A arma em minha mão parece mais pesada, como se compartilhasse do peso da raiva que me consome. Me aproximo rapidamente, meus passos ecoando pelo espaço. Cada detalhe da cena alimenta minha fúria: o sangue no chão, as marcas de tortura no corpo dele, o cheiro metálico no ar.Porra.— Aguenta, Otávio. Vou tirar você daqui. Me ajoelho diante dele, tentando avaliar o estado em que está enquanto minhas mãos já trabalham rapidamente para abrir as algemas. O som do metal rangendo e das vozes abafadas no corredor me mantém em alerta, mas minha atenção está focada em Otávio.— Você... pegou... ele? — Sua voz é um sussurro rouco, cada palavra carregada de dor.— Não.— Rosno entre dentes enquanto finalmente solto suas mãos.Ele quase desaba na minha direção, mas consigo segurá-lo, apoiando-o com um braço. Seu corpo está fraco, e cada movimento é um esforço visível.— Apolo, cobertura! — Chamo, minha voz fria e autoritária. Não posso arriscar nenhum deslize agora.O som de tiros e passos apress
Eu estava na varanda do apartamento de Otávio, sentindo a brisa suave acariciar meu rosto, enquanto meus olhos perdiam-se na cidade que se estendia abaixo. O mundo ao meu redor parecia pequeno, tão pequeno e insignificante. Foi então que senti os braços fortes de Otávio envolvendo meu corpo, me puxando para ele. Fechei os olhos, saboreando aquele momento de intimidade, aquele calor que só ele podia me oferecer. As suas mãos, como sempre, me traziam uma sensação de segurança. Então, um beijo suave foi depositado em meu ombro, fazendo meu coração acelerar e um suspiro involuntário escapar dos meus lábios.— Você vai sentir minha falta? – Sua voz suave sussurrou ao meu ouvido, como uma melodia calma que tocava o meu coração.— Não. – Brinquei, virando-me para ele, sentindo seus braços me envolverem. Levei minhas mãos até o seu pescoço, fitando aqueles olhos verdes que sempre me encantaram.— Assim eu fico magoado. – Ele respondeu no mesmo tom, uma leve pitada de brincadeira na voz, como
Abri os olhos devagar, tentando compreender onde estava. A luz suave que entrava pela janela preenchia o ambiente com uma tranquilidade que contrastava com a tempestade que ainda rugia dentro de mim. Olhei ao redor, e um déjà-vu tomou conta de mim. Era familiar, dolorosamente familiar. Reconheci o espaço quase que imediatamente: era um dos quartos da casa de Francesco. O mesmo quarto em que eu e Otávio nos hospedamos, como se aquele lugar estivesse destinado a me confrontar com memórias que eu não queria revisitar.Por um momento, senti o peito apertar. Passei a mão pelo rosto, tentando afastar os pensamentos intrusivos, mas eles pareciam se agarrar a mim como uma sombra. A cada tentativa de espantá-los, eles vinham com mais força, me lembrando do vazio que agora parecia ocupar cada parte do meu ser.Com esforço, sentei-me na cama, sentindo uma tontura leve, enquanto uma dor no estômago pulsava, incômoda. Fechei os olhos por um instante, tentando forçar minha mente a se esvaziar, mas
– Como ele está? – pergunto assim que me encontro com Rodolfo no corredor do hospital.– Ainda está em cirurgia – ele responde, com o rosto fechado.Olho para a porta da sala de cirurgia, sentindo uma vontade desesperadora de invadir aquele espaço, de exigir respostas imediatas, mas sei que não é o momento. Já se passaram mais de quatro horas desde que Otávio foi levado para lá, e a espera parece insuportável.– Eu disse que seria uma péssima ideia – Rodolfo diz, com um tom que mistura preocupação e frustração. Seu olhar é pesado, e eu não digo nada porque sei que ele está certo. – Otávio, com essa obsessão de encontrar Milena, acabou se colocando nesse estado. Sempre avisei que não seria seguro, que não seria o certo. Nos arriscamos tanto... para o quê? Para sermos levados ao “talvez”?– Ela está viva – digo, com firmeza, tentando convencer a mim mesma.– E Otávio está morrendo – Rodolfo rebate, sem amenizar as palavras.Sua resposta é como um soco no estômago. Meu coração pesa, e a
