Beatriz Misse
As coisas por aqui estavam extremamente entediantes. Tudo beirava ao insuportável às vezes e a solidão não era exatamente uma ajuda. Era um problema. Um grande problema para ser bem honesta.
A minha casa viva quase um silêncio absoluto. De vez em outra alguém batia na porta – sempre fechada – como se eu nunca tivesse descoberto a verdade sobre eles. Eu nunca abria. Nunca. Esperava até o momento em que desistissem. Eu tinha muito medo deles.
Minha única distração eram meus momentos com os cadernos.
Televisão e computador estavam ali apenas de enfeite. Nenhum deles funcionava. Sequer tinha tomadas para tentar ligá-los. Acabava passando meu tempo escrevendo. E o tempo era "generoso" comigo e me deixava ficar escrevendo até minha mão ficar dormente.
Eu escrevia sobre tudo. Desde minhas frustrações em não conseguir escapar dali, passando pela minha saudade do Alexis, em como a dispensa estava sempre cheia e os momentos
Fiquei algum tempo fitando o espelho. Estava me sentindo ridícula, mas se fosse o que eu desconfiava ser eu teria um conforto enquanto não fosse liberada daqui. Bati de leve no espelho, esfreguei, tirei do lugar e nada. Ele continuava exatamente o mesmo espelho velho de sempre – talvez não tão velho já que aquele não era o meu espelho. Resolvi arriscar. – Alexis? – falei – Se for você que está me observando através deste espelho, faça algo. Eu preciso de algum tipo de confirmação. Qualquer coisa. – não obtive resposta. Tentei novamente encontrar algo que me desse à confirmação que precisava, mas não havia um único sinal suspeito. A única pista que tinha era a sensação guardada em meu peito de que era mesmo o Alexis que estava me observando. Talvez esse fosse o sinal. – Alexis, eu espero que esteja bem. – comecei a falar – Estou me sentindo tão sozinha sem você. Leone está me mantendo prisioneira, mas acho que já sabe. Eu te amo muito, nunca se
As chamas logo se apagaram. Não conseguia ver se foi algum tipo de defesa do castelo ou se havia sido Leone que estava brincando com a cara deles mais uma vez. Mas era bem provável que fosse as duas coisas. Tentei desesperadamente sair daquele lugar. Era muita crueldade me fazer assistir aquilo sabendo que eu estava de mãos atadas. Mas mesmo sabendo que já havia feito de tudo, continuei tentando achar uma forma de voltar para Monterra. Tentei novamente magia, tentei encontrar passagens e tive que resistir ao impulso de pular para cima do espelho. Nada funcionava. Eu estava condenada a ver a Capital sendo destruída e não poder fazer nada para ajudar. Neandro, Tales e Cosmo estavam fazendo a defesa, enquanto Lifa e Thalisa faziam a retaguarda. Vários soldados estavam espalhados em pontos estratégicos, atacando cada avanço que Leone e seu exército davam. Leone brincava no céu com seu cavalo alado feito de sombras. Mas ele não parecia estar se divertindo.
A minha dor em ver o Rei Célio morto só não era maior que a dor que eu vi nos olhos de Neandro. Ele estava completamente arrasado. Mas arrasado do que eu poderia imaginar – se é que algum dia eu fosse imaginar algo tão cruel. A Rainha Alina estava viva, eu podia sentir. Reparei que ela não estava jogada como quando vi pelo espelho. Ela parecia ter sido posta de uma forma mais confortável. Provavelmente Neandro a deixou daquele jeito antes de correr em direção ao corpo do pai. Leone estava fazendo um trabalho manual. Depois de jogar coisas e pessoas ao vento apenas com o estalar de dedos achei que tivesse se esquecido. Ele pegava o trono que havia sido jogado para o outro lado da sala e colocava em seu lugar. Provavelmente ele queria sentir o prazer de fazer isso com as próprias mãos. Depois de colocar o trono no lugar, Leone seguiu em direção ao corpo do Rei Célio. Neandro tentou pará-lo, mas foi em vão. Leone esticou a mão e segurou Neandro pela cabeça, faze
