... — Lorena concordou, e Fernanda pegou a mão que girava a caneca sobre o tampo de madeira do bar do Brews.— Às vezes... — eu hesitei um pouco em falar, mas o álcool já tinha soltado a minha língua na quarta chopada — eu me pego pensando o porquê de algumas coisas acontece
A sala do consultório estava fria, mas eu não sabia se era o ar condicionado rufando abaixo dos vinte graus ou se era a aflição falando mais alto.Eu não sabia, mas a sensação não era boa. O meu estômago se revirava como se tivesse engolido alguma coisa viva, o meu abdômen e as costas estavam contraídos, e ver o médico correndo os olhos para lá e para cá na pasta de exames, num silêncio colossal fez tudo se tornar pior.A garganta do Doutor Maesse se mexeu para cima e para baixo, como se tivesse engolido alguma coisa muito grande e mal mastigada. Os olhos dele não estavam mais na pasta que continham os resultados dos novos exames da minha mãe e ele suspirou para o que diria a seguir.— Cecília, eu não tenho notícias agradáveis, mas o câncer está em estágio inicial. — Ele abaixou o olhar pa
— Pessoal — era a voz de Thomas e ele parecia esbanjar simpatia em seu tom. — O restaurante está bastante movimentado — constatou o óbvio, e Mariana se virou para o lado a fim de fitá-lo. Eu apenas ignorei o fato, já que estava de costas para ele e não me daria ao trabalho de virar para encará-lo. — Então, vocês se importariam se Augusto e eu nos juntássemos a vocês?O ar se tornou rarefeito, e nossas posturas se tornaram tensas. Nós quatro nos entreolhamos, sentindo o clima pesado. Quem teria a coragem de dizer não para o chefe? Fernanda tinha motivos óbvios para não querer Augusto por perto em sua hora de almoço, e esperei que ela fizesse alguma coisa, mas isso não aconteceu.Cutuquei o braço dela e ela ergueu a cabeça, inquirindo com
Algum tempo depois, ainda afogada em pensamentos, sobressaltei ao ouvir um carro cinza irromper em alta velocidade. A enxurrada de água recaiu sobre mim assim que a roda passou rápido pela poça, ensopando-me de água suja. A indignação me tomou por inteira, e eu vasculhei a rua, percebendo Thomas não estava mais atrás de mim, e eu sequer sabia em que momento isso tinha acontecido.Esfreguei os braços por cima do casaco molhado e senti o alivio quando os meus ombros caíram, relaxados. Não importava o que Thomas estava fazendo, bastava vê-lo para que eu tomasse uma postura defensiva. Era uma reação do meu corpo para mantê-lo afastado.Eu só precisava chegar em casa e tentar falar com Samuca. Ele era a minha maior preocupação. Nessa confusão toda, o meu noivo quem estava sendo o maior prejudicado.A fachada do condomínio se fez ve
A viagem de Minas para o Rio de Janeiro durou cerca de sete horas. Era o bastante para me deixar exausta e desejar ficar longe das pessoas. Parecia que quanto mais tentasse lidar com o sentimento de vazio interno, que queria engolir, mais acabava ficando resignada e triste.O grande portão duplo preto e gradeado da casa da minha tia foi aberto, e ela caminhou até ficar de frente para a minha mãe, cumprimentando-a e depois, prostrou-se diante de mim. Eu não queria falar, conversar e muito menos ser simpática. Ela já sabia disso, porque nesse aspecto nós três também éramos muito parecidas, e mesmo assim, abriu um grande sorriso. Procurei um motivo para sorrir, mas quando não encontrei, ela me cumprimentou com um abraço apertado e caloroso ao afagar as minhas costas.— Não fica assim, meu amor. As coisas vão ser bem melhores de ago
A semana não passava. A quinta-feira tinha se tornado uma espécie de inferno pessoal. Parecia que o tempo tinha parado num pesadelo sem fim.Minha mãe tinha aceitado fazer a cirurgia, mas ao contrário do que era esperado, não estava lidando muito bem com a situação — se é que existe um jeito bom de lidar com o câncer. Ela não queria falar comigo, não estava comendo direito e a pior parte é vê-la afundar num posso de negação e depressão sem poder fazer nada para ajudar. A cirurgia precisava ser feita antes que a doença se alastrasse e tomasse maiores proporções. Isso realmente não estava sendo bom para ela? Quero dizer? Câncer... Câncer não é uma coisa boa, ninguém quer ter, mas descobrir que havia chances não bastava? Isso era bem mais do que pacientes em estágio avançado tinham.
Passei a mão pelos vidrilhos do busto do vestido deslumbrante. Estava difícil acreditar que minha tia o havia escolhido especialmente para mim.Eu estava feliz e mesmo que esse não fosse um dos vestidos que eu ao menos me daria ao trabalho de experimentar, porque custava uma fortuna e segundo, era completamente diferente do que estava acostumada a vestir. Não que eu não goste de coisas bonitas, pois o vestido ia além de bonito, ele era deslumbrante, mas o meu estilo era mais simples, casual e despojado.Girei o corpo para me analisar na frente do espelho de corpo inteiro, inclinando-me nas pontas dos pés ao simular um salto. A saia de princesa champanhe era de tule inglês, descendo rodada e volumosa até o meio das coxas. O busto coberto por vidrilhos entre tons de branco e prata e desciam em fileiras aleatórias e espaçadas pela saia. O decote em V profundo exibia os arcos
— Por que você está dizendo isso? — perguntei totalmente abalada. Não por estar me sentindo ofendida; eu estava, mas porque no fundo tinha consciência de que não era mentira e ouvir da boca dele tornava tudo ainda mais doloroso.Nós éramos perfeitos juntos. Quando tudo começou a ser tão difícil e errado?Quando Thomas apareceu. Essa resposta era bastante óbvia, mas ao mesmo tempo, tão complicada, pois precisava reconhecer que Thomas havia mudado muita coisa desde que chegara. O simples fato de ele estar por perto alterou todo o curso da minha vida, e ter de admitir isso era basicamente assumir que ele ainda era importante de alguma forma.O meu coração era do Samuel, eu queria que fosse. Mas eu estava pisando numa linha de indecisão que beirava o absurdo. Thomas e eu não tínhamos nada. Nenhum vínculo no presente. Por que estava