Logo que o sol se pôs, dando início à noite seguinte, eu rumei para um pequeno bosque à beira do lago. Munida de minha fiel adaga e de uma pistola que adquirira recentemente, me aproximei com cautela dos jardins do castelo, andando de um arbusto para outro quando os poucos guardas que o protegiam desviavam seus olhares. Uma chuva fraca, mas ininterrupta caía, deixando tudo incomodamente úmido.
Não posso precisar quanto tempo fiquei acocorada, escondida por detrás de um deles. A tensão e a ansiedade faziam cada minuto parecer horas, especialmente porque eu não tinha certeza de que Ludwig realmente apareceria. Eu não podia ter certeza sequer de que ele havia recebido o bilhete. Talvez não encontrasse oportunidade de sair naquela noite...
E foi então que eu escutei vozes distantes. Dois homens caminhavam em minha direção, protegidos por guarda-chuvas. Meu coraç&a
Imagine nascer em uma cabana rústica, o vento gélido dos Alpes entrando dia após dia pelo telhado tosco, a comida escasseando no inverno e a família crescendo a cada ano.Imagine ainda, que seu corpo é coberto de pelos. Sedosas cerdas de mais de cinco centímetros em um tom caramelo escuro cobrem quase todo o seu corpo, exceto as palmas das mãos e a planta dos pés. Você é uma criança gorda e saudável, sobreviveu ao inverno mais rigoroso em três décadas, recuperou-se rápido de uma virose que levou-lhe um irmão mais velho e, sem dúvida, é a criança mais ativa da família.Agora imagine que, depois de seis anos questionando-se porque Deus faria uma piada assim com pobres camponeses que nunca saíram do estreito e difícil caminho traçado por Seu filho, seus pais abrem a porta da cabana e encontram um homem bem vestido q
Não houve nada de especial naquela tarde em Bruxelas. Fizemos a nossa apresentação normal: um breve desfile das estrelas do show com papai apresentando-os e contando suas supostas histórias de vida - sempre muito fantasiosas e cheias de exotismo, claro! - um número de dança, um número de música e uma pequena peça cômica. Não costumávamos andar pela cidade ou sair de perto da nossa pequena caravana, especialmente aqueles que tinham alguma peculiaridade física - se as pessoas estavam dispostas a pagar para vê-los, porque se mostrariam de graça? Eu e Ivan brincávamos bastante ao ar livre, mas sempre onde não havia ninguém. Meu pai e Madame Louise eram os responsáveis por trazer-nos as coisas que precisávamos do mercado e eu às vezes os acompanhava.Naquele dia, enquanto comprávamos alguns víveres, um senhor de meia idade,
A viagem foi bastante demorada e entediante, atravessamos a Prússia e Hanôver, parando sempre que havia um lugar para dar-me abrigo durante o dia. Já havia algum tempo que o barão havia mandado adaptar uma carruagem fechada, de modo que praticamente nenhuma luz entrasse, mas, ainda assim, qualquer acidente no percurso poderia acabar por expor o viajante à luz. Apesar de todo o tempo que estive acompanhando a rotina da casa dos van der Heyden, ainda era estranho, para mim, evitar os raios solares e, vez ou outra eu quase me queimava com eles. Minha tolerância ao sol é relativamente boa. Assim como Aaron, eu tolero bem a luz mortiça do nascer e do pôr do sol. Conheci somente uma vampira que tinha uma tolerância maior, a maioria de nós se limita mesmo à escuridão total. Mas, de qualquer forma, nenhum imortal fica simplesmente se expondo para descobrir o limite de sua resistência - exceto essa u
Àquela época, as linhas fronteiriças que cortavam a Europa estavam em constante mutação. Já haviam sido mais instáveis, é verdade, mas tinham ainda muitas décadas à frente para encontrarem suas posições atuais. Nossos vizinhos húngaros, por exemplo, eram alguns dos povos mais descontentes, então, com sua condição. Sua terra estava sob o domínio político do nosso caro Francisco José, que não fazia qualquer questão de respeitar - nem ao menos conhecer - a cultura dessa parcela de seus súditos. Porém, se Viena desprezava a Hungria, havia uma outra vítima de seu desprezo que aprendeu a amar o país dos magiares: Sisi poderia ser quase completamente alheia à política, mas fazia questão de ser ouvida em favor daquele povo.Minha senhora era uma excêntrica em muitos aspectos e, por vez
