Abri os olhos, repentinamente desperta, e encarei o teto do quarto. A noite passada parecia um sonho distante e confuso. Mais uma vez jurei que jamais voltaria para uma festa daquele tipo em toda a minha vida.
Me sentei, ainda me sentindo um pouco mau humorada, e observei Sam dormindo no colchão no chão, de boca aberta e barriga para baixo. Como é que aquele babaca sempre me convencia a ir naqueles locais que eu odiava?
Taquei um travesseiro na cara dele com força.
- O quê? – ele gritou, desperto e assustado.
- Isso é por me arrastar outra vez para lugares que eu não queria estar. – reclamei jogando as pernas para fora da cama.
- Ah, Sarah, para com isso. – ele se ajeitou no colchão, sentando para me ver melhor – Não foi tão ruim assim.
- Foi horrível. – gemi e me joguei no colchão com ele.
- Foi só uma noite. – ele me puxou para perto e apoiei a cabeça em seu peito – E daí que você foi um pouco rude com um estranho, e depois esse estranho derrubou bebida em você e te deu um beijo? As pessoas agem estranho mesmo.
- É, acho que sim. – me aninhei ao seu corpo.
Por um tempo ele apenas passou a mão pelo meu cabelo, então comecei a ficar sonolenta de novo.
- Não volte a dormir. – Sam me deu uma leve sacudida – Pelo menos não em mim. – riu.
- Certo. – me levantei novamente, dessa vez saindo completamente do colchão – Seus pais não iriam gostar se nos pegassem assim.
Sam e eu éramos amigos desde pequenos, melhor amigos devo dizer. E sempre foi apenas isso, para os dois. Não havia silêncios estranhos, ciúmes de outras pessoas ou algum tipo de clima entre nós dois. Apenas amizade, mas nossos pais, apesar de não se incomodarem que dormíssemos no mesmo quarto, certamente não gostariam que dividíssemos a cama. Como se, se quiséssemos mesmo, não faríamos nada se respeitássemos essa regra.
- O que quer fazer nesse domingo? – Sam também se levantou, espreguiçando os braços.
- Primeiro, comer. – respondi rapidamente.
Descemos a escada até o andar de baixo, que estava completamente silencioso, e encontramos a mesa da cozinha com várias coisas, inclusive um bilhete dos pais de Sam dizendo que passariam o dia fora.
- Não sei porque acrescentam “juízo” e “abraços para a Sarah” na mesma frase. – ele coçou o queixo.
- Porque acham que somos dois jovens cheios de hormônios. – respondi com um sorriso sarcástico.
- Isso é quase incestuoso. – ele largou o papel em cima da mesa de novo.
Nos sentamos e apenas comemos em silêncio por um tempo, e com isso minha mente vagou para a noite passada novamente, mas para um momento diferente do meu constrangimento. Os lábios de Muriel nos meus, surpreendentemente macios e frios com o líquido que ele estava bebendo, o mesmo que acabou na minha roupa.
Não era uma abordagem que eu gostava muito, afinal eu estava mais acostumada com conversar com a pessoa, saber mais sobre ela, antes de se tornar algo mais físico. Não que eu tivesse tanta experiencia, afinal os dois namoros que eu tive foram muito superficiais e rápidos. Não dava nem para classificar como namoros, talvez namoricos fosse um termo mais realista.
- Quer ficar por aqui ou dar uma volta? – Sam perguntou de repente, me trazendo de volta para o presente.
- As duas coisas, eu acho. Por que não aproveitamos a casa, já que vai ficar vazia? – sugeri.
- Isso seria ótimo. – Sam se animou rapidamente – Filmes?
- Isso! – me levantei também, animada.
Nós nos deitamos nos imensos sofás que havia na casa dele e assistimos vários filmes seguidos, rindo e falando o tempo todo. Não era atoa que frequentemente assistíamos os filmes várias vezes.
Comemos alguns baldes de pipoca, e depois de um tempo, Sam, que estava deitado no meu colo, resolveu que precisávamos de alguma sobremesa depois de um almoço tão completo.
