Barbara acordou com a claridade dos trovões. Abriu os olhos e viu a chuva bater forte contra a imensa janela do quarto. Virou-se para o lado e viu Matheus ressonar baixinho, dormindo de barriga para cima. O antebraço esquerdo estava apoiado sobre os olhos. Ela ficou ali, paradinha, o observando. Passou os dedos suavemente pelo abdômen dele com o cuidado de não o acordar. Chegou mais perto e cheirou o seu pescoço, ele tinha um cheiro ótimo. A mão direita dele se levantou e fez carinho na dela, a assustando. Eles riram baixinho. Matheus estendeu o braço para que ela se deitasse ali e assim Barbara fez, o abraçando. Ele beijou a sua cabeça e fechou os olhos novamente, sentindo o sono pesar outra vez.— Acho que talvez eu esteja apaixonada por você — ela sussurrou.Matheus abriu os olhos e sentiu medo de dizer que também sentia a mesma coisa. Ele apenas se virou para ela e os dois dormiram juntinhos, com os rostos colados. Quando Barbara acordou outra vez, ela estava só na cama. O banhei
Bodão abriu o porta-malas do carro e dois homens aproximaram-se para tirar algumas bolsas de lá. Eram três no total, e todas elas estavam cheias de dinheiro. Matheus continuava parado onde estava, encarando Carlos.— Está tudo aí — disse Bodão.Carlos sorriu.— É claro que está, caso contrário, perderia a cabeça. — Riu, cheio de humor.Bodão olhou de soslaio para Matheus, que abaixou o rosto guardando as mãos no bolso.— Então é isso. Até semana que vem — despediu Carlos, entrando no seu carro.— Vamos embora — chamou por Matheus.Ele entrou no carro, ainda se sentindo tenso. Não entendia a necessidade de estar ali, queria perguntar o motivo de Caio ter o levado. Ainda estava chocado que não fosse ele a cabeça no topo daquela pirâmide. Já fazia quatro anos que cuidava da contabilidade no tráfico do morro da Rocinha e nunca, nunca na vida imaginou que outro alguém fosse o seu chefe no fim das contas.Olhou para o homem ao lado e o encarou em silêncio. Perguntou para si mesmo se ele sab
Desde aquela noite, a primeira troca de olhar e a primeira conversa, Matheus desejou ver Barbara outra vez. Chegou até a dizer em voz alta que queria ter tido a chance de beijar aqueles lábios. E achou Edgar um grande idiota por preferir curtir a loucura daquela festa ao invés dela.Uma batida na porta o assustou. Ele levantou-se e foi até lá, abrindo-a. Letícia estava parada ali. Usava apenas um short jeans curto e um top de renda branca, bem sensual.— Oi. — Sorriu, enrolando no dedo uma das muitas finas tranças na sua cabeça. — Eu preciso de ajuda lá em casa.— Não tem outro pra quem ir pedir?— Não. — O sorriso dela aumentou.— Qual é o problema?— É que o chuveiro não tá esquentando.Matheus revirou os olhos.— Olha só, isso ae é resistência. Precisa comprar outra, mas o seu Zé já tá fechado. Vai ter que tomar banho frio hoje. — Puxou a porta para fechá-la, mas ela segurou-a, impedindo-o.— Posso tomar banho aqui?— Qualé, Letícia?! Vai tomar banho na casa das tuas amigas. — Foi
A noite caiu e Barbara andava ansiosa pelo apartamento. Ela tinha mandado várias mensagens sem resposta. Começou a pensar que Matheus talvez não fosse o cara que ela acreditava ser. Talvez fosse só mais um que agora ria dela enquanto contava aos amigos como foi lhe tirar a droga da virgindade. Não que para ela essa merda fosse importante ao ponto de só alguém especial merecer. Mas tudo o que ela não queria era ser piada na boca de homem escroto e muito menos se sentir usada por ele. Um cara não se gaba para os amigos que você o chupou e depois ele não conseguiu te comer. No entanto, se gaba que você se ajoelhou para ele e depois te fodeu como bem desejava. E, às vezes, ainda diz que você foi fácil demais. Ela já tinha visto isso acontecer vezes o suficiente para se tornar reticente aos finalmente no sexo.Já passava das nove. O coração estava angustiado e triste. Ela resolveu mandar mais uma mensagem. Já sentia que estava se humilhando para ele, mas precisava tentar.Estou realmente p