O sexagésimo quinto ano do século dezenove chegara a seu termo em meio a um inverno ameno. Havia muita neve, como sempre, mas naquele ano não sofremos com as violentas tempestades que eram bastante comuns na época do Natal. Contrariando a opinião da maioria das pessoas vivas que estão sujeitas à manutenção de sua temperatura corporal, o inverno era sempre bem vindo para nós, imortais, fazendo-nos as noites consideravelmente mais longas. Para mim, as noites brancas significavam mais trabalho que de costume: sempre havia damas que caíam doentes e, como esse nunca era o meu caso, acabava substituindo-as. Isso me desgostava um pouco, pois frequentemente eram chamados de última hora, fazendo-me ter de desmarcar compromissos assumidos. Otto, nessas ocasiões, sempre reiterava sua oferta para me ajudar financeiramente se eu quisesse abandonar o serviço da imperatriz, mas, de qualquer forma, eu
Não mais de um mês se passara desde a assinatura do tratado de paz com a Prússia, quando, estando eu organizando os vestidos da imperatriz, fui interrompida por uma jovem criada que vinha esbaforida e um pouco alarmada me avisar que minha senhora desejava ver-me com urgência. Diante da expressão daquela pequena criatura, julguei apropriado deixar o que estava fazendo e me dirigi rapidamente ao escritório de Elizabeth.Hesitei um instante antes de bater à porta. Havia vozes um tanto quanto exaltadas lá dentro."Entre!"Não estranhei a falta da criada que me abriria a porta. Estavam apenas minha senhora e Andrássy e ela parecia bastante agitada. Mais do que agitada, ela parecia... Ou melhor, ela estava... Bem..."Aí está! A senhorita van der Heyden vai lhe dar todo o apoio que necessita... Ela pode ensinar-lhe...""Como assim?!"Ela voltou-se para mim indignada,
Todo o meu temor e minha ansiedade pela volta a Viena, porém, eram vãos. Os motivos pelos quais Elizabeth me chamava não guardavam qualquer relação com o constrangedor desfecho do tal noivado.Os imbróglios na capital austríaca flertavam com consequências bem mais profundas. À época que Ludwig partira para a França com seu bem amado e eu pela primeira vez adentrava o castelo de Possenhofen, Sisi fora coroada Rainha Apostólica da Hungria.Não era algo que se estranhasse, mas certamente não era esperado: os húngaros não estavam contentes com a política de Francisco José. O imperador via-se forçado a fazer-lhes cada vez mais concessões e, então, acabara por adotar um regime dualista, no qual a Hungria não seria mais tratada como um Estado submisso à Áustria, mas como uma nação igual, governada
Ainda hoje, mal consigo lembrar-me do caminho de volta a Gödöllő. Lembro-me de ter tomado um banho muito demorado no palácio e de Andrássy ter me trazido um jovem muito simpático para que eu me alimentasse. Aquela foi a primeira vez que me deitei com um mortal.Passei várias noites perdida em meus pensamentos, buscando a solidão como uma planta busca a luz. Em uma delas, porém, deparei-me, logo ao despertar, com uma carta de Otto sobre minha escrivaninha. Meu estômago se comprimiu dolorosamente: eu não precisava abrir para saber do que se tratava.Segurei-a na mão por longos momentos, examinando cada detalhe do selo, cada traço da fina caligrafia, como se aquilo pudesse me mostrar, de uma maneira mais eufêmica, como o remetente estaria se sentindo. Não tive coragem de abri-la naquela noite.Quando acordei na seguinte, porém, a carta parecia me encarar desafiadorame