O acidente

Dirijo de volta para casa com uma dor de cabeça absurda, ligo o rádio e só toca sofrência, nada contra, até gosto, porém, não estou no clima. A cada estação um ritmo diferente, mas as mesmas letras. Sozinho, solidão, amor não correspondido… aff, ninguém merece essa fossa! Nem com o covarde do Gilberto sofri tanto… Mentira, sofri demais. Contudo, não quero pensar naquele bandido. 

Acorda, Emanuele, você ainda é jovem, tem alguma beleza e anos pela frente. E sua amiga é a melhor pessoa para estar com o Dante, melhor ela do que qualquer outra!

E, com esse pensamento, dirijo em paz até minha casa. É quando tudo acontece. 

Na porta do restaurante mais caro da cidade, o Palaccio Rizzo, está o casal mais lindo que vi na vida, aos beijos… Dante e Caroline estão se beijando. E não é qualquer beijo. É o beijo, de tirar o fôlego de qualquer expectador.

Distraída e arrasada demais para ver um palmo à minha frente, ouço o som de alguém gritando e olho, mas é tarde demais, bati em alguma coisa.

Após sentir a minha cabeça chacoalhar por causa do Airbag, tento inutilmente recobrar a consciência, minha porta é rapidamente aberta e mãos quentes tocam o meu rosto.

— Ei, moça, você está bem? Foi uma batida e tanto — uma voz grave e com um sotaque levemente italiano soa ao meu lado, mas ainda estou um pouco tonta e sinto dores em várias partes da cabeça. Um perfume maravilhoso invade meu pequeno carro, mas tento focar naquela voz. 

— Eu morri? Estou no céu? Você é um anjo? Porque sua voz é bonita como a de um anjo, forte… — murmuro debilmente e o ouço sorrir, é o som mais gostoso que já ouvi na vida. Será que era mesmo um anjo?

— Ah, meu Deus! Emanuele! — essa é a voz de Caroline. Espere, Caroline? Ai, meu pai do céu… eu bati meu carro porque a vi aos beijos com Dante, que vergonha.

— Manu, Manu… fala alguma coisa… — Dante é urgente. 

— Vocês a conhecem? — a voz maravilhosa pergunta.

— Sim, ela é minha amiga — Carol responde preocupada, ao passo que Dante diz: 

— Ela é minha paciente e amiga também.

— Ah, claro, entendo, mas fiquem tranquilos. Ela está bem, foi apenas a pancada do Airbag que a desnorteou um pouco, não há nenhuma ferida visível ao menos. Airbags machucam, mas dificilmente são fatais — explica o dono da voz.

Aos poucos, minha visão vai voltando e, de fato, sinto-me no céu.

Três beldades me encaram com expressões diferentes: Carol de desespero, Dante preocupação e o terceiro com a expressão indecifrável. Uau! Quem é esse cara? Adônis Mor, com certeza! Os cabelos são castanhos dourados em um corte tipo CEO de empresa grande, os olhos de um verde esmeralda profundo, a barba perfeitamente delineada, o sorriso… Se Deus gastou uma semana em Dante, nesse aqui deve ter levado um mês inteiro!

— Fala alguma coisa, Emanuele — sussurra Carol.

— E-Eu… estou bem — murmuro.

— Não disse? Mas o ideal é chamar uma ambulância e a polícia, precisamos registrar o acidente e a batida, foi bem feio — Adônis Mor informa, olhando ao redor.

— O que aconteceu? Alguém se feriu? — levanto-me rápido e fico tonta no mesmo instante, meu herói desconhecido me ampara.

— Ninguém está ferido, além de você, fique calma — ele me tranquiliza com aquela voz e perfume dos sonhos, um sono leve me acomete e sinto vontade de fechar os olhos.

— Ok, obrigada! — me aconchego no banco.

— Eu já liguei, logo a ambulância chega, tente se manter acordada, Manu — ouço minha amiga murmurar e sua voz fica distante, bem distante, aceno e sinto uma pontada na cabeça. Acho que não vou conseguir ficar acordada.

Sinto um desconforto horrível nas costas e na mão direita, forço meus olhos a abrir, essa não! Estou em um hospital. Minha memória vem com tudo, lembro-me do acidente e do motivo, meu rosto esquenta, levanto da maca, me posiciono para ficar sentada e novamente tenho aquela visão da perfeição. Ele está ao telefone com alguém e parece estar discutindo, sua expressão é severa. Bufa vez ou outra, irritado, e sorri, mas não está se divertindo.

Fico hipnotizada, admirando aquele homem lindo, de expressão perfeita. Ele veste um jeans levemente justo e camisa social preta, dobrada até um pouco acima dos cotovelos, seus cabelos estão mais bagunçados, o que o deixa irresistível. Sou pega no flagra quando o Adônis vira o rosto e me encontra babando ao olhar para ele, um sorriso genuíno atravessa seus lábios, e logo ele desliga o telefone, caminhando em direção à maca. 

— Então a Bela Adormecida acordou — diz, sorrindo. 

Ainda bem que não tem monitores cardíacos aqui.

— Oi, eu… obrigada por me ajudar — agradeço sem jeito.

— Não foi nada, embora eu ainda esteja aqui por outro motivo — dá de ombros. — Se sente bem?

— Sim, apenas dolorida, nada sério — olho para o acesso de medicamento na mão e levanto a sobrancelha. — Isso é mesmo necessário?

— Creio que sim, se está aí, melhor deixar — responde com um sorrisinho indecifrável. — Sou Dominic Rizzo, a propósito — estende a mão para mim e aperto, sentindo uma onda de calor tomar conta do meu corpo. Solto rapidamente. 

