O convite

Minha amiga entrou em seguida e pediu que eu a esperasse para ir embora. Sentada no banco, fico encarando o panfleto, sem ver nada exatamente. Uma hora aconteceria. Dante é lindo, óbvio que se envolveria com alguém tão lindo quanto ele, apenas não esperava que fosse com alguém tão próxima a mim.

Nunca vi uma consulta experimental de alguém que tem dentes perfeitos demorar tanto, sério, estou há uma hora esperando-a sair. E os pacientes que estão aguardando já começaram a reclamar. Algum tempo depois, ela sai da sala toda sorridente. Se as pessoas aqui pudessem destruir alguém com o olhar, minha amiga seria um monte de poeira!

— Nossa! Se não te conhecesse, diria que acabou de colocar esses dentes… ah, espera, já eram seus antes de entrar lá! — zombo e me levanto, saindo do consultório. Carol veio logo atrás.

— Ei, o que foi? Por que está tão aborrecida assim? — ela toca em meu braço e paro. 

— Está mesmo fazendo essa pergunta? — Cruzo os braços.

— Ok, demorou um pouco, eu sei.

— Um pouco são quinze minutos, demorou meio século, o que fez lá se seus dentes são perfeitos? — indago, irritada. 

— Nós conversamos e… caramba, você está com ciúmes! — exclama, estupefata. 

— Não estou, não, apenas fiquei curiosa, já que saí em menos de cinco minutos — dou de ombros. Ela está certa, eu estou mesmo morrendo de ciúmes.

— Olha, desculpa. Quando falava dele, achei que era brincadeira, que era crush tipo daqueles de livros e filmes… não sabia que sentia algo de verdade, Manu — seu tom é sério e culpado.

— Tudo bem, vai. Nada a ver eu ficar chateada com você, eu não tenho nada com Dante e está na cara que nunca vou ter — suspiro. — Confesso que bateu um ciúme sim, mas já passou — não, não havia passado, mas não seria injusta com ela a esse ponto.

— Não diga isso, Emanuele. Vai ver ele nunca disse nada porque não sabe do seu interesse — ela tenta amenizar.

— É, poderia ser isso. No entanto, não sou cega e nem você. Percebemos em quem ele ficou interessado — voltamos a andar e aperto o botão do elevador.

— Você acha? — pergunta animada e sinto uma dorzinha no peito por vários motivos. 

Sim, eu gosto do Dante, entretanto, eu amo minha amiga e, se ele ficou interessado nela, por que iria condená-los? Seria complicado, mas, por ela, valeria.

— Acho sim.

— Então não ficaria chateada se ele me convidasse para jantar? — semicerra os olhos em expectativa. 

Ok, Emanuele, respire. É sua amiga, sua amiga querida que cresceu com você… 

Ownn, encontrando um chakra… isso, respira… encontre algum chakra de qualquer coisa… 

— Não — respondo arrastada.

— Ah, que bom! Ai, fiquei muito animada. Você sabia que ele tem um consultório nos Estados Unidos? Na verdade, é dele e do irmão… — Carol tagarela sobre a vida dele e suspiro derrotada. Não seria nada, nada fácil mesmo!

Deixo Caroline e sua animação com o encontro de hoje à noite. Sim, hoje à noite! Afinal, o amor tem pressa, não é? Ao menos é o que dizem os livros e filmes.

Eu ia para minha casa, contudo, minha mãe pediu para ir até a casa dela, pois tinha novidades. Acho que nada poderia ser pior do que o fato da minha melhor amiga começar a sair com o cara que gosto há mais de dois anos… 

Ai, como odeio dezembro! Parece que a vida de todos se acerta nesse mês, menos a minha, claro!

Estaciono em frente à casa da minha mãe, que fica em uma região nobre aqui do Rio.

Na entrada da casa, já dá para sentir o clima de Natal. O cheiro da casa da minha mãe fica adocicado, algo que lembra abacaxi e canela… eu amava sentir esse cheirinho quando era mais nova, eu chamava de cheirinho de Natal.

Pena que as coisas mudam.

Ensaio bater na porta, mas ela abre num rompante. Minha irmã surge com um sorrisão.

— Emanuele! — pula em meu colo, me apertando. Minha irmã tem 26 anos, é um amor, e não me surpreende que tenha encontrado alguém legal para compartilhar a vida.

