11 de Fevereiro
Tinha algo naquelas férias,—talvez um misto de aborrecimento com tensão, risadas, diversão, choros e com tristezas—que fez com que fossem contra todas minhas expectativas.
Eu estava à um dia do início das aulas, com o uniforme limpo, novo e engomado, com o cabelo organizado, material escolar novo, talvez com o psicológico minimamente preparado para tudo oque vinha pela frente, só me faltava uma coisa: coragem e vontade para sair de casa.
Naquele exacto dia eu completaria 4 meses, uma semana e um dia de gravidez. Seria chocante demais dizer que eu tinha começado a me familiarizar com tudo aquilo? Pois era isso que eu sentia. Estava no processo de aceitação e sem que eu mesma percebesse, fui criando uma relação
Segunda-feiraAquela gravidez me fazia pensar que eu era um cágado na vida anterior, pela forma tão lenta que eu funcionava. Estava de frente para o espelho, com os cotovelos doloridos porque tentava fazer um rabo de cavalo bonito havia aproximadamente 10 minutos. Ou saía de lado, ou de frente; ora saía de trás, ora da ponta, mas nunca do meio da cabeça. Se isso responde a uma possível pergunta: não, eu não consegui fazer um rabo de cavalo e estava quase atrasada.— Ah! — choraminguei e atirei o elástico para o chão com a pouca força que me restava.Ao olhar para o espelho, me deparei com uma Evie diferente. Ignorei o facto das mechas estarem a cobrir quase toda minha cara e me encantei com a minha organização. Não me via daquela forma desde a semana de avaliações finais.O cheiro de novo que meu uniforme exalava, se misturava com meu novo perfume com aroma de caramelo
5 de Março, Terça-feiraOs dias, como sempre, passavam na mesmíssima rotina. Nada digno de entusiasmo, excepto pelo facto do meu amor pelo feto só aumentar. Já não era algo tão novo, me perdia em situações que nunca me imaginei inserida. Estranhas, tão engraçadas quanto adoráveis.Por um lado aquilo era bom. Meus amigos e minha mãe ficavam mais aliviados por saber que a minha gravidez não era mais um peso para mim. Mas por outro, aquilo preocupava minha mãe. Preocupava porque eu já não me importava tanto em esconder.Acreditava que se não fosse pelas viagens frequentes que meu pai fazia, já estaria envolvida nas tristes consequências dos meus atos.Alguns dos meus colegas notaram a minha estranheza e se atreveram a perguntar oque acontecia, mas eu não dava nem um sim e nem um não. Apenas distribuía "talv
Do lado de fora da sala de desenho, o desespero me fazia saltitar e fazer coisas estúpidas somente para ter a atenção de Cleyton, que precisou que uma colega o cutucasse para que me notasse.— Peça para sair, é urgente. — movimentava meus lábios com vagar e exagero para que ele os lêsse facilmente.Me encarou meio despercebido e depois passou a alternar seu olhar de mim ao quadro enquanto acenava para que eu saísse dali. Bem, meu nome é Evie Lerda Paruque.— Estamos em aulas, quer oque?— surgiu na porta um homem de cabelos pretos, brancos e crespos, óculos de grau, baixo e dono de uma postura impecável.— Boa tarde, professor. Desculpa interromper, mas posso falar com Cleyton? É urgente. — juntei as mãos e afinei o tom de voz para tentar comovê-lo com meu pedido.— Estamos em aulas! —tentou fechar a porta na minha cara mas meu pé impediu e tive que optar pela "desculpa vergonhosa".
