Cap.5 - Tentando evitá-lo.

Ariel

Assim que Alicia saiu, Jess a seguiu, me deixando sozinha com os outros funcionários. Eles começaram a se arrumar, mas três mulheres ficaram me encarando de maneira estranha, seus olhares julgadores faziam minha insegurança crescer. 

Tentei me concentrar em qualquer outra coisa até que uma mulher de pele negra, cabelos cacheados e olhos verdes veio até mim, exibindo um sorriso caloroso.

— Não liga para elas, estão sempre com essa cara fechada — disse ela, estendendo a mão de maneira amigável. — Sou Emily, mas pode me chamar de Mily.

Senti meu corpo relaxar um pouco diante de sua atitude gentil. Apertei sua mão, devolvendo o sorriso.

— Prazer, sou Ariel.

— Aquelas são Bethy e Maya. Nós três cuidamos da limpeza por aqui. Você é a nova contratada, certo? — perguntou Mily, seus olhos brilhando.

— Sim — respondi, tentando soar mais confiante.

— Ótimo! Você vai ser minha parceira. Vou te mostrar tudo o que precisa saber. Primeiro de tudo, os outros andares não são problema nosso, têm suas próprias equipes e um quarto idêntico a este.

Ela foi até um armário e pegou um uniforme, entregando-o para mim.

— Aqui está o seu. Temos dois conjuntos, e você pode levar para casa e lavar quando precisar.

Apenas assenti, observando enquanto as outras duas já terminavam de se trocar. Fiz o mesmo, guardei minhas roupas no armário e o tranquei. Emily me guiou até uma porta onde havia um carrinho com produtos de limpeza.

— Aqui estão os horários — disse ela, apontando para uma planilha fixada na parede. — Nessa planilha, a Maya cuida de atualizar os horários em que as salas estão ocupadas, então não precisa se preocupar com isso. A gente fica responsável pela sala de reuniões, a dos chefes, e os escritórios da senhora Alicia e do senhor Christian.

Tentei manter uma expressão neutra, mas só de ouvir o nome de Christian meu estômago revirou. Precisava mesmo evitar aquele homem o máximo possível.

— Normalmente, limpamos as salas pela manhã, antes de chegarem. Não faço ideia de por que eles chegaram uma hora mais cedo hoje — comentou Emily, notando minha expressão preocupada.

Será que foi por minha causa? Esse pensamento me deixou inquieta.

— Mas sem estresse. Vamos começar pela sala de reuniões e depois descemos para o andar de baixo. Temos seis salas para cuidar.

— Dá tempo de fazer tudo num dia só? — perguntei, tentando desviar minha mente do desconforto.

Emily sorriu, tranquilizadora.

— Dá sim. A maioria das salas é só aspirar, passar um pano e esvaziar as lixeiras. O que realmente demanda mais atenção são os escritórios dos chefes.

Concordei com a cabeça, tentando absorver tudo o que ela dizia. Seguimos com o carrinho pelo corredor até a sala de reuniões.

— Espere aqui — pediu Emily, indo verificar se a sala estava livre. Ela voltou logo depois. — Está tudo certo.

Entramos na sala e começamos a limpar. Passei o pano nas mesas, cadeiras, lousa e no vidro. Terminamos mais rápido do que eu esperava, mas, ao sairmos, dei de cara com Christian e outro homem vindo em nossa direção. 

O pânico tomou conta de mim, e antes que eu pudesse pensar direito, me abaixei atrás do carrinho de limpeza.

— O que você está fazendo? — sussurrou Emily, confusa.

Eu sabia que não deveria temer o Sr. arrogante, mas minha insegurança e a lembrança de Alicia me dizendo para evitá-lo por alguns dias me fizeram reagir assim. Não queria causar mais problemas do que já parecia estar causando.

— Depois te explico — murmurei.

Emily olhou para mim, ainda sem entender, mas não questionou mais. Levantou a cabeça quando ouviu uma voz familiar.

— A sala de reuniões já está pronta? — perguntou Christian, seu tom frio, como sempre.

— Sim, senhor — respondeu Emily, com a tranquilidade de quem já estava acostumada.

Christian e o outro homem entraram na sala, fechando a porta atrás deles. Emily me observou com um olhar curioso enquanto eu finalmente me levantava.

— O que foi isso? — perguntou ela, franzindo o cenho.

— Vamos sair daqui que eu te explico — pedi, tentando afastar o desconforto.

Caminhamos até outra sala, onde uma mulher estava sentada atrás de uma pequena mesa. Emily sugeriu que limpássemos o escritório de Christian, já que ele estava na reunião. Não pude deixar de rir amargamente com a ironia da situação. Exatamente o oposto de evitar o homem.

Entramos no escritório, e o cheiro amadeirado e forte do perfume dele preencheu o ar. Eu me aproximei da mesa dele, hesitante.

— Pode limpar a mesa dele. Se tiver papéis, é só tirá-los, passar o pano e depois colocar tudo no mesmo lugar — explicou Emily.

— Certo — murmurei, começando a organizar os papéis.

