Roman Ostrov O ar estava pesado, tão pesado quanto a responsabilidade que carregava nos ombros. O escritório parecia menor, sufocante, enquanto eu olhava para Donatella sentada à minha frente. Ela era um enigma que eu me recusava a resolver completamente, mas que me atraía como nada mais. Havia força nela, uma determinação que me fazia querer testá-la até o limite. Hoje, no entanto, o limite seria meu. Observei-a apertar a moeda entre os dedos como se fosse um talismã. Era isso que ela fazia. Agarrava algo pequeno, simbólico, e transformava em uma fortaleza contra tudo e todos. Mas dessa vez, nem mesmo a moeda a protegeria. — Você sabe por que está aqui. — Minha voz saiu firme, controlada, como sempre. Ela levantou o olhar para mim, aquele brilho desafiador em seus olhos que me irritava e fascinava ao mesmo tempo. — Imagino que seja mais uma das suas provas. — Disse ela, com amargura suficiente para tingir cada palavra. Inclinei-me ligeiramente, cruzando os braços sobre a
Donatella Romanova Segurei o bilhete em uma das mãos e o envelope com as fotos na outra. As palavras da minha mãe ainda ecoavam em minha mente: "Estou orgulhosa de você." Mas, agora, essas palavras pareciam zombar de mim diante das imagens que Roman havia jogado na minha cara. Minha mãe, morta em um necrotério, fria e pálida. Como isso podia ser real? E, mais importante, como essas duas verdades podiam coexistir? A confusão e o ódio fervilhavam dentro de mim enquanto eu caminhava até a casa de Victoria Volkova. Eu precisava de respostas. Victoria era meu único elo com minha mãe, a única que podia confirmar ou negar o que Roman havia dito. Ele afirmava que havia matado Anastacia com as próprias mãos. Mas e o bilhete? E o plano que Victoria garantira existir? Algo não fazia sentido. A mansão de Victoria era imponente e sombria, uma extensão da mulher que ela era. Toquei a campainha, meu corpo rígido, cada músculo tenso como uma corda prestes a arrebentar. Quando a porta se abriu, Vic
Donatella Romanova Caminhei pelo corredor da mansão, o som dos meus passos abafado pelo tapete espesso. Minhas mãos estavam fechadas em punhos ao lado do corpo, e o bilhete e as fotos ainda pesavam como chumbo na minha mente. Cada palavra, cada imagem era uma ferida aberta. Eu sentia o gosto metálico da raiva e do desgosto na boca. Não sabia exatamente o que esperava ao enfrentar Roman naquele momento, mas precisava de respostas, mesmo que elas me destruíssem. Parei em frente à porta do escritório. Ela estava entreaberta, e a luz cálida que escapava pelas frestas contrastava com o frio gélido da mansão. Inspirei profundamente antes de empurrá-la devagar, o rangido leve ecoando no silêncio. Roman estava lá, de costas para mim, ajustando os punhos de sua camisa branca impecável. A luz suave da luminária de mesa destacava cada linha de sua postura imponente. Ele estava sem o terno, as mangas dobradas até os cotovelos, revelando antebraços fortes. Sobre a mesa, papéis cuidadosament
Donatella Romanova O tempo no hospital parecia existir em uma dimensão diferente. Cada minuto era arrastado, cada hora um peso esmagador. Depois de quatro dias inconsciente, acordei com a sensação de que algo havia mudado para sempre. Não era apenas meu coração fraco, falhando sob a monitoração constante, mas também um vazio crescente, como se algo essencial dentro de mim estivesse se desfazendo. Os sons eram abafados, o bip constante da máquina parecia mais alto que o necessário, um lembrete cruel de que algo em mim estava quebrado. Mas nada, absolutamente nada, me consumia mais do que as palavras que Roman havia dito antes de eu apagar. "Você queria se casar comigo?" "Não, Donatella." Essas palavras ecoavam na minha mente como um sino fúnebre. Eu sabia que nosso casamento era um arranjo, uma aliança estratégica. Mas, em algum lugar, havia me permitido acreditar que poderia significar algo mais. Agora, parecia q
