No banco do passageiro, Rafael ouvia os gritos desesperados misturados ao choro de Gabriel e não conseguiu evitar uma expressão de desaprovação. Franziu a testa e suspirou em silêncio.“Se soubesse que ia chegar a esse ponto, por que fez o que fez lá atrás...Dias atrás, ele já tinha alertado Gabriel: “Enfrente o que sente, antes que seja tarde.”Mas naquela época, ele respondeu com arrogância, convicto de que nunca se arrependeria.Na família Pereira, não adiantava o quanto o neto implorasse, chorasse ou gritasse.Dessa vez, o Sr. Henrique estava irredutível.Qualquer resquício de boa vontade que ainda pudesse ter sentido... Evaporou por completo. Sem um pingo de hesitação, desligou a ligação na cara do neto e ainda disparou uma última frase, seca como uma lâmina:— Você não é digno da Bia.No banco de trás do carro, Gabriel tentou ligar de novo. Uma, duas, três vezes. Mas o avô não atendia mais.Foi nesse instante que ele quebrou por dentro. Seu coração, já em frangalhos, se despedaç
Daniel virou o rosto discretamente e a observou de perfil.Beatriz estava maquiada de forma leve. Os lábios tingidos de um vermelho suave nada chamativo, deixavam seu visual ainda mais limpo, fresco e elegante.Havia algo nela que transmitia uma beleza serena, quase etérea.— Nada de “estranha”, pelo contrário... Você está lindíssima. — Disse Daniel, sem economizar nos elogios. — Na época da faculdade, você já era a garota mais bonita do curso. E ainda por cima, inteligente. Tinha tanto pretendente que dava pra dar a volta na Cidade A umas três vezes. — Comentou ele, sorrindo.— Ah, Daniel... Para com isso. — Respondeu Beatriz, um pouco sem graça.Ela ficou visivelmente envergonhada, o que só arrancou um sorriso divertido de Daniel.Aquela timidez natural... O jeito dela não havia mudado nada. Era como voltar no tempo, aos dias da universidade.Ele chegou a pensar em perguntar se ela estava namorando...Mas ponderou por um instante, eles tinham acabado de se reencontrar, e jogar essa p
Na mesma hora, todos na sala entenderam o recado por trás da fala de Daniel.Um dos entrevistadores se adiantou com um sorriso diplomático:— A Srta. Beatriz tem uma base técnica muito sólida, além de já ter liderado equipes em várias competições universitárias. Acredito que seria uma excelente candidata ao cargo de diretora de design.Beatriz ouviu com atenção e apertou levemente os lábios. Depois, virou o rosto na direção de Daniel e disse com firmeza:— Desculpa, mas acho que meu nível ainda não é suficiente para isso. Ficaria muito grata se pudesse começar como designer da equipe. Um cargo normal já está ótimo.A sala ficou em silêncio por um segundo. Os entrevistadores se entreolharam, claramente surpresos com a recusa.— Agradeço muito o voto de confiança de vocês. — Continuou Beatriz, com um sorriso calmo. — Mas as competições na universidade eram em grupo. O responsável principal era o próprio Sr. Daniel. Eu só atuava como apoio, então não posso me apropriar de méritos que não
A verdade é que… Gabriel estava completamente perdido.Do lado do Sr. Henrique, ainda existia a possibilidade de contato com a Sra. Beatriz mas, para Gabriel, esse acesso estava totalmente bloqueado.Naquela mesma manhã, um dos gerentes foi até a sala da presidência com uma proposta de planejamento de produto.Mas bastaram poucas palavras para perceber: Gabriel não estava nem um pouco presente.Os olhos vermelhos, a expressão vazia, o silêncio... Deixavam claro que ele não tinha condições de lidar com nada naquele momento.O gerente suspirou e preferiu se retirar discretamente.— Rafael, você sabe o que está acontecendo com o Sr. Gabriel? — Perguntou, ao passar pelo escritório dos assistentes.— Ah... tá com o coração partido. — Rafael respondeu sem pensar, levantando os olhos do computador.Mas assim que as palavras saíram da boca, ele franziu a testa.“Espera... Coração partido? Eles eram casados, não namorados.”Então corrigiu mentalmente:“Na real... É dor de divórcio mesmo. Pior a