Enquanto removia os documentos para limpar a mesa, um deles chamou minha atenção: uma ficha com a minha foto. Ao pegá-lo, vi a lista de acusações absurdas, além do plágio — assédio, até uma falsa alegação de que havia roubado.

Meu coração afundou. Com uma ficha assim, nunca conseguiria um trabalho decente. Emily deve ter notado minha expressão porque me perguntou:

— Está tudo bem?

Apressei-me em colocar os papéis de volta no lugar e acenei com a cabeça, tentando disfarçar o mal-estar que me dominava. 

Terminamos de limpar o escritório e voltamos para o quartinho, onde Emily reabasteceu os produtos de limpeza.

Mas a ficha com minha foto continuava em minha mente, e o peso das mentiras me apertava o peito.

***

Quando a hora do almoço chegou, Emily se aproximou de mim rindo, sua energia sempre positiva me animava um pouco.

— Vai almoçar no refeitório hoje? — perguntou ela, curiosa.

— Não, vou buscar meu celular. Ele quebrou ontem... Acabei derrubando ele na banheira — respondi, meio sem graça.

— Nossa, que azar! Tudo bem, nos vemos mais tarde então — disse ela, se afastando com um sorriso.

Acenei, troquei de roupa rapidamente e peguei minha bolsa, indo direto para o elevador de serviço, preferindo evitar mais encontros com o pessoal do escritório. Quando ouvi uma voz atrás de mim, meu coração congelou.

— Você! — reconheci a voz de Christian, dura e impaciente, mas não me virei. Ao contrário, acelerei o passo, quase correndo para o elevador.

— Ariel! — ele gritou de novo, mas eu já estava apertando o botão do elevador, as portas se fechando a tempo de me salvar de um confronto direto. 

Vi apenas o vulto dele, corpulento e raivoso, se aproximando enquanto as portas se fechavam.

Suspirei de alívio. Sabia que o tinha irritado ainda mais, mas seguir o conselho de Alicia de evitar Christian por uns dias parecia a melhor opção. Meu coração batia acelerado, e já estava inventando desculpas na minha cabeça. 

Talvez eu diga que estava com fones de ouvido, pensei.

Quando finalmente cheguei no estacionamento, corri até o carro de Jess e entrei apressada, fazendo ela pular de susto.

— Pelo amor de Deus, garota! Que susto! — exclamou ela, deixando o celular cair no colo e levando a mão ao peito. — Tá correndo de quem?

— Do nosso chefe. Ele me chamou no corredor e eu fugi para o elevador — disse, tentando controlar a respiração.

Jess arregalou os olhos, mas logo começou a rir.

— Ele vai ficar muito puto.

— Eu sei! Só liga o carro e vamos sair daqui antes que ele apareça — implorei, meu coração ainda acelerado.

Ela ligou o carro e saímos do estacionamento, enquanto eu me recostava no banco, ainda tensa.

— Daqui a pouco ele te esquece, e você pode trabalhar em paz — disse Jess, tentando me consolar.

Soltei um suspiro pesado.

— Eu vi a minha ficha — falei, meu tom triste, olhando pela janela.

— Como assim? — Jess perguntou, confusa.

— Quando estávamos limpando a sala dele, eu fui passar o pano na mesa e vi minha ficha, com minha foto. Não resisti e olhei.

— O que tinha lá? E por que estava na mesa dele? Isso é trabalho da Dulce! — exclamou Jess, franzindo o cenho.

— Pelo meu histórico, ele tem todo o direito de não me querer na empresa, mesmo para um cargo simples como o de faxineira — murmurei, sentindo a pressão aumentar no peito.

— Que histórico? Só por causa do plágio? — ela perguntou, claramente sem entender.

— Não só isso. Além do plágio, fui acusada de assédio e até de roubo — expliquei, com a voz trêmula. Jess ficou em choque, os olhos arregalados. — Segundo a ficha, eles não envolveram as autoridades para não manchar o nome da empresa. Só me demitiram e registraram essas coisas no meu histórico.

Respirei fundo, tentando controlar as emoções. Tudo aquilo parecia tão injusto.

— Como não vimos isso antes? — Jess questionou, ainda incrédula.

— A ficha parecia ter sido impressa de um sistema interno, algo que só eles têm acesso. Não é algo público — disse, sentindo-me derrotada.

— Então é por isso que o Christian está tão frio com você... — Jess ponderou, pensativa.

— Não sei como a Alicia confiou em mim, apesar de tudo — disse, ainda mais angustiada. — Com uma ficha dessas, ela podia ter me rejeitado na hora.

— Tem um boato na empresa... — Jess começou, um pouco mais séria agora. — Dizem que a Alicia foi assediada por um cliente poderoso. Ele só assinaria um contrato se ela dormisse com ele. Alicia recusou, e o cara tentou destruir a imagem da empresa. Christian fez de tudo para proteger a irmã, mas foi uma época muito difícil para eles. Depois de um tempo, o homem se envolveu em um escândalo, e eu tenho certeza de que foi o Christian quem expôs ele. Ele protege a Alicia com unhas e dentes. 