- Sorvete. – ele decretou se sentando e procurando os tênis.
- Vou trocar de roupa no seu quarto.
Voltei até o quarto dele abri o guarda-roupa sem cerimônia. Eu sempre tinha várias roupas na casa de Sam, era quase como se eu morasse ali também, mas sempre roubava algumas camisetas dele no processo.
- Bela camiseta. – ele comentou sarcasticamente quando desci as escadas com sua camiseta preta.
- É, eu tenho bom gosto. – sorri.
- É, você tem. – ele balançou a cabeça sorrindo, quase como se pensasse que eu não tenho jeito.
Sempre pegávamos no pé um do outro, como brincadeira. Sam nunca se incomodou que eu usasse as suas coisas, desde pequenos, e eu também não me importava quando ele mexia nas coisas do meu quarto.
Havia uma sorveteria perto da casa, então fomos andando tranquilamente, conversando sobre assuntos aleatórios. Fazia um dia muito bonito, ensolarado, sem nenhuma nuvem no céu azul. Também não estava muito calor, e uma brisa suave refrescava minha pele.
A sorveteria não estava muito cheia, então pudemos escolher uma mesa ao lado da janela, perto da porta de entrada.
- Milkshake de morango? – Sam perguntou, sem nem sentar.
- Isso. – confirmei.
Instantes depois ele trouxe nossos pedidos. O dele era de chocolate, como sempre. Sam adorava tudo que tinha chocolate. Bolo, torta, bolacha...
- Está mais calma sobre ontem à noite? – me perguntou mexendo o canudo de um lado para o outro.
- Sim. – respondi dando de ombros – Já foi mesmo.
- Ótimo. – sorriu abertamente.
- Mas não vou mais em nenhuma festa. – retruquei irritada.
- Ah, Sarah... – ele reclamou jogando a cabeça para trás – Seja normal.
- Eu sou normal. – bebi mais um pouco da minha taça – Você não precisa de mim lá, Sam. Vi como estava arrasando. – sorri.
- Engraçadinha. – seu sorriso desapareceu na mesma hora – Vou até o banheiro.
Ri comigo mesma enquanto ele se afastava. Sam nunca agia normalmente em locais como a noite anterior, sempre parecia uma caricatura dele mesmo, e isso, com certeza, não era nada atraente.
- Oi. – de repente alguém arrastou a cadeira onde meu amigo estava sentado instantes antes.
Ergui os olhos e me surpreendi ao ver Muriel ali, parecendo levemente desconcertado.
- Oi. – respondi um segundo depois.
Nós nos encaramos, depois ele desviou o olhar para suas mãos que estavam apoiadas nas pernas. Parecia meio tímido, ou sem graça, e acabei me lembrando que tínhamos nos beijado e meu rosto começou a esquentar.
- Bom, eu só queria saber se você gostaria de fazer algo comigo. – Muriel jogou as palavras de uma vez, como se pudesse perder a coragem de dizê-las se falasse em velocidade normal.
- O quê? – me espantei.
- É, alguma coisa. Não sei. – ele olhava para os lados – Comer alguma coisa, uma volta...
- Por quê? – perguntei, incapaz de me conter.
- Por que o quê? – finalmente ele me encarou.
- Por que quer fazer alguma coisa comigo? – olhei ao redor, esperando que alguém estivesse nos observando, mas as poucas pessoas ao redor pareciam concentradas em si mesmas.
- Você parece legal e começamos da forma errada ontem. – as palavras eram desajeitadas, mas não havia nada de muito errado por trás.
- Não sei. – hesitei, olhando para a porta do banheiro masculino.
- Me passa seu celular, pelo menos? – ele tentou sorrir, mas parecia tenso demais para soar natural.
- Tá, tudo bem. – respondi depois de alguns segundos. Que mal teria?
- Te vejo depois. – Muriel se levantou assim que anotou meu número.
O observei saindo apressadamente pela porta da sorveteria, ainda com a cabeça meio em pane por ele ter me chamado para sair. De todas as garotas possíveis....