No dia em que Beatriz Silva decidiu pedir o divórcio, duas coisas aconteceram.A primeira: a mulher que sempre foi o amor idealizado de Gabriel Pereira, o famoso amor da vida dele, havia retornado ao Brasil.Para recebê-la, ele não mediu esforços, gastou milhões mandando fabricar um iate exclusivo, personalizado nos mínimos detalhes, onde passaram dois dias e duas noites entregues à pura indulgência.Os jornais e sites de fofoca não falavam de outra coisa. Para todos, a reconciliação entre Gabriel e sua antiga paixão parecia só uma questão de tempo.A segunda coisa: Beatriz aceitou o convite do seu antigo colega de faculdade para voltar à empresa que haviam criado juntos, desta vez como diretora.Em um mês, ela iria embora.Claro... Ninguém se importava com o que ela fazia ou deixava de fazer.Na cabeça de Gabriel, ela não passava de uma empregada de luxo que havia entrado na família Pereira por conveniência.Ela não comentou nada com ninguém.Silenciosamente, foi apagando todos os ves
Gabriel saiu apressado, carregando Vitória nos braços.Ao passar pela porta, esbarrou no ombro de Beatriz.O impacto a desequilibrou. Ela cambaleou, precisando se apoiar no batente da porta.A dor intensa que subia do dorso do pé pela perna fez com que ela apertasse o batente com força, lutando para se manter de pé.Dentro do salão, todos os olhares recaíram sobre ela.Olhares carregados de desprezo, sarcasmo, deboche.Mas Beatriz… Já não se importava mais.Com esforço, virou-se devagar, apoiando-se na parede fria, e seguiu seu caminho, passo a passo, sentindo a dor latejante a cada movimento.Quando chegou ao pronto-socorro, uma enfermeira veio rapidamente ao seu encontro, visivelmente preocupada.Assim que viu o estado do pé de Beatriz, prendeu a respiração, assustada:— Meu Deus! Como você se queimou desse jeito?! — Exclamou, chocada.As bolhas eram enormes, inflamadas.A maior parecia quase do tamanho de um pão francês, e outras menores se espalhavam feito pequenas pérolas brilhant
Gabriel hesitou por um segundo, apertou os lábios, olhou para Vitória… Mas, no fim, não disse nada.Beatriz ouviu o diálogo entre os dois e não conseguiu evitar um sorriso amargo, carregado de ironia.Ela era a esposa de Gabriel, no papel.Mas, naquele momento, a sensação era nítida: os verdadeiros marido e mulher eram eles… E ela era apenas a intrusa, a amante inconveniente.Gabriel caminhava à frente, Vitória ao lado dele, como se fossem um casal perfeito saído de um comercial.E, mesmo que Beatriz tentasse ignorar toda a falsidade de Vitória, a boazinha não perdia uma chance de manter seu teatrinho:— Bia, deve estar doendo muito… Me desculpa. Na hora, o Gabi só pensou na minha carreira, por isso me trouxe primeiro ao hospital. Não fica brava com ele, tá? — Disse Vitória, num tom doce e caridoso, olhando para ela como se estivesse pedindo desculpas sinceras.Beatriz sorriu de canto, amarga, e respondeu com calma:— Eu não estou brava. Afinal… Na cabeça dele, você sempre vem em prime
Quando Beatriz finalmente chegou em casa, já passava das onze da noite.A casa estava silenciosa, mergulhada na escuridão.Beatriz não deixou nenhuma luz acesa na sala.Afinal, era quase certo que Gabriel estaria por aí, provavelmente nos braços de Vitória, aproveitando a noite em algum lugar. Voltar para casa? Isso era pouco provável.Apoiando-se nas paredes, sentindo o corpo inteiro latejar de dor, Beatriz pegou a caixa de primeiros socorros.Caminhou devagar até seu pequeno quarto.Dois anos de casamento.Na prática, um casamento de fachada.Gabriel sempre manteve distância, fiel apenas ao seu verdadeiro amor.Nunca deixou que ela sequer se aproximasse da suíte principal.“Ainda bem”, pensou Beatriz, com amargura.Só de imaginar ser tocada por ele agora… Sentia náusea.Com dificuldade, desinfetou o cotovelo ferido e o dorso do pé, inchado e dolorido.Nem teve forças para guardar a caixa de primeiros socorros.Deixou-a sobre o criado-mudo, prometendo a si mesma arrumar tudo pela ma