Capítulo Doze

As semanas foram se passando e as coisas viraram rotina. 

Duas vezes por semana eu a visitava para lhe dar aulas sobre seus dons e seu comportamento. 

Durante as primeiras aulas ainda estávamos de certa forma constrangidos um com os outro e eu me mantinha com a postura de um professor humano, gentil atencioso, porém frio e distante. 

Eu não queria isso, mas até que esse meu castigo fosse suspenso, se é que seria suspenso, não poderíamos ficar muito próximos. Isso me machucaria me machucava mais do que qualquer coisa, e sentia que ela tinha o mesmo sentimento. E isso é tudo que eu menos queria.

Ela aos poucos foi se distanciando de mim e apenas perguntando o conteúdo da aula. Olívia tinha muito dúvidas sobre como surgiu e por que ela era vidente. E isso pelo menos fazia com que há uma hora juntos passasse rápido, mesmo que eu quisesse que parasse o tempo e ficar com ela.

- Não se há uma razão exata de por que vocês surgiram. Deus apenas queria que o mundo ainda tivessem salvadores que pudessem ajudar os outros, e criou os especiais. Como profetas, leitores de pensamentos, telecinéticos, clarividentes e sensitivos. Claro que existem mais outros nomes e tipos de pessoas assim, mas isso não vem ao caso. – expliquei sentado na ponta mais distante da cama dela. 

Ela olhou para mim e assentiu. 

- E onde eu me encaixo nesses nomes? – ela perguntou séria. 

- Você é precognitiva. Você é capaz de ver o futuro através de sonhos e não flashes. Você também é capaz de sentir espíritos e ter a ciência dos pensamentos de pessoas ao seu redor. Estou certo? – perguntei a ela. 

- Sim. Isso ainda é novo para mim. Difícil de controlar. – ela respondeu com pesar. 

- Tenho dois exercícios para isso. Toda vez que você acordar, anote tudo que viu em seus sonhos. Tente se lembrar do máximo e depois durante o dia fique atenta aos acontecimentos em volta de você. Uma boa técnica para quem é sensitivo é meditar e se concentrar nos seres vivos ou mortos ao seu redor. E para pensamentos, eu diria que avaliar a pessoas, seus movimentos e tentar ler seus pensamentos facilita mais a cada dia. Quando ver já está conseguindo ler a pessoa sem realmente ler sua mente. – falei.

Ela sorriu.

- Isso é muito legal. Angélica vai adorar quando eu contar tudo isso. Você sabe que ela é capaz de sentir espíritos, né? – ela indagou. 

- Sim. Só que tenha em mente, que você não pode ficar espalhando por aí que você é especial. E principalmente que seu dever é ajudar as pessoas. Não praticar o mal nem nada parecido. Compreende? – murmurei. 

- Não me trate como uma criança de cinco anos. Sei qual é meu papel. – ela disse meio irritada. Ela tendia a mudar de humor tão rápido que eu até mesmo ficava assustado. 

- Ótimo. – olhei pela janela e calculei o tempo. Deviam ser umas oito e quarenta. – Você precisa de alguma ajuda em relação ao Tyler? 

Ela olhou para mim fria. 

- Não. Você já me explicou tudo que você poderia sobre ele. Agora é por minha conta. – ela disse sorrindo e não entendi a ironia, mas deixei para lá. 

- Bem, se é só isso vou indo. – levantei e dei a ela as costas. 

Quando ia me tornar espírito novamente, escutei sua voz me chamando.

- Melahel? – ela disse timidamente. 

- Sim? – virei e encarei-a. 

Ela pareceu hesitar, e invés de dizer algo se aproximou e me deu um rápido beijo na bochecha. Fiquei surpreso, mas tentei não demonstrar nada. Voltei a ser espírito e sai de seu quarto com a mente cheia de dor. 

O tempo foi passando e ao final de seis semanas ela praticamente já conseguia ler claramente as pessoas e suas visões vinham mais frequentemente. Ela tinha se superado muito na questão tristeza e quase toda vez que eu chegava ela estava sorrindo e disposta a absorver mais de nossas aulas.

Sua alto estima estava lá em cima e ela estava cheia de vida. E eu estava cada vez mais no fundo do poço. Vivia desanimado e não queria conversar quando estava no Céu, que era lá que eu vivia pelo menos cinco dias da semana vinte e quatro horas. 

Eu já estava ficando transtornado de ficar ali o tempo inteiro, quando o que eu queria estava lá embaixo sei lá fazendo o que e com quem. Eu havia notado minha protegida diferente nos últimos dias, e não querendo me intrometer em sua vida, não perguntei.

Porém, no dia em que completou dois meses que estávamos tendo aulas, cheguei a sua casa espiritualmente, e surpreendentemente Olívia não estava em seu quarto. E ela sempre estava quando eu chegava. Ainda espírito, atravessei todos os cômodos, e sua mãe e seu irmão não estavam, muito menos o padrasto. 

Cheguei à sala e ela estava conversando ao telefone com alguém. Suas bochechas estavam rosadas e ela sorria o tempo inteiro. Por eu ainda não estar meio visível ela não me sentiu. 

E decidi escutar o conteúdo da conversa. 

- Oh, Tyler, eu também amo você. Sabe que não existe mais ninguém. – ela disse. 

Tyler? 

A raiva dominou meu sistema nervoso e fumaça saiu de meus ouvidos como em desenhos animados. Por que ela estava dizendo que amava Tyler? O que estava acontecendo que eu não sabia? 

- Sim, hoje faz um mês que estamos juntos. Como quer comemorar? – ela perguntou debilmente em uma voz amorosa. 

Um mês juntos? 