Fiquei em silêncio, processando o que Jess acabara de contar. Aquilo fazia sentido, de certa forma. 

— Ele passou por isso, mas ainda prefere acreditar na pior versão das pessoas — disse, chocada.

— Fiquei sabendo disso pela Emily. Ela não segura a língua, você sabe — Jess riu, quebrando um pouco da tensão.

— Quanto tempo ela trabalha aqui? — perguntei, tentando mudar um pouco de assunto.

— Acho que uns três anos. Ela usa o salário para pagar a faculdade de odontologia, que faz à noite. É até engraçado ela não ter comentado isso com você ainda — disse Jess, sorrindo.

— Falamos de muitas coisas... — respondi, perdida em pensamentos enquanto olhava para a janela.

Chegamos à loja de Nick, um pequeno espaço despojado com prateleiras lotadas de eletrônicos e peças soltas. Ele estava atrás do balcão, mexendo em algum aparelho, mas levantou o olhar quando nos viu entrar. 

O som da porta abrindo acionou um sininho que sempre me fazia lembrar que estávamos num lugar que tinha um charme quase retrô.

— Oi, conseguiu arrumar? — perguntei, tentando não parecer muito esperançosa, mas já com um nó na garganta.

Nick fez uma careta de desculpa antes de responder.

— Sinto muito, Ary. A placa foi danificada. Entrou muita água... — ele suspirou, olhando o celular destruído em suas mãos. — Sinceramente, não compensa mandar arrumar.

Senti meu corpo afundar na cadeira acolchoada e colorida que ficava ali para os clientes. O espaço era aconchegante, mas naquele momento, tudo parecia desmoronar. 

— Vou ter que ficar sem celular até receber meu pagamento... — disse, desanimada. A ideia de ficar incomunicável me fazia sentir isolada.

Nick balançou a cabeça, compreensivo, mas antes que ele pudesse dizer algo, Jess, que estava quieta até então, se manifestou com uma ideia prática, como sempre.

— Eu guardei meu celular antigo em casa. Podemos ver se ele ainda presta — ela sugeriu, me lançando um olhar de quem já estava tentando solucionar o problema.

Agradeci a ela com um sorriso fraco e me levantei. Nick também parecia um pouco chateado por não ter conseguido ajudar, mas eu sabia que ele tinha feito o possível.

— Obrigada, Nick. Valeu por tentar — falei, antes de sairmos da loja.

Ele acenou para nós enquanto Jess e eu deixávamos o pequeno espaço. O sol do meio-dia nos atingiu em cheio quando saímos para a rua, e eu suspirei, tentando me livrar do peso daquele contratempo. 

Fomos andando em silêncio por alguns minutos até que Jess sugeriu pararmos para almoçar em um restaurante próximo. Achei a ideia boa — talvez uma boa refeição me ajudasse a tirar o foco de todas as coisas erradas do dia.

Sentamos em uma mesa perto da janela, onde podíamos ver as pessoas passando apressadas na rua, alheias ao nosso mundo. 

O restaurante era simples, mas acolhedor, com uma decoração rústica e confortável. Pedimos nossos pratos e, enquanto esperávamos, decidi desabafar um pouco para tirar algo que estava me incomodando.

— Ah, tem mais uma coisa... — comecei, mexendo no guardanapo. Jess me olhou, sempre atenta. — Meu irmão está noivo.

Ela arregalou os olhos, surpresa.

— Sério? Nossa, isso é uma novidade e tanto! Você nunca comentou sobre isso antes. Como assim noivo? — Jess perguntou, claramente interessada.

Suspirei.

— É... mas eu não gostei da noiva dele — confessei, fazendo uma careta.

Jess ficou em silêncio por um momento, esperando eu continuar. Ela sabia que tinha mais por trás da minha insatisfação.

— Não sei explicar direito, mas ela me parece forçada. Sabe aquela pessoa que finge ser mais legal do que realmente é? — perguntei, tentando encontrar as palavras certas. — Ela me dá essa impressão. Sei lá... parece que tem sempre um jogo por trás das coisas que ela faz.

Jess inclinou a cabeça, refletindo sobre o que eu disse.

— E o que você vai fazer? — perguntou, curiosa.

Dei de ombros.

— Nada. Não quero me meter nisso, até porque quem tem que gostar dela é ele, não eu. Mas é difícil ficar quieta quando você sente que algo não está certo, sabe?

Ela assentiu, compreensiva.

— Isso é complicado... mas é, ele que tem que enxergar essas coisas. E talvez, com o tempo, você acabe conhecendo melhor ela. Às vezes, as primeiras impressões podem nos enganar.

Eu balancei a cabeça, concordando, mas com aquela sensação incômoda ainda presente no fundo. Afinal, era meu irmão, e eu só queria que ele fosse feliz. Mas algo me dizia que essa noiva não era a pessoa certa para isso. 

A comida chegou, e tentamos mudar de assunto, mas a questão ainda pairava no ar, como uma nuvem cinza pronta para trazer mais problemas.

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