Cap.6 - Interessado nela

A comida chegou, fumegante e perfumada, e tentei me concentrar no prato à minha frente, mas a conversa sobre o noivado do meu irmão e a sensação de desconfiança em relação à noiva dele ainda pairavam sobre mim como uma nuvem carregada. 

Tentamos mudar de assunto, mas a questão continuava ali, pendente, silenciosa, como algo prestes a eclodir.

Enquanto eu mexia distraidamente na comida, ouvimos uma batida suave na janela ao nosso lado. Jess e eu viramos, curiosas, e encontramos Alicia acenando para nós com um sorriso caloroso. 

Ela fez um gesto com a mão, indicando que esperássemos, e logo a vimos entrando pela porta do restaurante. Ela parecia elegante e segura, como sempre, movendo-se com uma graça natural até se aproximar da nossa mesa.

— Oi, meninas! — Alicia cumprimentou, com o tom leve e amigável de sempre.

— Oi — respondi, um pouco surpresa com sua presença, mas feliz por vê-la.

— Oi, senhora — Jess disse, tentando manter o tom formal, mas logo percebendo o erro quando Alicia ergueu uma sobrancelha com um sorriso divertido.

 Jess se corrigiu rápido, rindo nervosa. — Quer dizer, olá, Alicia.

Alicia riu de leve e apontou para uma cadeira vazia ao nosso lado.

— Posso me juntar a vocês?

Assentimos, e ela se sentou, acomodando-se como se já fizesse parte do nosso pequeno círculo. Logo fez seu pedido e, enquanto esperava, voltou sua atenção totalmente para mim.

— E aí, como está sendo o primeiro dia? — perguntou, seus olhos atentos, como se buscasse qualquer sinal de preocupação em meu rosto.

— Tá tranquilo. Eu fiquei como dupla da Emily — respondi, tentando soar natural, mas ainda um pouco tensa com tudo que estava acontecendo.

— Fico feliz — Alicia comentou, seu rosto suavizando. — Emily é uma das melhores funcionárias, sempre com um sorriso no rosto. Ela torna o ambiente melhor. — Então, depois de uma pausa, 

Alicia me olhou com mais seriedade. — Eu queria que você soubesse que o Christian não vai te tirar da empresa. Ele viu sua ficha, e ela era... um pouco complicada.

Engoli em seco e completei a frase que ela hesitava em terminar.

— Digna de uma impossível contratação? — sugeri, com um sorriso forçado.

Alicia sorriu de volta, mas havia uma cumplicidade silenciosa em seus olhos.

— Algo assim. Você pode me contar o que aconteceu? Só se você se sentir à vontade para isso, claro.

Olhei para Jess, que me deu um sorriso encorajador, enquanto mastigava uma batata frita. Ela sempre fazia isso, dividida entre uma alimentação saudável e a indulgência das comidas rápidas. Com um suspiro, voltei-me para Alicia, decidida a contar a verdade.

— Tudo bem, acho que preciso te contar — comecei, juntando coragem. — Eu namorei meu ex por alguns anos. O conheci na faculdade. No começo, parecia perfeito, mas com o tempo o relacionamento foi se desgastando e se tornou... abusivo.

Alicia arregalou os olhos, mas não disse nada, permitindo que eu continuasse sem interrupções.

— Quando finalmente consegui me separar, ele me prometeu que transformaria minha vida num inferno. E, bom, ele cumpriu. Meses depois, consegui um emprego como estagiária numa editora famosa, estava prestes a me formar em Literatura Inglesa. Mas, de repente, uma acusação de plágio caiu sobre mim. Fui demitida na hora, sem sequer a chance de provar minha inocência. Todos os meus rascunhos... todos os documentos no meu computador simplesmente desapareceram.

Alicia balançou a cabeça, incrédula.

— Como alguém pode fazer algo tão cruel? — murmurou, mas seus olhos diziam que ela sabia exatamente o tipo de dor que eu estava descrevendo.

