Maya Costa
Quando finalmente acabei meu expediente na lanchonete, o meu relógio de pulso já marcava 19:30.
- Merda! - praguejei baixinho e me adianto para pegar minhas coisas no armário dos funcionários e correr pra casa – Leandro vai me matar! – corro para o ponto de ônibus mais próximo.
O meu ônibus já tinha passado e eu o perdi pelo meu atraso, ou seja, mais 15 minutos aqui sentada esperando, enquanto meu coração começava a bater mais forte a esperar o pior. Graças aos deuses o próximo ônibus chegou um pouquinho mais adiantado e eu posso ir sentada, já que não estava lotado.
No caminho de volta pra casa, só penso nas milhares desculpas que darei à Leandro para estar chegando fora do horário em casa. Leandro com certeza não irá aceitar a simples realidade de que a lanchonete estava uma baderna e meu chefe não me permitiu sair antes de deixar tudo bem limpo. Eu poderia até falar que o meu horário já tinha chegado ao fim, mas o emprego já tinha sido difícil de encontrar e ficar adiando trabalho é só um bom motivo para uma demissão, coisa que definitivamente eu não quero nesse momento.
Respiro fundo encostando a minha cabeça na janela enquanto rezo internamente pedindo piedade de quem quer que seja responsável por isso. Peço para que ele tenha saído ou então que, depois de 3 longos anos sem pisar na delegacia, Leandro finalmente tenha decidido que hoje era o dia de voltar ao trabalho. Até tentei ensaiar um discurso, para caso as outras possibilidades não ocorressem, mas não parecia adiantar de nada.
Quando chego ao condomínio, pego minhas coisas rapidamente e desço do ônibus. Vejo as luzes da sala de casa acesas pelo lado de fora. Pego minhas chaves na bolsa e respiro fundo mais uma vez antes de entrar.
- Coragem Maya, você consegue – sussurrei para mim mesma colocando a chave na porta e girando para destrancá-la.
Ninguém...
Leandro não estava sentado no sofá assistindo televisão como de costume. Será que hoje era o meu dia de sorte? Finalmente algo de bom iria acontecer? Sinto o alívio percorrendo pelo meu corpo só com essa possibilidade.
- Ana? – chamo sem obter resposta – Como foi o dia? Théo deu algum trabalho? – mais uma vez ninguém respondeu.
Estranho...
Vou até o pequeno quintal de casa para ver se eles estavam ali brincando, mas nada.
Mais estranho ainda!
Vou até o meu quarto e encontro Théo deitado entre os meus travesseiros. Sorrio aliviada. Vejo também um pequeno pedaço de papel rasgado em cima da minha cômoda.
“Maya, tive uma emergência em casa e não tive como esperar até que chegasse. Leandro estava em casa quando saí e Théo dormiu mais cedo por conta do cansaço. Espero que não fique chateada.
Ana”
Droga, Leandro estava aqui! Será que ele podia ter saído e não percebeu o meu atraso?
Deixo um beijo na testa do meu pequeno, tomo um banho rápido e vou até a cozinha para comer algo. Abro a geladeira e não encontro nada que chame minha atenção. Quando fecho a porta, encontro quem eu menos queria ver. Quase gritei com o susto, mas me contive em apenas sentir o arrepio ruim passar pela minha espinha.
- Boa noite amorzinho – Leandro diz sorrindo irônico.
- Bo-boa noite Leandro – viro-me de costas para ele, procurando algo no armário. A tensão do meu corpo era tão grande que quase doía.
Deus, que ele tenha chegado agora! Que ele não tenha percebido! Por favor...
Só a presença desse homem fazia meu corpo tremer e suar frio. A próxima frase que ele diz me faz perceber que mais uma vez a minha sorte não estava comigo. Ela nunca esteve na verdade.
- Posso saber o porquê do atraso hoje? – pergunta bem próximo a mim. Tão perto que posso sentir as suas palavras tocando a pele da minha nuca.
- Leandro eu juro que não queria me atrasar – viro-me de frente para ele me afastando já sentindo as lágrimas em meus olhos – A lanchonete estava lotada e bagunçada hoje à tarde e eu demorei um pouco mais para terminar de limpar tudo.
- Ah! Então, a mocinha quer mesmo que eu caia nessa historinha ridícula?
- Eu juro que estou falando a verdade, pode ligar... – nem dá tempo de terminar de falar com o aperto de sua mão em meu pescoço.
- VOCÊ ACHA QUE EU SOU IDIOTA? – faço que não com a cabeça – ACHO QUE EU NÃO SEI QUE VOCÊ DEMOROU MAIS POR CONTA DO SEU CHEFINHO? QUAL FOI A TRAIÇÃO DO DIA HEIN?
Desde que Leandro tinha descoberto que o Sr. Suarez iria passar o comando da sua lanchonete para o seu filho mais velho, começou essa história de que eu estava dando em cima do meu chefe. Ele já até tinha ido ao meu trabalho para ameaçar o homem e exigir que nem colocasse os olhos em mim. Não sei nem como ainda não fui demitida, é cada inconveniente que Leandro já me fez passar por lá.
- Is-Isso é mentira! Eu já te falei milhares de vezes – digo tentando sair do seu aperto – E o filho dele ainda nem assumiu o comando direito.
- Eu já te falei que essa desculpa não cola! Não existe motivo algum para você trabalhar tão longe, ganhar tão pouco e achar que eu vou acreditar nas suas mentiras.
- Leandro, eu não vou viver as suas custas! Você já me impediu de fazer faculdade, então não pense que vou deixar de trabalhar porque você tem dinheiro o suficiente para me manter! – finalmente consigo sair – Não ache que o fato de você ter ganhado na loteria vai te deixar em segurança pro resto da vida, imprevistos acontecem! O seu tão adorado dinheiro vai acabar se você continuar vivendo desse jeito!
- Meu amor, eu só estou querendo garantir o seu bem! Eu posso garantir tudo do bom e do melhor para nós dois. Olha essa casa aqui, você acha que conseguiria manter um lugar desses com o salário de fome que ganha?
- O salário pode não ser o melhor de todos, mas é o suficiente para me manter independente de você em relação a muita coisa. Eu só preciso de ajuda com os remédios de Théo.
- É vem você de novo com esse pirralho, não sei por que ainda não o joguei no sistema de adoção.
- VOCÊ NUNCA CONSEGUIRIA, EU NUNCA IREI DEIXAR!
- Assim como tem o seu sangue, aquela praga também tem o meu DNA, pode deixar que amanhã mesmo eu irei resolver esse problema.
Sei bem qual é a forma dele de resolver o “problema”.
- NÃO CHEGUE PERTO DELE! - digo irritada me aproximando – SE EU CHEGAR EM CASA E THÉO ESTIVER COM UM ROXINHO OU FIO DE CABELO A MENOS, PODE TER CERTEZA QUE EU TE DENUNCIO! - sinto um lado do meu rosto arder com o tapa de Leandro.
- Está pensando que é quem para gritar comigo? Baixe o seu tom – me dá um soco na boca do estômago e eu me seguro para não vomitar – Tá se achando o que para me enfrentar? A fodona? – puxa meu cabelo para trás me fazendo encará-lo e segura meu rosto com a outra mão – Não preciso te lembrar que só está viva porque eu quero não é?
- Ele é o MEU filho Leandro, você não tem o direito de tirá-lo de mim.
- Não importa! Você depende de mim, nunca terá condições para bancar metade do tratamento daquele embuste sozinha, nem que se prostituísse.
- Ainda bem que você sabe que eu só estou aqui por causa dele - recebi outro tapa.
- Você está aqui porque EU quero, vai continuar até quando EU queira e vai fazer todas as MINHAS vontades.
- Vai achando...
- Não estou achando nada, estou tendo é muita certeza! Tanta certeza que amanhã mesmo irei te acompanhar a essa lanchonetezinha de merda para você assinar a sua carta de demissão!
- Eu já falei que não vou me demitir!
- Ah, vai! Quero ver não me obedecer. Fique avisada que cada descumprimento de regra é um remédio a menos para o pirralho a partir de hoje.Vamos ver quanto tempo aquele inválido consegue sobreviver sem uma crise. Será que ele vai morrer dormindo ou quando estiver na creche brincando com os amiguinhos e as bombinhas acabarem? – aperta meu braço.
- Você é um monstro! Me larga!
- Cala a boca! – outro tapa – Acabou a festa com o chefinho, amanhã mesmo a gente vai dar um fim nisso!
- EU NÃO VOU ME DEMITIR!
- Vai.
- Você não tem esse direito sobre mim! Você já acaba com todos os meus dias, a minha vida já é um inferno, já chega!
- Quem dita as regras do jogo sou eu amorzinho.
- Mamãe? – vejo meu baixinho olhando tudo da porta chorando.
Consigo sair dos braços de Leandro e abraço meu pequeno que tremia. Théo sempre odiou ver Leandro brigando comigo, mas é algo impossível de se evitar, afinal, tudo é motivo para esse idiota arranjar intriga e me bater.
- Oi meu amor, espera a mamãe lá no quarto que eu já vou, tá bom? – deixo um beijo em sua bochecha – A mamãe já vai deitar contigo.
- Eu acodei com os guitos di novo.
- Tá tudo bem meu amor, a mamãe só estava conversando com...
- Ouve sua mãe pirralho! Vai para o quarto e só saia quando eu der permissão – Leandro diz duro atrás de mim sem olhar pra Théo.
- Vai lá meu príncipe, daqui a pouco eu vou – sorrio pra ele, que volta para o quarto de cabeça baixa.
- Ouve o que eu estou dizendo – ele me faz ficar de pé puxando meu cabelo – Se você não pedir demissão amanhã, eu juro que ação qualquer tratamento do pirralho e mato ele!
- Eu te odeio com todas as minhas forças.
- Eu não me importo – diz e segue para a sala.
Pego uma maçã e vou para meu quarto encontrando Théo sentado na cama. Assim que me vê, levanta e vem em minha direção. O puxo para perto e o abraço forte sentindo o meu cheirinho favorito.
- Meu amor, como foi a escolinha hoje?
- Foi nomal mamãe. Eu binquei com meus amiguinos e depois a Ana me toxe. Eu quelia tê puado mais tempo no pua pua, mas tava difixiu de respilar.
- Que bom meu pequeno – beijo o topo de sua cabeça sentindo o seu cheirinho gostoso de neném – Eu sei que você queria brincar mais, mas lembre-se que devemos sempre respeitar o nosso limite ok?
Se existia alguém que merecia todo o meu cuidado, era Théo. Ele é o único motivo para eu não ter feito nada em relação a tudo relacionado à Leandro. Meu filho merece, e sempre vai ter, tudo de mim e eu sempre irei me esforçar ao máximo para garantir isso.
Théo nasceu com asma e bronquite crônicas, o que tornou seus primeiros anos de vida bem conturbados. Nós vivíamos indo e voltando do hospital. Por isso, eu dependo de Leandro. Nem que eu me matasse de trabalhar, conseguiria pagar todos os medicamentos e consultas, então aguentava todas as agressões calada para poder cuidar do meu filho e dar a ele a melhor vida possível. Já tinha tentado denunciar no início, mas a situação realmente ficou insustentável depois que Théo nasceu.
Tudo bem que viver com Leandro não era maravilhoso, mas é melhor que viver em um cubículo sujo. A situação de Théo não tem cura, mas a vida dele é muito melhorada com os medicamentos. Hoje, tudo está muito mais controlado graças aos remédios, alimentação saudável e uma casa adequada às suas necessidades.
- Mamãe, quano a gente vai podê i embola e ficá longe do homem mau?
- Eu não sei meu príncipe, mas a mamãe está trabalhando para isso acontecer o mais rápido o possível.
- Eu num goto de vê ele te fazeno dodói – me encara triste com sua pequena mãozinha em meu rosto.
Oh meu pequeno! Você é a minha salvação meu amor! Por você eu faço tudo. Enquanto não tiver certeza que posso garantir sua segurança, infelizmente não poderemos sair daqui.
- Eu vou dar um jeito meu pequeno, a mamãe vai tirar a gente daqui e nós vamos encontrar uma casinha bem legal para morarmos juntos. Bem longe daqui...
- Mamãe.
- Oi.
- Um dia a gente podi i anar de vião?
- Pode meu amor, um dia a gente vai andar de avião.
- Espelo que não demole tanto.
- Eu também.
Enquanto ponho Théo para dormir novamente, penso em como posso estar mais ferrada do que antes. Eu sei que ganho pouco, mas, aos pouquinhos, estava conseguindo juntar uma besteirinha para tentar fugir daqui. Sem o meu salário, tudo tinha sido em vão. Todos esses três anos presa a esse monstro seriam drenados pelo ralo e eu voltei ao início. Tenho que dar um jeito e, mais uma vez, estava sozinha. Só espero que Leandro acorde amanhã e tenha esquecido essa besteira.
Maya Costa No dia seguinte, acordo com o meu despertador tocando em cima da cômoda. Depois de desligá-lo, checo Théo, que continuava dormindo tranquilamente, e sorrio. Era mais um dia que ele dormia a noite toda sem nenhuma crise, isso já está virando rotina. A cada dia meu menininho fica melhor e eu me torno cada vez mais confiante com a sua saúde. Eu sei que ele dependeria dos remédios para a vida toda, mas ver a sua melhora aos pouquinhos é suficiente para me deixar muito feliz.  
Benjamin Padovanne A brisa batia em meu rosto e o sol quente brilhava no céu azul limpo sem nenhuma nuvem. Um dia lindo, perfeito, sem qualquer chance de uma gota de chuva cair. À minha frente está o mar e o horizonte, ambos passando uma sensação de calmaria, O mar de Cagliari está azul, límpido e cristalino, um verdadeiro paraíso. - Benjamin – uma voz suave aveludada me chama fazendo-me virar para trás em busca de sua dona.
Maya Costa “Descobriu quando ele vai sair? (S.S.)” “Parece que vai ter uma festa na casa de um dos amigos dele da delegacia hoje (M.C.)” “Então deixe tudo separado, pois, assim que ele sair, eu passo aí para te buscar (S.S.)” Já tinha passado uma semana desde que contei tudo para Sophie e as coisas têm andado nos trilhos desde então. Consegui colocar todas as minhas roupas e as de Théo em três malas e mantinha tudo escondido de
Benjamin Padovanne - Por que eu sinto que você quer me dizer algo? – digo encarando a mulher à minha frente. A imagem dela hoje, por algum motivo, está diferente. Ela não parecia tranquila como das outras vezes, apesar de continuar com sua expressão neutra. Além disso, até o ambiente, que continuava o mesmo, aparentava estar muito mais pesado do que das outras vezes. A angústia pairava entre nós e isso me incomoda.
Maya Costa - L-Leandro? O que está fazendo aqui? – sinto o desespero tomar conta e calafrios percorrerem o meu corpo. Como ele descobriu onde eu estava? Como era possível? Ele sabia de tudo desde o início? Acho que vou vomitar... &nbs
Benjamin Padovanne - Mas por que você vai mesmo? – estava almoçando com Vicente em um dos nossos restaurantes favoritos daqui da Itália e acabamos entrando no assunto de sua viagem novamente. - Você sabe que eu dirijo o escritório daqui e os meus pais ficaram com o do Brasil, certo? – assinto – Meu pai disse que precisa de minha ajuda com um caso por lá.
Maya Costa - COMO É? – acho que Leandro me bateu tanto ontem que estou começando a ouvir coisas. Noiva?! Nem ferrando! - Isso mesmo que você ouviu – diz como se não tivesse acabado de propor um absurdo. - MAS NEM MORTA! EU NÃO VOU MENTIR PRA MAIS NINGUÉM!
Maya Costa - Am... Não é nada demais – digo passando as mãos pelo meu pescoço e olho de lado para Leandro. Não tinha como esconder o meu nervosismo e nem como inventar que isso não foi nada, não sou boa com mentiras dessa forma. - Como não é nada demais? Leandro, alguém a machucou, você já descobriu quem fez? – Vicente encara Leandro sério.