— Evelyn, meu Deus, vai me sufocar — falo ofegante, Evelyn sempre foi muito carinhosa e, depois de algumas situações que passei, ficou o dobro, portanto, é sem filtro para suas demonstrações de afeto explícito.

— Desculpa mana, vem. Nossa mãe tem novidades — me puxa pela mão e caminha apressadamente até a cozinha enorme e aberta. 

Como nossa família é grande, nossos pais preferiram deixar a cozinha como ponto central da casa, já que todos comem demais e minha mãe ama cozinhar.

A família está quase toda aqui. Tia Zuleica, tio Jorge, meu primo Fábio — pais e irmão de Fabrícia —, minha irmã e o noivo, meus pais, meus quatro avós, sim os quatro, e, claro, Fabrícia…

— Ah, ela chegou! — minha mãe vem me abraçar. — Querida, não está se alimentando direito? Está tão magra — ela segura meu rosto entre as mãos, sempre fui magra, mas para minha mãe eu estava só no osso, sempre. — Deixa ela, Beth, a menina acabou de chegar — meu pai beija o alto de minha cabeça. — Tudo bem, filha?

— Estou bem, pai. Obrigada!

— Menina? Acho que Emanuele está muito velha para esse tratamento, Antônio — murmura minha avó Célia, mãe do meu pai.

— Também te amo, vó! — Jogo um beijo para ela, que sorri e dá uma piscadinha, balançando os cabelos acinzentados num coque elegante.

Meu avô Jonas, pai do meu pai, me abraça e o outro, o avô Clécio, pai da minha mãe, continua sentado, distraído com uma porção de rabanadas que ele adorava e pouco falou. Vô Clécio era mais na dele.

— Como está minha garotinha? — Agora foi a vez da minha outra avó, Joana, mãe da minha mãe. 

Eu disse, família grande… 

— Estou bem, vó Jô!

Meu primo se aproxima e me levanta no ar, para depois estalar um beijo em minha bochecha.

— E aí, ruiva? Está uma gata ainda, prima. Se quiser, estou disponível, podemos nos casar — brinca e lhe dou um soco de leve. 

Sou ruiva, como todo o lado da família do meu pai, embora vó Célia já não possua seus fios acobreados. Tenho longos cabelos ondulados, acobreados e olhos azuis e, ah, pequenas sardas no rosto. Minha irmã herdou a genética da nossa mãe, cabelos loiros, os olhos são azuis como os meus e do nosso pai.

— Eu passo! Mas você está bem bonito, hein? — bagunço seus cabelos, Fábio é igual à Fabrícia, cabelos loiros e olhos verdes como aos do tio Jorge, que é irmão da minha mãe.

— Não fale besteiras, moleque! Seus filhos nasceriam deformados — vó Célia solta e tia Zuleica se engasga com alguma coisa que comia.

— E você é muito pirralho para ela — vó Jô implica, sorrindo.

Balanço a cabeça e me viro, encontrando Fernando se escangalhando de rir.

— Já sabe que vai fazer parte dessa família, não é? — brinco, indo até ele e dando-lhe um abraço.

— Adoro sua família, acho que só estou me casando com a Evelyn para ficar com eles — retruca e pisca para ela. 

— Eu disse que gostava desse rapaz! — fala vó Célia, ela é dessas.

— Eu também! — Evelyn responde, se aconchegando nos braços de Fernando.

— Você tem um irmão, Fernando? Sabe, seria bom para Emanuele — vó Célia prossegue e rolo os olhos.

— Deixe-a em paz, vó Célia — minha irmã ralha.

— Tenho sim, vó, mas ele é casado — meu cunhado dá de ombros.

— É, não se pode ter tudo — ela emenda.

— Ok, todo mundo já viu que Emanuele está bem, vamos logo ao que interessa — Fabrícia se intromete e fica no centro da cozinha. — Bem, como vocês sabem, os pais do John são ricos e tem uma mansão nos Hamptons! — ela b**e palminhas e todos comemoram. — E, meu marido e eu, queremos convidar a família para passar o Natal conosco lá! — a alegria é geral, meu Deus… não basta passar o natal em família, tem que ser na casa da família perfeita de Fabrícia. — Ah, Emanuele, você e aquela sua amiguinha podem ir também.

— Obrigada, e o nome dela é Caroline — corrijo irritada, como se ela não soubesse.

— Tanto faz — abana a mão sem dar importância.

— Quando poderemos ir, mana? — Fábio indaga com a boca cheia de panetone.