Depois do banho, passei loção pelo corpo e desodorante nas axilas. Para absorver a fonte da minha angústia, coloquei absorvente e escolhi um vestido amarelo, largo, comprido e de tecido fino para que me sentisse confortável. Por fim calcei as pantufas da minha mãe e fui para a cozinha em busca de algo para comer.Um prazer que eu sentia em estar limpa, era cheirar a sabonete de flores com loção de laranja e óleo de abacate. Pelo menos aquele cheiro não me dava náuseas, muito pelo contrário, me fazia querer juntar tudo num prato e comer.Arrastei as pantufas pelo chão da cozinha até estar de frente para o fogão, tinha só uma panela que abri e tinha batatas, ovos, cenouras, cebola, couve, feijão verde e repolho. Tudo cozido. Me preocupei em temperar tudo aquilo e comer, mas quando estava para colocar as mãos na massa, meu telefone tocou.Me apressei em voltar para o quarto e assim que coloquei as mãos no aparelho, vi que era uma
Narro esta história de um tempo meio distante, mas ainda me pego em pensamentos desesperados na busca pelo exacto momento em que tudo começou a sair dos eixos. Num dado momento, pareceu que formou-se um tornado com um simples estalar do dedos, se aproximou da minha vida e eu nem vi. Devia estar ocupada demais com minha meninice que se perderia no meu passado em pouco tempo. Desarrumou tudo e como é sabido, um tornado leva sempre algo consigo.Os comentários maus e os olhares tortos aumentaram e se expandiram. Eu não era condenada e gozada somente na escola. Diziam-me que em rodas de senhoras, em alguns salões da zona e até no hospital no qual minha mãe trabalhava, eu e minha mãe eramos o motivo de comentários ofensivos. Algumas vinham deitar suas opiniões na minha cara, com repúdio, sem ao menos se importar com oque aquilo me faria sentir. Nunca desejei tanto me livrar da minha gravidez como naqueles dias.Buma das deprimentes manhãs, minha mãe entrou no meu q
Na cozinha, eu e minha mãe comíamos e estávamos prontas. Ambas vestiamos vestidos largos e sandálias. O cheiro que pairava era mais de loção do que de ovo e hambúrguer. Era tudo oque eu precisava, mas não devia comer.— Quando é que pai volta? — perguntei antes de dar uma mordida no pão, oque fez com que eu estreitasse os olhos.— Disse que não sabe, ainda. Provavelmente dentro desta semana. — deu o último gole de seu chá e se levantou com a chávena na mão — Embrulha isso num guardanapo e coloca sumo do bebedor. Já estamos atrasadas.Deixou oque tinha em mãos sobre o batente e saiu da cozinha enquanto perguntava:— Onde está teu cartão? — Na tua bolsa. — respondi e terminei de comer tudo oque devia e podia.Me levantei com cuidado e arrumei tudo oque estava por cima da mesa. A dor ainda era intensa, mas me tinha acostumado. Lavei as mãos e uma pontada forte fez com que
Fui ganhando a consciência na mesma lentidão com a qual respirava. Me custava abrir os olhos e um distante conflito vocal soava, antes mesmo que pudesse abrir os olhos, uma pontada no estômago se fez sentir de leve e foi acompanhada por uma dor intensa no mesmíssimo lugar de antes.Eu alternava a atenção da dor ao misto de vozes no lugar que não exigiu muito para além de minha visão para perceber que estavamos no carro da minha mãe.— Com quanto tempo ela está? — não soube identificar de quem era a voz.— Isso não importa, agora. O sangue não para de sair e a única coisa que me preocupa é a saúde da minha filha e do seu bebé. — minha mãe me acariciava a cabeça enquanto pressionava uma toalha contra minha testa.Parecia exausta e preocupada ao mesmo tempo, seus gestos eram desesperados como se me quisesse livrar da dor com oque fazia. A dor era imensa que me impossibilitava de abrir os olhos como devia, as pontas dos meus dedos
O teto branco era a única coisa para a qual eu sentia vontade de olhar. Ignorava a fome que sentia como se nada fosse e passava meus dentes pela camada seca que cobria meu lábio inferior. Não me importava em mover qualquer que fosse o músculo do meu corpo, pois passei a me sentir morta.O medidor de tensão fazia o fundo para a minha expressão de sentimentos: o puro e mais denso dos silêncios.Ouvi a porta ser aberta e não me preocupei em saber quem era, apenas engoli um gole azedo e adesivo de saliva quando meu pai limpou sua garganta.— Boa noite, como estás? — me virei e encarei o dono da voz, já com lágrimas nos olhos.Abri a boca e fechei várias vezes, não sabia onde achar coragem para ter aquela conversa com meu pai. Sabia que ele estava decepcionado comigo, mas também sabia que ele estava igualmente preocupado.— Estou péssima. — puxei o ar como se minha fala fosse recarregada pelo ato e direcionei meu olhar enverg