— E isso foi só o começo. A partir daí, todo lugar que eu tentava trabalhar, acabava sendo demitida sem explicação. O último emprego foi em um restaurante, onde trabalhei como garçonete. Meu chefe tentou me assediar, me trancou na sala dele... — minha voz falhou por um momento, mas continuei, vendo os olhos de Alicia encherem-se de indignação. — Eu consegui me soltar e dei um chute nele, saí correndo. Mas, antes mesmo de chegar em casa, recebi a ligação de que tinha sido demitida.

Houve um momento de silêncio pesado entre nós. Jess parou de comer, enquanto Alicia pegou minha mão que estava tremendo levemente sobre a mesa.

— Eu entendo, mais ou menos, como é passar por algo assim — Ela disse suavemente, sua voz cheia de empatia. — Quero que você saiba que, se algo te incomodar na empresa, qualquer coisa, pode me contar. Eu estou aqui para ajudar.

Assenti, sentindo o calor de sua compreensão. 

— Eu não vou deixar você perder esse emprego, Ariel. Nem pelo seu ex e, muito menos, pelo meu irmão. — Sua voz agora era firme, determinada. — Qualquer coisa, venha falar comigo.

Senti um alívio estranho ao ouvir aquelas palavras. Pela primeira vez, não me senti completamente sozinha na luta. Sorri para ela, sinceramente agradecida.

Alicia retribuiu o sorriso, mas logo seu celular vibrou com uma mensagem. Ela respondeu rapidamente antes de voltar a falar comigo.

— A Jess pode te passar meu número, assim, se acontecer qualquer coisa, você me avisa diretamente.

— Obrigada — respondi.

— Ela está sem celular agora — Jess interveio, fazendo Alicia assentir com uma expressão compreensiva.

Nesse momento, o celular de Alicia tocou novamente, dessa vez uma ligação. Ela atendeu enquanto se levantava, mas antes de sair, olhou para mim com um sorriso de quem já estava pensando em como resolver meus problemas.

— Vamos dar um jeito nisso. Passe na minha sala às 15hrs.

Eu franzi a testa, confusa, mas ela já estava se afastando, falando no celular e acenando um adeus rápido.

Jess e eu trocamos olhares enquanto ela pegava a carteira para pagar a conta.

— Ela vai dar um jeito no seu celular? — perguntei, ainda intrigada com a frase de Alicia.

Jess deu de ombros, mas riu.

— Vai saber... talvez ela resolva isso mais rápido do que imaginamos.

Paguei minha parte da conta e saímos juntas do restaurante, caminhando de volta para a empresa com o peso um pouco mais leve nos ombros.

***

Era 15h e eu estava parada na frente da sala de Alicia, com um nervosismo crescente. A assistente dela não parava de me encarar da mesa. Finalmente, bati na porta, e ouvi sua voz suave do outro lado, me convidando a entrar.

— Pode entrar — disse Alicia.

Assim que entrei, ela levantou a mão e apontou para a cadeira à sua frente.

— O dia hoje está bem corrido — comentou com um sorriso.

— Ah, eu posso voltar outra hora — respondi, já me levantando, um pouco sem jeito.

— Não precisa, vai ser rápido aqui — disse ela, me interrompendo com um tom gentil.

Me sentei novamente, tentando esconder o nervosismo. Alicia se afastou um pouco, abrindo a gaveta debaixo da mesa. Ela tirou de lá uma caixa e a colocou sobre a mesa, empurrando-a em minha direção.

— O que é isso? — perguntei, olhando para a caixa com curiosidade.

— Meu antigo celular. Está em perfeito estado. Só troquei porque o Christian me deu esse que eu uso agora — explicou ela, calmamente.

Olhei para ela, incrédula. 

— Oh… eu não… não posso aceitar. Nem era para a Jéssica ter dito que eu estava sem celular. Eu posso comprar um quando receber o meu salário.

Ela sorriu, com aquele jeito que sempre parecia tão seguro e acolhedor ao mesmo tempo, e abriu a caixa. Lá estava um iPhone 11 Max Pro, reluzente. Aquilo valia uma fortuna.

— Você vai ficar sem celular sendo que eu tenho esse aqui sem uso? — insistiu Alicia, com naturalidade.

