Respira, não é tão difícil escrever em um diário Maya
Repetia para mim mesma depois da quinta bolinha de papel.
Data: 10/01
Querido diário, era vinte e seis de maio, quando tudo começou.
Eu só tinha 10 anos quando ouvi aquelas duras palavras da minha própria mãe:
— Me arrependo de não ter te abandonado, sua demônia! Eu te odeio, menina! — ela estava descontrolada porque vomitei a sua bolsa preta de couro com detalhes dourados — SAIA DA MINHA FRENTE!
Falava como se o que eu fiz tivesse controle. Então, saí dali correndo, morrendo de dor na cabeça e com enjoos.
Fui levada pela Cecília, funcionária da casa, para o hospital onde meu pai trabalhava enquanto minha mãe foi para a Europa comprar outra bolsa. Essas frases e essa ação dela me deixaram marcas que trago até hoje. Eu era apenas uma criança. Tudo por causa de uma bolsa ridícula. Inferno! Não havia necessidade de ela falar daquele jeito comigo, mas... enfim...
Suas ações foram ficando mais comuns, as palavras cada vez mais duras, seguidas de atitudes frias. Só que eu aprendi a, sempre na frente dela, me mostrar calma, enquanto, por dentro, a cada palavra eu desfalecia aos poucos.
Foi a partir daí que todos meus sentimentos se desencadearam e percebi que a luta para mim não seria justa. Recebi a fama de grossa, insensível e antipática por todos que conheço. Mesmo tentando dar o melhor de mim, o melhor sorriso, o melhor conselho, o melhor abraço. As pessoas só julgam sem saber o que vivo.
Minha personalidade forte adquiri quando decidi que não iria deixar ninguém pisar em mim. Sempre fui uma das chacotas na escola por motivos supérfluos como meu tipo de cabelo, a forma do meu corpo ou meu jeito de ser e agir. Simplesmente por ser quem sou.
É difícil viver bem quando se é negra, tendo cabelos cacheados até os ombros; volumosos e preto. Corpo de modelo com 1,55 de altura e olhos pretos. Boca carnuda e desenhada. Ainda por cima ter que viver em um país cheio de privilegiados brancos que dizem não serem racistas.
É difícil ser xingada por todos, ouvir o quão meu cabelo é ruim, meu corpo esquisito ou que eu deveria engordar, que meus cabelos deviam ser alisados, que eu deveria crescer, pois, para minha idade eu era muito baixa e o principal: que eu deveria me envergonhar da cor da minha pele e que nunca seria nada na vida.
O cúmulo de tudo ter que ouvir frases como: “Até que é bonita, pena que é sujinha.”
Qual preto não escutou coisas desse tipo? São pequenos fatores como esses que me desmotivam a viver um pouco a cada dia. Sim é difícil ser aceita, mesmo não fazendo questão disso, mas é que machuca mesmo não querendo.
Ao entrar no ensino médio, descobri o significado de privilégio branco, algo que meu pai quase sempre reclamava quando chegava em casa. Na escola vi e senti o significado de pior exemplo de privilégio branco, entretanto, me ensinou muitas coisas.
Privilégio racial, amado diário, é quando a sua escola é composta com apenas dez por cento de negros e noventa por cento de brancos e quando esses dez por cento se tornam invisíveis e excluídos de todas as atividades e apresentações escolares e saber que esses noventa por cento vão assumir cargos que não estão preparados, não estão qualificados. Tudo por conta de sua cor…
É que sempre a cor da pele vai falar mais alto.
São 71,5%, querido diário, assassinados sem motivo coerente e eu sei que na maioria das vezes é só o racismo falando mais alto. Ainda há os privilegiados que vêm falar que não existe esse tal de racismo, afinal, somos todos iguais. Entenda a ironia.
Foi a partir desse aprendizado que preferi por conta própria me tornar invisível.
Agradeço ao meu pai por sempre ter me conscientizado desses privilégios ridículos e rejeitá-los, foi ele que me ensinou a cobrar pelos meus direitos.
Bom, prazer. Sou Maya Andrews, a dona desse diário.
🌻
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Matheus Silva ❤
Data: 12/01Moro em um país lindoE preconceituoso por natureza.Moro em um país conceituadoPor escolhas erradas.Moro onde não existeIgualdade e democracia de fato.Sim, moro no Brasil!