Barbara chorou durante toda aquela tarde e noite. Ela queria chorar mais, porém se recusava. Sentia que não devia viver por tanto tempo essa decepção. Acreditava que seria melhor e mais fácil de superar se apenas a abandonasse, nas lembranças.Estava na casa dos pais, no seu antigo quarto, sentada à penteadeira, enquanto se maquiava para festa de Natal. Os avós já haviam chegado, além de alguns amigos do pai. Levantou-se e caminhou até o grande espelho na parede. Para mais pura alegria do Carlos, hoje a sua filha usava um vestido de comprimento até os joelhos e decote raso. Ela estava muito bonita, combinava bem com tons de azul. Passou os dedos ajeitando as ondas dos longos cabelos, e desceu. Ao chegar ao andar de baixo, escutou a campainha tocar. Olhou em direção à porta e viu quando a empregada a abriu, revelando Edgar depois dela.— Que saco! — resmungou baixinho.— Olha só... Está lindíssima! — disse ele ao se aproximar, todo sorridente.— Você não tem família? É Natal, devia est
— Nada. Vim chamar o meu pai.— Não seja intrometida! — O tom dela era firme e rude.— Não estou sendo intrometida. — Passou pela mãe indo em direção aos degraus.— Aonde vai?— Vou subir.— De jeito nenhum! — Pegou-a pelo braço. — Você vai voltar e fazer companhia ao Edgar.— Não fui eu quem convidou ele. — Livrou-se do aperto.— Não interessa! O seu pai e o pai dele tem intenção de um noivado entre vocês.— Convenhamos, o seu marido tem alguém ideal para ser meu noivo a cada temporada. Edgar não vai durar muito, já estamos quase em janeiro.— Volte para festa!— Algum problema? — perguntou Carlos.— Tantos, que eu ficaria uma noite inteira listando — disse Barbara.Respirando fundo a sua frustração, passou por eles, retornando para sala de estar.— Tentou fugir? — perguntou Edgar.— Sempre.— Posso fugir com você. — Ele tinha um sorriso travesso que, sem saber o motivo, Barbara sentiu-se irritada com aquilo.— Mas nem pela melhor aventura, Edgar. Não força a barra dessa amizade — fe
Matheus viu de longe uma mulher alta e de longos cabelos loiros. Foi inevitável não pensar em Barbara. Por um segundo, quando os olhos bateram naquela figura, o seu coração chegou a acelerar mais do que já estava, mas logo pensou que seria impossível. Ele estava em um hospital público, onde era preciso chegar morto ou quase isso, para ser atendido. E ela era uma mulher rica, tinha acesso ao melhor da saúde. Então ele ouviu a sua voz. Olhou novamente para ela e aproximou-se, desacreditado, porém, com vontade de saber se Barbara estava tão perto assim. Ele sentia saudade, muita saudade.— Barbara?! — chamou-a, incerto.Ela olhou-lhe por cima do ombro. Era ela! Ele quis sorrir de felicidade em vê-la, mas não fez.— Matheus — sussurrou o seu nome. Ele sentiu que era como se doesse pronunciá-lo.— O que faz aqui? Está tudo bem? — Olhou para sua avó.— É o meu avô. Ele passou mal, desmaiou. Foi de repente. Estão com ele lá dentro. — Barbara olhou em direção à porta por onde o levaram. — E v
Aquilo foi um tapa na cara da Barbara. A sua realidade era a minoria no seu país, e ele a lembrou disso. Lembrou-se de quando era criança, de quantos brinquedos já ganhou no dia vinte e cinco de dezembro. Perguntou-se quantos Matheus pode ganhar em todos os seus vinte e quatro anos de vida.— Eu sinto muito.— As pessoas na sua bolha sempre sentem muito, quando nunca sentiram nada de verdade.— Você está certo. E talvez eu seja uma dessas pessoas, mas nesse momento eu sinto muito, de verdade.Ele deu-lhe um rápido sorriso, guardando as mãos no bolso da calça jeans.— Eu vou nessa. — Movimentou-se em direção à moto, quando Barbara agarrou o seu punho com certa força.Ele olhou-a. A boca dela chegou a se abrir para dizer que sentia a sua falta de um jeito que até doía a alma, mas seus lábios fecharam-se e a sua mão o soltou. Sem dizer nada, ela virou-se indo em direção ao prédio. Matheus sentiu os olhos ficarem marejados e o coração bater ainda mais forte, deixando-o um pouco sem ar. Ap