Olhei para ela, ainda mais sem jeito, tentando achar palavras para recusar.

— Alicia, está tudo bem... — comecei, mas ela me interrompeu.

— Ariel, eu sei que você é uma boa pessoa, por isso estou fazendo isso. Gosto de você, e quero que sejamos amigas.

O choque foi instantâneo. Eu fiquei em silêncio, tentando processar o que ela tinha acabado de dizer. Amiga? Ela queria ser minha amiga? Eu, uma faxineira, e ela, a irmã do CEO, tão distante do meu mundo?

— Eu... sua amiga? — gaguejei, sem acreditar.

Alicia sorriu de leve, e seu olhar parecia cheio de algo que eu não esperava: vulnerabilidade.

— Sim, claro, se você se sentir confortável com isso — disse ela. — Às vezes sinto que a única amiga verdadeira que eu tenho é a Jéssica, mas ela evita sair comigo às vezes, e eu entendo. Cada passo que dou tem alguém pronto para tirar uma foto ou especular sobre a minha vida. Nem eu aguento isso, imagine os outros.

Ela suspirou, o olhar triste, como se carregasse um peso invisível.

— Tenho outras amigas, mas sei que estão comigo por status. Eu sinto que você é diferente, Ariel. Se você é a amiga que a Jéssica descreveu tantas vezes para mim, então é alguém assim que eu quero por perto.

Eu a olhei, ainda em choque. Isso me pegou totalmente desprevenida. Alicia Mitchell queria minha amizade? Por quê? Eu era só a faxineira.

— Eu... — tentei encontrar as palavras. — Sou só a faxineira. E seu irmão me odeia.

Ela revirou os olhos e soltou uma risada leve.

— Eu não ligo para sua posição na empresa. Nunca achei que o dinheiro tornasse as pessoas melhores que as outras. Quanto ao Christian, apenas finja que ele não existe.

Eu ri nervosamente. Fingir que Christian Mitchell, o poderoso CEO e o solteiro mais cobiçado de Nova York, não existia? Como?

Alicia sorriu, percebendo minha hesitação.

— Eu dou um jeito nele — disse ela, confiante. — Eu só quero alguém com quem conversar, alguém em quem eu possa confiar. Quero me sentir segura de que essa pessoa será sincera comigo.

Havia algo tão genuíno no olhar dela que, por um momento, vi Alicia além do glamour e do status. Ela realmente precisava de uma amiga. Com um sorriso tímido, eu aceitei o celular, sentindo o peso da caixa em minhas mãos.

— Eu adoraria ser sua amiga — disse, com sinceridade. — Mas eu vou devolver o celular assim que puder comprar outro.

Ela sorriu de volta, satisfeita.

— Não se preocupe com isso. — Ela pegou algo mais na mesa e colocou diante de mim: um chip. — Ele é novo. Tenho vários, às vezes preciso trocar quando alguém descobre meu número.

— Que vida cansativa deve ser essa — comentei, pensando no que seria viver sob tanta exposição. De que adiantava tanto dinheiro, se você não podia confiar nem no próprio número de celular?

— Pode me mandar uma mensagem quando chegar em casa com o novo número — disse Alicia, já se levantando para atender ao telefone que começava a vibrar.

— Vou fazer isso — respondi, me levantando também.

Ela assentiu e se despediu rapidamente, voltando para sua rotina agitada. Saí da sala com a caixa nas mãos, grata por não ser a embalagem original do celular. A última coisa que eu queria era levantar suspeitas ou fofocas pelos corredores da empresa.

Com um sorriso leve, segui em direção à saída, sentindo que, de alguma forma, algo em minha vida estava prestes a mudar.

****************************************************************

(Christian) 

Garota insuportável, pensei, enquanto via a faxineira correndo em direção ao elevador. Como ela ousava me ignorar assim? Eu era Christian Mitchell, CEO desta empresa, e ela... uma mera funcionária da limpeza. O fato de sequer olhar para mim enquanto fugia só aumentava a irritação que crescia dentro de mim.