Meu coração afundou. Enquanto eu estava triste e me martirizando lá no Céu sempre contando as horas para ver ela, e aquela garota estava nos braços de outro fazia um mês já e eu não sabia. 

O ódio tomou conta de meu peito. Não raiva dela, mas raiva minha por der deixado isso acontecer sem que eu percebesse. Sei que era direito dela viver feliz com outro, mas eu a amava.

Sim, eu a amava com todo meu coração e cada pedaço de minha existência. Soube disso no momento em que a conheci, ressonando sob um travesseiro rosa e uma noite clara. E eu lutei cada segundo, mesmo entre flashes de loucuras e surtos de comportamentos, eu a amava. Meu estado depressivo era mais do que compreensivo. E o pior de tudo, eu não sabia lidar com aquilo. Não tinha ideia de como lidar tão com sentimentos tão humanos. 

Só que então me dei conta de que ela não sabia. Eu poderia ter beijado ela, mas eu havia rejeitado-a. O único fio de amor que nos unia, e que durou apenas segundos, tinha se quebrado no dia em que falei que iria ficar afastado dela.

Mesmo sabendo que a culpa era toda minha decidi que ela me devia explicações. Sim, imaturo, era justificável. Eu havia gastado várias horas explicando para ela como manter afastada a mente de dores humanas, mesmo que eu tivesse sendo torturado isso por todos os dias eu ainda a ensinava.

Tomando forma sólida, cruzei os braços e dessa vez eu estava vestido de blusa social branca, calça jeans azul e sapato fechado. Ela olhou para mim e quase derrubou o telefone. 

Seus olhos estavam arregalados e ela sabia muito bem que eu tinha escutado a conversa. 

- Tyler, preciso desligar. Mais tarde falo com você. – ela disse e jogou o telefone no sofá. – Já é hora de nossa aula? – ela perguntou como se nada estivesse acontecendo. 

- Tyler? E há um mês? – perguntei sugestivamente. 

- Eu não precisava contar isso a você. Isso faz parte de minha vida pessoal. Que eu saiba você é meu anjo e tutor. Não pai nem namorado. – ela disse cruzando os braços também.

A raiva me preencheu ainda mais. Como ela poderia falar assim comigo depois de tudo que eu fiz?

- Achei que entre anjos e protegidos não haviam segredos. – murmurei frio. 

Ela se levantou e postou na minha frente para me encarar. Olívia era pequena de um metro e sessenta e eu com um e noventa. Eram grandes trinta centímetros nos separando. Sem falar que meu peito e braços definidos me deixavam maior. 

- Não é segredo, você só não sabe por que não quer! – ela gritou. – Alias, por que não se interessa por mim!

- Como? – falei chocado. 

- Não vou repetir. Estou com o Tyler, ele é tudo que eu quero e você saia do meu caminho por que não te devo satisfações! – ela disse alto.

Olívia tentou passar por mim, mas peguei seu braço. Ela girou e seus olhos dourados trouxeram raiva. 

- Você me deve sim satisfações. Não vou ser feito de bobo. Depois de ter te ensinado tudo aquilo você vem e ainda namora aquele garoto? – falei, exaltado. Ela realmente me tirava do sério.

- Quem se importa?  Você nunca me deu chance. Sempre foi frio e não tentou se aproximar de mim. Pois bem, a fila anda. – ela disse.

- Sou seu anjo. Não posso me relacionar com você. – falei. 

Ela me empurrou e saiu para o quarto. 

- Me escuta, Olívia! Mesmo querendo, não posso ficar com você! Não pelo menos agora. – segui seus passos e encontrei-a deitada. 

Eu não entendia se ela estava dizendo que me amava e só estava fazendo tudo isso para me dar raiva ou se ela realmente não se importava com nada. 

- Então se é isso, vai embora. – ela disse. 

- Por que está dizendo isso? Por que está se comportando dessa forma? – perguntei, confuso. – Eu não sei lidar com emoções. Não fui feito para isso. 

- Vá embora, Melahel. – ela me pediu não olhando em meus olhos. 

- Ok, se assim que você quer. – falei e me tornei invisível.

Sai de sua casa e fui para voar para o Céu até dar meu horário de estar de volta. 

Enquanto rodopiava pelo Céu, meus pensamentos estavam todos embaralhados e eu não entedia por que discutimos daquele jeito. 

Entendi que eu ficara com raiva por que ela tinha me escondido isso, ou pelo menos não me contado, porém a raiva dela é que eu não entendia. Ela só me mandou embora por que eu havia dito que não poderíamos ficar juntos. 

E isso era verdade. Eu a amava, e no começo eu tentara me afastar, fazer o que era certo, mesmo sendo contra o que eu sentia. E só por isso olha minha situação agora. Eu estava em penitência e não poderia vê-la todos os dias. 

Mas, então algo fez minha mente acordar. Seus olhos quando disseram aquilo trouxeram dor. Como se ela também sentisse dor por não estar comigo do jeito que eu também a queria. 

Sorrindo entendi que ela tinha sentido raiva por que eu não via que ela me queria do mesmo jeito que eu a queria. Deus, como fui cego!

 Essa história de Tyler deveria algum tipo de provocação, um deboche a minha frieza diante de um provável sentimento dela. Eu sempre fui alheio a sentimentos dos outros, mal sabia decifrar os meus, que dirá perceber que ela estava tentando me provocar ciúmes, por que talvez gostasse de mim do mesmo jeito que eu gostava dela. E provavelmente nem conseguia falar comigo sobre isso. O que nem eu também conseguia dizer. 

Voltando para minha casa, pensei que sexta seria melhor do que pensei, por que era o dia que eu tiraria a prova se ela me queria ou não. Sinais mostravam que sim... Mas, seria verdade? 

Mesmo indo contra tudo que eu acreditava, eu precisava saber. 

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