Quando cheguei em casa, vi o carro do meu pai. Ao entrar, meus pais estavam na cozinha e, sim, mais uma vez estavam discutindo e por um milagre divino, o motivo não era eu. Em meio a tantas palavras e frases alteradas que ecoavam na casa comecei a ficar mais atenta:— Não tenho escolha, Catarina. — ele tentou argumentar.— É sempre assim Ricardo, você só pensa em você e na droga do seu trabalho! — ela estava furiosa — Se você quiser ir, vá! Estou cansada disso tudo. Principalmente desse fingimento. — Ela falava gritando. — Pelo menos tem alguma coisa boa nisso tudo — falou se sentando.— O que tem de bom nisso, Catarina? — Questionou franzindo a testa. Provavelmente, ele já sabia a
Depois de tanto chorar, fui até o andar de baixo tentar falar com minha mãe. Eu pedi, implorei, me humilhei, falei que aceitava qualquer condição, tentei argumentar de todas as formas e jeitos, porém, ela estava irredutível.— Não dá para cuidar de você e do seu irmão, você vai para os Estados Unidos com o seu pai e pare de ser mimada, sua aberração! — disse me olhando com um olhar de desprezo.Sim, ela me chamou de aberração e me doeu ouvir isso, me doeu de uma forma inimaginável. Eu saí correndo e chorando.— Tonta, tod
Ei, você!Sei que não está bem.E não há nada de erradoEm não estar.Sei que quer desabafar.Vamos fazer o seguinte:Por mais cli
Data: 04/03Subi para meu quarto sem me exaltar, fui degrau por degrau na maior calma. Não chorei, já estava acostumada a ser tratada assim por ela. Então, para desabafar peguei meu diário e me sentei na cadeira com ele sobre a mesa.Diário, hoje minha mãe me chamou de preta suja. Como ela teve coragem de falar isso? E como ela achou que falar da minha pele iria me ofender? Eu só senti nojo dela, nojo dela ser racista, nojo dela tentar seguir um padrão deturpado e que tudo que seja diferente do mundinho banal dela, seja abominável. Eu sinto nojo dela e acho que pela primeira vez não me senti mal por ser preta. Contudo, o que mais martela na minha cabeça é o fato dela criticar tanto a cor da minha pele, a
Data: 06/03Mas e agora? Como vai ser? Será que vou fazer amigos aqui? Esses pensamentos estavam me atormentando. Eu não conseguia controlá-los. Lá estava eu mais uma vez trancada só que dessa vez em um quarto de hotel. Olhando para o vidro da janela e sentindo raiva daquela imagem que tanto me encarando.Aquela felicidade de um dia atrás já havia acabado e aquele retrato de mim mesma, me maltratava e me humilhava demais. Eu não sabia o que fazer, eu tentava sair, mas ele me prendia e eu escutava calada, todos aqueles insultos de pensamentos.Estava me sentindo uma prisioneira. Presa em mim mesma. Prisioneira
Data:10/03Meu pai começou a trabalhar e eu fiquei em casa com a nova funcionária que ainda não aprendi o nome, mas ela é brasileira. Ela não é como a Cecília. É bastante formal. Já a Cisa — era assim, como eu e Valentim a chamamos — Ela era a minha mãezinha. Quanta saudade!Falo todos os dias com eles, tirando a minha mãe, não nos falamos mais e honestamente não sinto falta alguma de ser humilhada. Sei que ela está muito bem e parece que está com namorado novo. Meu pai nem toca no assunto, mas ainda sinto que ele gosta dela, infelizmente.Valentim está planejando vir para cá no próximo mês. Ele não gostou do novo namorado dela e vivem discutindo. Ele desconfia que ela j&a
Data:10/04Sabe, estou esperançosa que tudo dará certo. A escola em que vou estudar é ótima, o diretor me elogiou bastante. Tirando alguns comentários infelizes que o mesmo fez. Acredito que pela primeira vez, eu e meu pai estamos nos divertindo bastante, ou melhor, estamos nos conhecendo bastante.Estou morrendo de saudades do Valentim, Bia, Ana e Cisa, Como fazem falta.Daqui a dois dias irei começar a estudar. Estou surtando muito!Já faz uma semana, diário, que eu não me machuco e como eu estou feliz, até orgulhosa. Estou conseguindo ser eu mesma. Tirando a parte que não consigo ficar muito tempo na rua. Algo em mim ativa, como se fosse uma “proteção” ou algo do tipo. Eu começo a suar