— Emanuele Velasquez — tento soar firme, embora esteja sentindo tudo em meu corpo amolecer.

— Eu sei, sua amiga não parou de dizer seu nome, acho que vou até sonhar com você, Emanuele, e por vários motivos — ele chega mais perto, um turbilhão se forma em meu estômago.

— Sinto muito, Carol fica um pouco histérica quando está nervosa — defendo minha amiga, ela devia estar preocupada.

— Percebi — sorri.

— Onde ela está? — pergunto, tonta com aquele sorriso que me parece ser familiar, muito familiar, mas de onde?

— Saiu com meu irmão, acho que foi deixá-la em casa — diz, despreocupado. Irmão dele? Onde estaria Dante? Por que ela iria para casa com um desconhecido? — Agora que nos conhecemos, temos que tratar de um assunto muito importante — prossegue, mas uma algazarra ao lado de fora nos distrai e prontamente identifico do que se trata.

Como se estivessem na Sapucaí e não num hospital, toda a família Velasquez entra no quarto e a enfermeira, com o rosto vermelho de irritação, sai resignada.

— Ah, querida! Trouxe roupas para você — Minha mãe é a primeira a entrar, carregando uma sacola na mão, seguida por meu pai, meus tios, meus avós, minha irmã e o noivo.

— O que aconteceu, filha? — Meu pai indaga, estou pronta para responder, mas Fabrícia, que entra por último, responde antes. 

— Com certeza bebeu, não é, Emanuele? — dá uma risadinha.

— Cala essa boca, Fabrícia! Manu não bebe, não é mana? — Evelyn se instala ao meu lado, beijando minha testa e Fernando a acompanha. 

— Está tudo bem, cunhadinha? — ele pega minha mão livre, então todos começam a falar ao mesmo tempo. Fito Dominic que apenas sorri com a sobrancelha erguida.

— Como está minha neta? — Vó Jô se aproxima.

— Mas quem é esse pedaço de mau caminho? — vó Célia exclama olhando para ele, e todos param para encarar Dominic.

— Ai, vó… meu Deus, desculpa… — murmuro e ele dá de ombros, achando graça.

— Está tudo bem, me chamo Dominic, presenciei o acidente e ajudei a trazer a Emanuele ao hospital — responde simplesmente. — E a senhora é? — ele pega a mão de vó Célia, beija suavemente e ela cora.

— Sou Célia, avó dessa bela moça que está com a cara pálida na maca! — ela responde com carinho, mas do jeitinho Célia de ser.

— Conte-nos o que houve, querida? — vô Jonas chega perto da minha avó e a abraça possessivamente, lançando um olhar bravo para Dominic. 

Só me faltava essa.

— Eu não lembro bem — minto —, apenas perdi o controle do carro e não tive tempo de frear — isso foi bem verdade.

— Já disse que deveria trocar aquela lata velha, te ajudo a financiar um novo — meu pai fala todo solícito e me mata de vergonha, em parte. Acho fofo ele se oferecer, mas não precisa ser na frente de um estranho.

— Não precisa pai, eu gosto do meu carro — e gosto mesmo, foi minha primeira aquisição independente, é um Gol 2010 vermelho, muito eficiente.

— Na verdade… — Dominic diz e todos o encaramos. — Era sobre isso que queria conversar com você, entretanto, espero lá fora, conversamos depois — ele começa a sair.

— Alto lá, rapaz! — o vô Jonas exclama. — Pode falar, tudo que diz respeito a Emanuele, a família tem direito de saber.

— Vô, não precisa…

— Deixe seu avô, menina! — Vó Jô ralha.

— Tem certeza? — Dominic me questiona e suspiro, dando de ombros. — Acontece que o carro dela aparentemente deu perda total, parece que amassou o chassi — dá a notícia triste e sinto vontade de chorar. — Você tem seguro?

— Tenho — respondo fracamente.

— Graças a Deus! — Dominic fica aliviado.

— Por que graças a Deus? — Evelyn indaga.

— Porque sua irmã bateu em um Porsche antes de atingir o poste de luz — explica e os homens da sala fazem um “hum” longo e preocupante.

— O que isso quer dizer? — pergunto, confusa.

— Não sabe o que é um Porsche? — Adônis levanta a sobrancelha, incrédulo.

— A menos que me diga que é um jeito seu de chamar um poste de luz, não, não sei! — Solto e os homens da sala riem, não, gargalham.

— É um carro, gênia! E um bem caro — Fabrícia contra-ataca com escárnio.

— Ah! — é tudo que consigo responder. — Eu tenho seguro, acho que pode pagar, não é?

— Temos que ver com a sua seguradora, se tem plano a terceiros, mas o reparo não será barato, algumas nem pagam, além do mais, ainda tem o custo com seu veículo, é possível que queiram encrencar — Dominic responde.

— Ai meu Deus! O que vou fazer se eles se recusarem a pagar? — Lamento.

— Se acalme, querida, vamos resolver — meu pai dá tapinhas leves em meu braço. — E onde está o dono do carro? Vamos ver se conseguimos conversar com ele e negociar.

— Sim, podemos fazer uma vaquinha, tenho algum dinheiro guardado — minha mãe se prontifica.

— Não mãe, não precisa — peço. 

Que pesadelo.

— Vocês duas querem ficar quietas? — Vó Célia ralha. — Dominic, querido, onde podemos encontrar o charmoso dono desse tal carro caríssimo?

— Aqui mesmo, eu sou o dono do carro!

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