Esperei o elevador com a paciência de alguém que raramente a usa. Ao descer até o estacionamento, olhei ao redor, mas, como esperado, ela já não estava mais lá. Soltei um suspiro profundo, contendo a frustração, e entrei no meu carro. Hoje eu tinha um encontro marcado com Alex, então foquei em dirigir até o restaurante.

Assim que cheguei, Alex já estava na mesa, sorrindo como sempre.

— E aí, cara — disse ele, relaxado.

— Oi — respondi, sem muita empolgação, enquanto me sentava à sua frente.

Ele me olhou atentamente, levantando uma sobrancelha.

— Que cara é essa? — perguntou.

Suspirei, tentando organizar os pensamentos, mas a cena da garota fugindo do elevador continuava em minha mente.

— Uma nova funcionária da empresa... — comecei, sem esconder o tom de desprezo. — Ela é da limpeza e o histórico dela é horrível. Foi até acusada de roubo, assédio, e o que mais puder imaginar.

Alex franziu a testa, claramente confuso.

— E por que contratou ela?

— Eu não a contratei. Foi a Alicia. — O nome da minha irmã saiu com uma mistura de frustração e cansaço.

Alex riu, balançando a cabeça.

— A Alicia e sua eterna missão de salvar o mundo... — Ele brincou, mas logo mudou o tom. — Mas, sinceramente, Christian, por que está tão irritado com isso?

Antes que eu pudesse responder, a garçonete voltou com nossos pedidos. Esperei até que ela se afastasse, e então continuei.

— Eu vou tirar essa menina da empresa, Alex. Não quero nem imaginar o que os outros funcionários vão pensar quando descobrirem o histórico dela. É uma questão de imagem, de moral. Não podemos ter alguém assim no nosso ambiente de trabalho.

Alex inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos na mesa, com aquele olhar avaliador que sempre me irritava.

— Tem certeza de que é só isso? — perguntou, com um sorriso sugestivo. — Essa raiva toda... não parece ser apenas pelo histórico dela.

Eu franzi o cenho.

— O que você está insinuando? — perguntei, seco.

Ele deu de ombros, tentando disfarçar o sorriso.

— Que talvez você esteja interessado nela.

— Isso é ridículo — rebati imediatamente, quase cuspindo as palavras. — Ela é uma qualquer, com uma ficha pior do que já vi na vida. Trabalha na limpeza da minha empresa, Alex. Acha mesmo que eu me envolveria com alguém assim?

Tomei um gole do vinho, tentando me acalmar.

Alex riu baixinho.

— O pior é que eu sei que isso é verdade — disse ele, voltando a comer.

Mas a irritação continuava a pulsar em mim.

— Não tem chance de eu me interessar por essa garota. Na verdade, vou fazer de tudo para ela pedir demissão. Só espero que a Alicia não encha meu saco com isso — murmurei, mais para mim mesmo do que para Alex.

Terminamos de comer, e eu voltei para a empresa, mas as palavras de Alex ainda ecoavam na minha mente. "Interessado nela?" Que absurdo. Eu, interessado em uma faxineira? Até parece.

Assim que saí do elevador, vi a figura pequena da garota dobrando o corredor. Meu estômago deu um leve nó, mas antes que pudesse confrontá-la, Marisa, minha assistente, chamou meu nome.

— Senhor Mitchell! — disse ela, apressada.

— Sim? — perguntei, tentando não soar impaciente.

— O senhor Mateus acabou de ligar. Disse que está a caminho para uma reunião urgente.

Franzi a testa, confuso.

— Reunião? Não tenho nada agendado com ele.

Ela suspirou, parecendo tão frustrada quanto eu.

— Eu tentei explicar que o senhor tinha outros compromissos, mas ele insistiu que era urgente e que já estava a caminho.

Soltei um longo suspiro de frustração.

— Ok. Leve os arquivos da minha mesa para a sala de reuniões. Estou indo para lá.

Ela concordou rapidamente e saiu, deixando-me ali por um momento. Olhei novamente para o corredor, mas a garota já havia desaparecido.

Não tem chance, pensei.

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