— Hoje já é dia 16, pensamos que poderiam ir até o dia 18, assim curtiremos mais a casa — diz com um sorriso afetado.

— Ainda bem que nossos passaportes estão em dia. Você vai, não é, Emanuele? — minha irmã se aproxima.

— É claro que vai, onde já se viu passar o Natal sem a família? — nossa mãe se intromete e manda por água abaixo os meus planos com Carol.

— Quem sabe arruma um americano rico, igual a Fabrícia — Vó Célia alfineta e rolo os olhos novamente.

— Acho que não tenho muita escolha. Vou falar com Caroline, planejamos passar juntas esse ano — falo baixo apenas para minha irmã e meu cunhado ouvirem.

— Natal de solteironas, que coisa mais triste — Fabrícia intervém. — John convidou alguns amigos, quem sabe eles não sentem pena de vocês duas? — ri com escárnio.

— Ah, cala essa boca, Fabrícia! — Evelyn censura. 

— Tudo bem, eu já não esquento — minto. 

Eu sempre me senti mal com os comentários dela. Sinceramente, eu não sei o que houve entre nós, éramos unidas e, de repente, Fabrícia se afastou e começou a implicar e competir comigo. Atualmente, ela ganha de lavada.

Enquanto o povo faz planos de viagem, sento-me no sofá e relaxo, minha mãe prepara uma marmita para mim e, quando ela faz isso, levo comida para quase um ano. Envio uma mensagem contando a novidade para Caroline.

Eu:

"Amiga, advinha só, fomos convidadas para passar o Natal nos Hamptons..."

Carol:

"O quê?????!!! Como assim?? Por quem?"

Eu:

"Advinha..."

Carol:

"Ai, Fabrícia? Sério?"

Eu:

"Seríssimo!"

Carol:

"E você aceitou?"

Eu:

Ela fez o convite no meio da cozinha da minha mãe, com todo mundo reunido, não tive escolha. Você conhece a minha família."

Carol:

"Bem, eu vou com você e ficaremos juntas, como sempre ficamos. Deixa ela pra lá."

Eu:

"Eu deixo, você sabe. Ela que não me deixa em paz."

Carol:

"É uma implicante, isso é o que ela é. Amiga, preciso ir. Dante veio me buscar, me deseje sorte."

Eu:

"Não precisa de sorte, você é incrível!"

Carol:

"Você que é, te amo! Amanhã conto tudo!"

Eu:

"Mal posso esperar..."

Desligo o telefone. Não quero saber sobre o seu encontro, não hoje nem amanhã, tampouco qualquer outro dia. É injusto, eu sei, mas isso está me afetando, infelizmente.

Meu avô Jonas se senta ao meu lado e passa o braço por meus ombros.

— E como vai minha neta favorita? — brinca.

— Se alguém ouvir isso, vai estar encrencado — respondo sorrindo.

— Não se eu disser a mesma coisa para todos!

— Touche! — rimos. — Estou bem, apenas um pouco cansada.

— Hum… vai viajar com a família? — inquire, ainda sorrindo para mim. 

— Não acho que tenho muita escolha — fito a bagunça na cozinha e ele acompanha o meu olhar.

— Nós sempre temos escolha, Emanuele, sempre temos — diz, em tom sábio. — Além do mais, quem sabe esse ano finalmente as coisas mudam e o rumo de sua vida também.

— Só se for pegando escala até os Hamptons! — zombo e ele gargalha. 

— Pode ser. O que posso te dizer, minha cara, é que ainda esse ano tudo se resolverá — dá uma piscadela e se afasta.

Reflito sobre a conversa que tive com meu avô. Ele sempre diz que minha vida mudaria em breve, no entanto, nunca cravou uma data ou um momento. Será que eu encontraria mesmo alguém nos Estados Unidos? Ah, não vou pensar nisso. Levanto-me e volto para a cozinha, onde a galera já havia fechado os detalhes.

Foi decidido que viajaríamos dia 18, daqui a dois dias. Fábio conseguiu um voo direto para toda a família, ele trabalha na área de logística para uma empresa aérea e isso justifica a facilidade em reservar tantos lugares tão imediatamente. Nossa família ocuparia uma aeronave inteira, já imagino a confusão. 

Após as passagens compradas, mil vasilhas cheias de comida e diversas recomendações de vó Célia para fisgar um americano, vou para casa esgotada e com a cabeça cheia. 

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo