Parte 24 - BiancaEu o olhei com os olhos semicerrados.— Você está rindo? - perguntei, incrédula.— Sim, porque, sinceramente, isso tudo é ridículo. - ele disse, ainda com um sorriso no rosto. — Você tenta fugir a pé no meio da noite, eu te pego em cinco segundos, e agora estamos aqui, no estacionamento de um posto de gasolina, discutindo como dois adolescentes.Eu tentei manter minha expressão de indignação, mas acabei mordendo o lábio para segurar uma risada. Ele tinha razão, claro. A cena era ridícula, e mesmo assim eu estava desesperada o suficiente para tentar.— Por que fugiu do convento, Bianca?Eu suspirei. Não sei como ele vai me entender.— Você não sabe o quanto eu quero fugir desse casamento. - falei, agora mais séria, tentando explicar — Não é sobre você, Adriano. Eu não quero ser forçada a fazer algo que eu não escolhi. Meu pai me jogou em um convento, pelo amor de Deus!O sorriso dele desapareceu, e ele me olhou por alguns segundos, como se estivesse tentando entender
Parte 25 -Bianca— Não. Eu não quero forçar você a nada, Bianca. Mas talvez... - ele parou, como se ponderasse antes de dizer a próxima frase. — Talvez devêssemos tentar entender o que podemos construir juntos, em vez de lutar contra algo que já é certo.Apertei as unhas na mão com força. Isso tudo ainda é muito irritante pra mim. Quando decidi sair do convento não foi para cair nas mãos dele. Ainda que ele fosse Trajano, o cara que eu achei atraente na boate.— Bianca?— Ai, calma... - virei o rosto — Eu tenho que pensar... Não é assim fácil.— E nem tão difícil também - ele tocou meu joelho e puxei a perna — Você é teimosa.— Você não sabe disso - cruzei os braços — Não sabe nada sobre mim.— É verdade, mas posso aprender...Voltei a olhar para ele.— Segundo você, também fez sacrifícios, por que então aceita isso? Não é criança, não tem que acatar ordens de papai.Ele fez uma expressão mais fechada.— Sim, eu tenho que acatar ordens, ainda que não goste delas. Fui criado para isso
Parte 1 -BiancaEu mal conseguia respirar. O silêncio da noite era tão denso que cada passo meu parecia um trovão dentro de minha cabeça. Quando meus pés tocaram o chão do lado de fora da janela, o barulho abafado pela grama úmida ainda me pareceu alto demais. Por um instante, parei.— Será que alguém ouviu? - pensei, com o coração martelando dentro do peito. O medo de sermos descobertas me queimava por dentro, mas eu não podia voltar atrás.— Rápido, Bianca!A voz de Luísa, que já estava mais à frente, me puxou de volta à realidade. Ela me agarrou pelo braço, e seus olhos brilhavam com a mesma mistura de medo e excitação que os meus. Não era a primeira vez que fugíamos do convento juntas, mas essa noite era diferente. Nas outras vezes, tínhamos sido cuidadosas, nos limitando a passeios curtos e discretos pela cidade silenciosa. Desta vez, íamos mais longe — muito mais.Todos esses anos enclausurada aqui dentro já eram demais. Não pedi por isso e nem fui consultada. Apenas acatei u
Parte 2 -Bianca Tudo era tão diferente do convento que, por um momento, senti como se tivesse sido transportada para outro universo. As luzes vibrantes piscavam ritmicamente, refletindo nas paredes espelhadas da boate. O som era tão alto que quase abafava o tumulto de vozes e risadas ao nosso redor. Senti o cheiro forte de perfume misturado com álcool e suor, algo tão distante do aroma suave de incenso e velas que preenchiam os corredores do convento. Mas até que eu gostei.Estávamos dentro. Na boate. Eu e Luísa havíamos conseguido fugir mais uma vez e estávamos no meio de um mar de gente, num lugar onde nunca imaginei pisar. No carro, antes de chegar aqui, havíamos nos trocado às pressas. Luísa, com sua ousadia habitual, me emprestara um de seus antigos vestidos, algo que ela mantinha escondido como um relicário de sua antiga vida fora do convento. O vestido que agora grudava ao meu corpo era um tecido preto, fino e ligeiramente brilhoso, com alças delicadas que caíam sobre meu
Parte 3 -BiancaAgora, ele estava de pé, parado a poucos passos de mim, com uma expressão que eu não sabia decifrar. De perto, ele era ainda mais impressionante. Os cabelos negros bem penteados, o rosto marcado com linhas de expressão, mas com um charme perigoso. Seu terno impecável só aumentava o contraste com o ambiente ao redor.— Eu... S-sim, estou - gaguejei, tentando parecer calma, mas sentindo minhas pernas tremerem. — Só... Só um pouco perdida.— Perdida? - ele inclinou a cabeça, os lábios curvando-se levemente. — Esse não é o tipo de lugar onde uma pessoa deveria estar perdida.Senti o calor subir pelo meu rosto, incapaz de evitar a vergonha que me consumia.— É a minha primeira vez aqui - confessei, sem conseguir manter o olhar.— Isso explica muita coisa - ele parecia divertir-se, mas de uma maneira contida, quase perigosa.— Você vem aqui sempre? - eu tentei puxar conversa, mas sabia que estava tropeçando nas palavras.— Não, mas hoje... Algo me disse que seria uma noite
Parte 4 -Bianca— Você não parece bem - ele insistiu, suavemente, seus dedos desenhando círculos lentos nas minhas costas, uma carícia quase imperceptível. — Mas não vou insistir. Não agora.Fiquei em silêncio, incapaz de formar uma resposta coerente. Era como se eu estivesse perdendo o controle sobre meus pensamentos, sobre mim mesma. A música continuava, lenta e suave, embalando nossos corpos em uma dança íntima que eu sabia que não deveria estar acontecendo.— Biatrice - ele disse depois de alguns minutos, o tom da sua voz mais suave, quase um sussurro. — Você mora por aqui?Engoli em seco, tentando me concentrar. — Não... Não exatamente.Desviei o olhar, lutando para manter uma fachada tranquila. Não podia contar nada a ele, não podia deixar escapar quem eu era ou de onde vinha. Seria um desastre.— Interessante - ele olhou para mim de maneira intensa, como se estivesse tentando desvendar cada segredo que eu escondia. — Então o que você faz? Quem é você, Biatrice?— Eu...As pa
Parte 5 -TrajanoEla era diferente. Não só pela maneira como parecia fora de lugar, mas pela forma como seu corpo reagia ao meu. Havia uma tensão ali, uma vibração que eu podia sentir, quase como se ela estivesse resistindo a algo... Ou a alguém. Não era só a música que movia nossos corpos, havia uma conexão. Um reconhecimento silencioso, mas real.Senti o corpo dela tenso contra o meu, as mãos dela pousando hesitantes nos meus ombros, mas ainda assim, ela não se afastou. Pelo contrário, mesmo com a hesitação, havia uma entrega que ela mesma talvez não percebesse.— Você parece tensa - eu disse, e podia sentir o leve estremecer do corpo dela em resposta. — Eu... Estou bem - ela murmurou, mas sabia que era mentira. O que estava acontecendo aqui? Eu acabara de a conhecer, e mesmo assim, sentia como se conhecesse aquela mulher há mais tempo. Como se já houvesse algo entre nós, algo que ainda não tinha nome, mas que estava ali, latente. E eu gostava disso. Eu gostava muito disso.
Parte 6...BiancaEu e Luísa nos esgueiramos pelo corredor do convento, tentando manter os passos leves, mas o eco das nossas respirações parecia amplificado no silêncio absoluto da madrugada. Meu coração batia com força no peito, e eu sentia o suor escorrer pelas costas, enquanto minhas mãos ainda tremiam da emoção de tudo o que havia acontecido na boate. Tínhamos conseguido voltar sem que ninguém notasse, mas o peso da nossa transgressão me fazia sentir que estávamos carregando o pecado estampado no rosto.Era até engraçado como alguns anos aqui dentro, me faziam sentir pecadora, por algo tão simples e livre como ir a uma boate.— Shh, devagar - sussurrei, sentindo minha respiração ofegante. — Acho que estamos seguras. Parece que ninguém nos viu sair.— Seguras? - Luísa bufou, tentando controlar uma risada nervosa. — Deus queira que sim. Se a Madre nos pegar...Coloquei o dedo na boca para ela ficar calada quando passamos em frente do quarto das irmãs mais velhas, que cuidavam da