Me concentro no prato de comida à minha frente, forçando-me a mastigar cada pedaço, mesmo que pareça impossível engolir. Faz quatro dias desde que tudo aconteceu. Quatro dias em que minha mente não para de girar, repetindo cenários e possibilidades. Já entrei incontáveis vezes nos sites de notícias de Nova York, procurando por qualquer menção a Otávio. Nada.A ausência de notícias deveria ser um alívio, mas tudo o que sinto é uma angústia sufocante. Mesmo assim, uma faísca de esperança se recusa a morrer dentro de mim. Se ele tivesse morrido, sendo quem ele é, a notícia já teria se espalhado por todos os cantos. Essa é a única lógica que me mantém respirando.Giovanni se recusa a falar comigo, e isso só aumenta meu desespero. Francesco, sempre calmo e meticuloso, me pediu paciência. "Quando houver algo, você será a primeira a saber", ele disse. Mas como posso ter calma?Meu estômago dói incessantemente, uma mistura de fome, náusea e ansiedade. Os enjôos têm sido constantes, e eu me
– Então ele realmente se foi... – murmuro, a voz embargada enquanto agarro o travesseiro com força, tentando ignorar Marcela que insiste em me arrancar do quarto.Eu me afundo em pensamentos, revivendo cada detalhe da nossa última discussão. Por que ele estava tão sereno? Por que ele não mostrou nenhuma reação? Ele simplesmente aceitou a minha decisão, sem protestos, sem questionamentos. Isso me atormenta. Ele era Otávio Gambino, poderoso, capaz de dobrar qualquer um à sua vontade, até mesmo de me matar, se quisesse. Então, por que ele aceitou tão facilmente o caminho que eu escolhi?– Ele estava tão calmo que cheguei a pensar que não se entregaria assim tão fácil – continuo, mais para mim mesma do que para Marcela. – Mas quando entrei naquele carro com você... percebi o quão estúpida eu fui.– Já aconteceu, Desirée – Marcela tenta me consolar, mas sua voz parece distante, incapaz de alcançar a dor que me consome.– Sim, já aconteceu – digo, encarando o travesseiro como se ele pudesse
A porta do quarto se abre, mas eu não me dou ao trabalho de me virar para ver quem é. Nos últimos dias, tem sido sempre assim: um entra e sai constante, seja Francesco ou algum dos empregados. A pergunta é sempre a mesma:“Você está bem?”“Quer comer algo?”“Acabamos de fazer um bolo, quer provar?”Eu entendo a preocupação, mas isso me sufoca ainda mais.– Bruna me informou que você ainda não melhorou. – A voz grave de Francesco corta o silêncio. – Então pedi para que o doutor Barretos viesse ver o que está acontecendo.Suspiro e me levanto da cadeira da varanda, caminhando até ele. Quando meus olhos encontram o homem que o acompanha, vejo alguém jovem demais para ser médico – pelo menos, jovem demais na minha opinião.– Eu estou bem. – Tento dizer com firmeza, mas a verdade na voz de Francesco me desmonta.– Não, você não está. – Ele ignora minha resistência e faz um gesto para o médico. O homem abre sua maleta, que agora está sobre a mesa do quarto, e me encara com profissionalismo.
Me pego conversando com Marcela por mensagem enquanto o tempo passa devagar. Hoje faz duas semanas desde que ela voltou para Nova York. Achei que sentiria falta dela, mas, surpreendentemente, não sinto.Meu corpo e minha mente estão consumidos pelo que aconteceu entre mim e Otávio. Tudo o mais parece ter perdido a importância. O mundo ao meu redor se tornou apenas um ruído distante, algo que não consigo ouvir nem sentir plenamente.As palavras de Marcela piscam na tela, mas não consigo focar completamente. Ela me conta sobre as consultas, sobre como Saulo está tentando ser presente, mas tudo isso parece tão irrelevante perto do peso que carrego no peito. O resto do mundo se tornou apenas... resto, nada, vazio.Meu celular vibra com uma notificação de Giovanni, pedindo que eu vá até o escritório. Tem sido sempre assim: quando ele quer falar comigo, manda uma mensagem breve e direta, sem rodeios.Ao chegar, bato na porta e ouço sua voz me autorizando a entrar. Assim que abro a porta, me