Donatella Romanova Os primeiros dias em casa após a alta do hospital foram um exercício de negação. Eu me recusava a admitir que meu corpo estava mais frágil do que nunca. Cada movimento parecia um lembrete de que algo dentro de mim estava quebrado, mas eu me agarrava à ideia de que a força não vinha apenas da saúde, e sim da determinação. A mansão estava mais silenciosa do que o habitual. Roman parecia ocupado com negócios que não compartilhava comigo, mas sua presença era constante. Ele não dizia nada, não pressionava, mas eu sentia seus olhos em mim. Observando. Avaliando. Naquela manhã, o céu estava cinzento, refletindo perfeitamente o que eu sentia. O som das gotas de chuva contra as janelas preenchia o vazio da casa. Caminhei até o escritório, pretendendo pegar um livro, mas ao passar pela porta entreaberta, ouvi sua voz. — Ela não está melhorando. — Roman falava ao telefone, sua voz baixa, mas carregada de preocupação. Meu coração apertou. Ele não mencionou meu nome,
Roman Ostrov O quarto estava mergulhado em penumbra quando acordei. O peso suave de Donatella contra meu peito era um lembrete do quanto as coisas haviam mudado. Ela estava ali, vulnerável e ao mesmo tempo cheia de uma força que tentava esconder de si mesma. Sua respiração era lenta e ritmada, um contraste com a agitação constante que pairava na minha mente. Não queria movê-la, mas o dia já havia começado, e com ele, minhas responsabilidades. Passei os dedos pelos cabelos dela antes de deslizar suavemente para fora da cama, cobrindo-a com o edredom. Ela murmurou algo em seu sono, e por um momento, pensei em ficar. Mas a realidade sempre chama, e o mundo que habitamos nunca dá espaço para momentos de tranquilidade duradoura. Na sala de reuniões, Dmitry estava à minha espera, como sempre, sua postura impecável e olhar atento. Ele tinha uma habilidade irritante de sempre parecer saber mais do que estava disposto a comparti
Roman Ostrov O consultório médico era sufocantemente silencioso, como se até o ar temesse perturbar o peso das palavras prestes a serem ditas. A iluminação fria destacava os detalhes meticulosos da sala: a mesa impecavelmente organizada, os instrumentos cirurgicamente alinhados. Mas o foco estava no médico à nossa frente. Ele ajustou os óculos com a calma de alguém acostumado a dar notícias difíceis, mas até mesmo essa postura treinada não escondia a gravidade em sua voz. — Senhor Ostrov... Precisamos explorar todas as possibilidades. — Ele fez uma pausa, como se tentasse encontrar uma forma mais branda de prosseguir. — Considerando a gravidade da situação e a falta de respostas, eu recomendaria a exumação do corpo de Mickail Romanov. Ao ouvir o nome de seu pai, Donatella ergueu os olhos lentamente. Sua expressão era neutra, mas eu podia ver o impacto daquelas palavras em seus lábios ligeiramente trêmulos. Ela mantinha as mãos entrelaçada
Donatella Romanova A noite estava mais fria que de costume, mas o calor do conhaque descia pela minha garganta como uma espécie de consolo. Não era a primeira taça, e eu sabia que não seria a última. O líquido âmbar parecia ser a única coisa capaz de silenciar os ecos constantes em minha mente — as dúvidas, as memórias. Sentada na poltrona da biblioteca, eu brincava com o copo em minhas mãos, observando as luzes fracas da sala refletirem na superfície do conhaque. Era reconfortante, familiar, e ao mesmo tempo, uma lembrança dolorosa. A voz de Roman me tirou do transe. Ele estava parado na soleira da porta, com uma jaqueta de couro preta e um jeans escuro. Para mim, era a própria personificação do diabo, tão sedutor e cruel na mesma medida. — Você tem bebido mais do que deveria. — Ele estava parado na porta, os braços cruzados, me observando com aquele olhar crítico que ele ostentava com destreza. Suspirei, levando o copo aos lábios novamente antes de responder. — Não sabia