- Aconteceu alguma coisa? – Sam surgiu ao lado de mesa, esfregando as mãos na calça jeans.
- Você não vai acreditar... – respondi me levantando.
- Você vai aceitar sair com ele? – Sam perguntou, deitado na minha cama e com as pernas para o alto, apoiadas na parede. - Não sei. – respondi abrindo meu guarda roupa e observando minhas roupas – Acha que eu devo? - Não sei. Ele era atraente? – ele começou a jogar uma bola de tênis contra a parede. - Para dizer a verdade, era sim. – respondi pensando em seus olhos escuros, na maciez dos lábios. Sam se sentou e me observou empurrar os cabides de um lado para o outro mecanica
- Pensei que estava num encontro. – Sam abriu a porta da casa usando apenas uma calça de moletom. - Está acompanhado? – perguntei olhando através dele. - Não, mas você não deveria? – insistiu. - Sei lá. – respondi passando por baixo do seu braço. - O que aconteceu? – Sam me seguiu, muito sério e preocupado – O que ele fez? Me joguei no sofá da
Enquanto eu estava suada, ajeitando algumas caixas que estavam fora do lugar nos meus últimos dez minutos, meu celular apitou. Retirei ele do bolso e constatei que Muriel havia me mandando uma mensagem. “Oi. Como você está?” Sério? Só isso? Revirei os olhos e terminei o que estava fazendo. “Só queria dizer que adorei nosso encontro ontem.” Sentei numa cadeira e fiquei encarando a tela. Será que eu deveria responder?&n
O dia seguinte passou incrivelmente devagar, mas sem clientes excessivamente chatos para acabar com clima do trabalho. Eu estava ansiosa por saber que encontraria Muriel, e minha mente teimava em se afastar da realidade o tempo todo. Onde iriamos? Será que dessa vez acabaria sem um clima estranho? Passaríamos mais tempo nos beijando do que da outra vez? Isso me dava um frio na barriga... Quando finalmente fui para casa, gastei um bom tempo no banho e depois ajeitando o cabelo e a roupa e, quando finalmente fiquei pronta, meus pais estavam sentados na sala apenas esperando que eu aparecesse. - Você está linda, quer
- Acho que ele está jogando com você. – Sam disse depois que acabei de contar tudo que tinha acontecido. - Jogando como? E por quê? – insisti, deitada ao seu lado. - Sei lá, Sarah. Alguns caras são muito babacas. – seu tom era levemente hostil – Ele queria... você sabe, algo mais. - Sim. E eu disse não e ele parou. – concordei. - Isso não é nada além do mínimo, você sabe. – ele virou o ro
Sam apareceu apenas na quinta à noite, enquanto eu estava arrumando meu quarto bagunçado. - Resolveu aparecer? – perguntei, irritada, assim que ele passou pela porta. - Você não quer realmente brigar comigo, quer? – ele retrucou numa voz cansada. - Não. – me virei para olhá-lo – O que foi? - Nada. – negou rapidamente – Só cansaço. Andei até onde ele e
Assim que Muriel me deixou em casa, decidi ir até a casa de Sam, sem nem mesmo entrar na minha. Era um pouco tarde, mas como não havia trabalho ou faculdade no dia seguinte, não teria problema. Acelerei o passo nas ruas escuras e logo cheguei ao meu destino, sem cruzar com nenhuma outra pessoa durante todo o caminho, e só então percebi que não poderia simplesmente bater porque acordaria os pais dele. “Sam, estou na sua porta.” – enviei. “Sam, por favor.” – mandei dois minutos depois.&n
- Sarah? – escutei Sam me chamando, mas estava tão confortável que apenas afundei um pouco no colchão – Sarah? – ele insistiu tocando meu ombro. - O que é? – rolei para ficar de barriga para cima, mas cobri o rosto com o braço. O colchão se moveu e senti o corpo dele ao lado do meu. - Acorda. – falou no meu ouvido. - Já acordei. – reclamei – Mas é sábado e eu queria dormir até mais tarde.&n