Sem dúvida alguma aquela seria uma cena que guardaria para o resto da minha vida. Nunca imaginei que um momento tão triste pudesse ser também um momento tão belo. Rei Célio havia partido de forma honrosa. E agora eu sabia que não poderia deixar mais ninguém morrer em vão. Eu precisava acabar com Leone. E precisava fazer isso rápido. Não sei dizer por quanto tempo ficamos naquele jardim. A Rainha Alina ainda estava desacordada, mas parecia bem melhor deitada ao lado das flores e sobre a sombra de uma árvore. Talvez ela tenha sentido a essência do Rei Célio tomando conta do lugar. Neandro resolveu deixar a Rainha no jardim. Não estava tão certa de que seria seguro deixá-la daquele jeito, mas Neandro parecia confiar bastante no que estava decidindo. – Eu me sinto péssima. – disse – Deveria ter chegado a tempo. – Não foi sua culpa, Beatriz. – Neandro parecia bem mais calmo – Acredito que era para ser assim. Infelizmente. – Mas eu estava vendo tudo
Leone ergueu as mãos e vários buracos no chão apareceram ao lado das gaiolas. Com outro movimento ele foi levando as gaiolas para dentro dos buracos, que foi caindo lentamente. Os buracos se fecharam com um último gesto de Leone. – O que você fez com essas pessoas? – perguntei. – Por enquanto nada. – Leone agora andava pelo salão vazio – Eu estou apenas guardando para quando chegar a hora de me livrar de pesos indesejáveis. – Você é um monstro. – falei. – Sou apenas um mal compreendido. Tudo o que estou fazendo é para o bem de Monterra. – Talvez você não seja mesmo um monstro. – Amadeus falou com fúria – Só um louco mesmo. – De você eu não permito esses tipos de abuso! – Leone iniciou um gesto, mas se interrompeu – Acho melhor começarmos a nossa brincadeira. Leone desapareceu. – Cretino, covarde! – Alexis gritou – Está fugindo maldito? Volte e brigue feito homem! – Alexis... – tentei dizer algo. – Vejam!
Fiquei durante algum tempo observando a cena. Aos poucos Leone parecia estar se dissolvendo, mas algo ainda o matinha inteiro. O cristal brilhava, bem forte, e quase não conseguia enxergar o que estava ao redor. – O que está esperando? – Leone gritou – Acabe logo comigo! – Você jamais iria mudar! – não sei por que disse isso. Talvez já tenha ouvido tanta coisa parecida em filmes que quis fazer igual. – Mudar? Sério? Beatriz, que decepção! – Leone tentou gargalhar, mas não conseguiu – Tenha mais respeito pela minha pessoa. Acabe logo com isso. Me destrua de uma vez! Faça o que sempre disse que iria fazer! Só então notei, ou melhor, senti que o que mantinha Leone era o meu poder. Eu o estava desintegrando e eu que estava segurando-o neste mundo ainda. De fato era hora de terminar o que tinha começado. – O que aconteceu? – Leone gritou – Está com medo? – Cale a boca, Leone! – respondi. O cristal que tinha aparecido em cima de Leon
Parecia que estávamos ali há séculos, mas tinha apenas uma semana. Uma longa e cansativa semana. Talvez mais longa e cansativa para mim, pro Alexis, o Tales e a Thalisa do que para qualquer outro que estivesse por ali. Estávamos de guarda no porto, esperando o ataque que havia sido previsto para breve. Iríamos por em prática o plano que havíamos criado há algum tempo. Esperava não ter que utilizá-lo. Não apenas por Monterra, mas por conta do cansaço que eu me encontrava. Tínhamos criado um sistema de revezamento, mas há dois dias que eu, Alexis, Tales e Thalisa estávamos sem descansar direito. Cosmo, Neandro e Nicardo ficaram no castelo, caso algum imprevisto acontecesse. Talvez eles estivessem mais descansados do que nós. Eles seriam mais úteis aqui do que no castelo. Levinda e Camila também estavam no castelo por motivos de segurança. Tentava manter o foco a todo custo. Era difícil, mas estava conseguindo. Andar de um lado para o outro e jogar copos de água
Chegamos a casa de Neandro quase que desmaiando. Estávamos todos muito, mas muito cansados. Neandro e Levinda tiveram que carregar Thalisa até o sofá. Eu e Alexis estávamos bem próximos de chegar aquele extremo de não se aguentar em pé. – Mas o que houve com vocês? – Levinda perguntou preocupada. – Tudo que não poderia acontecer! – Alexis respondeu ofegante. – Vocês andaram do porto até aqui a pé? – Neandro perguntou assustado. – Sim! – respondi também ofegante – Não havia cavalos. Os que estavam com nosso grupo acabaram sendo levados para o castelo. Eles não chegaram? – Não. – Neandro respondeu confuso. – Eu vou pegar uma jarra de água. Não, duas. Vocês estão horríveis! – Levinda estava desnorteada. Deveríamos estar muito horríveis mesmo. – Conte o que aconteceu? – Neandro perguntou. – Poderia nos dar um tempo para recuperarmos nossas forças? – Alexis já estava fechando os olhos – Iremos contar tudo, prometo.