|03| A reunião

Minhas mãos estavam suando demais, minha perna balançava involuntariamente e meus dentes mordiam a pele fina da minha boca perto do lábio inferior, evidenciando o meu nervosismo e a minha ansiedade que estavam nas alturas. Tudo isso porque eu estava na recepção do escritório do Oliver Evans há exatos 30 minutos, 15 segundos e contando. Cheguei no horário certo, mas, segundo a secretária dele, ele estava em reunião e precisou estender um pouco mais que o esperado.

Eu levantei e fui até o bebedouro, para tomar um pouco de água e acalmar os meus nervos. Assim que voltei ao meu lugar vi dois homens muito bem vestidos com ternos elegantes e aparentemente caros saindo da sala do escritor. Se aqueles forem meus concorrentes eu estou ferrada. Não que eu esteja mal vestida, mas não estou como aqueles homens, estou com uma calça de alfaiataria azul escuro, uma blusa branca social e sapatos com saltos pequenos. Espero que o Sr. Evans não se importe por eu não estar com uma roupa na altura daqueles caras, se elegância for um requisito minhas chances diminuem. 

Cacete! Fiquei ainda mais nervosa só por pensar nisso.

Me remexi no lugar sentindo a inquietação me consumir e só após alguns minutos a secretária me avisou que eu podia entrar que o senhor Evans estava me esperando. Meu coração gelou na hora, mas eu precisava me recompor, então ajeitei meu óculos no rosto, segurei firme a pasta que carregava, respirei fundo algumas vezes e segui em direção a sala dele.

Assim que cheguei em frente a porta, respirei fundo novamente, e após alguns segundos finalmente bati na madeira que me separava do homem que determinaria meu futuro na editora.

— Entre! — Ouvi uma voz masculina dizer.

Abri a porta com cuidado e entrei na sala dando de cara com dois homens, um estava sentado em uma cadeira atrás de uma mesa e o outro em pé ao seu lado.

— Boa tarde! — Falei ao entrar.

— Boa tarde! Jane Becker, suponho — o que estava em pé se pronunciou e eu confirmei. — Sou Heitor, nos falamos por telefone — me mostrou um belo sorriso e estendeu a mão para mim.

— Sim, claro — sorri de volta e apertei sua mão.

— Sente-se, por favor — indicou a cadeira em frente a mesa.

Quando comecei a caminhar olhei para o outro homem e vi que ele me olhava de cima a baixo, parecia analisar cada parte do meu corpo e foi aí que engoli em seco ao pensar que a elegância é mesmo um pré-requisito para ele, já que aquele que me olhava, ou melhor, que me fuzilava com os olhos, era Oliver Evans. Pesquisei tanto sobre ele que era impossível não o reconhecer no mesmo instante. 

Cabelos pretos bem penteados e lisos, óculos de grau com armação fina e lentes retangulares, camisa preta, um blazer escuro e uma feição séria e intimidadora estampada no rosto direcionada para mim.

É. É ele!

— Creio que já deva conhecer, mas para sermos formais — Heitor continuou assim que me aproximei mais. — Este é o escritor Oliver Evans — disse apontando com a mão para ele.

— É um prazer conhecê-lo pessoalmente, senhor — abri um sorriso antes de me sentar e estendi a mão para ele.

— De qual editora você é? — Foi a primeira coisa que ouvi de sua boca. Nada de cumprimentos, nada de simpatia ou educação. 

Recolhi minha mão e engoli em seco.

A expressão dele se manteve intacta. Ele continuava me encarando como se fosse perfurar a minha alma.

— Sou da editora Kbook, senhor — respondi a sua pergunta um tanto aflita. Aquela pose soberba que ele mantinha só piorava a minha situação. 

— Hum — recostou na cadeira e apoiou uma das mãos na mesa. — O que a traz aqui? — Perguntou sério.

Eu só preciso me concentrar e dar o meu melhor.

— Soubemos que está sem editora no momento e que pretende publicar mais um livro — iniciei tentando não deixar minha voz sair trêmula. — Vim lhe falar sobre a editora em que trabalho e externar o nosso desejo de tê-lo conosco. Será uma grande honra publicar seu novo livro.

Ele ouviu cada palavra atentamente e me olhava com a feição séria sem desviar seus olhos de mim. Parecia analisar cada palavra e gesto meus, o que só me deixou mais tensa. O olhar dele não é algo comum, é como se ele se comunicasse através dele, os olhos dele são afiados e certeiros.

— Eu escuto muito isso — disse e soltou um suspiro entediado.

— Eu... — não pude completar a minha frase porque ele me interrompeu.

— Me diga... — Virou para o seu assessor e ele cochichou meu nome em seu ouvido. — Me diga, Jane Becker, por que eu deveria escolher a sua editora e não as outras que já passaram por aqui? Qual o diferencial de vocês?

Ele me olhou com intimidação, com aquele ar superior e prepotente. Me senti como uma garotinha indefesa que quer correr para sua mãe. 

O olhar dele, naquele momento, me deu medo. Me fez tremelicar um pouco, por isso desviei os olhos dele e respirei fundo para voltar a falar. 

— O nosso diferencial é o profissionalismo, senhor, já temos diversos livros publicados, obras que fizeram sucesso e receberam ótimas críticas — falei firme surpreendendo a mim mesma por não tremer. — Tudo isso porque somos muito comprometidos com os nossos escritores e nos esforçamos para que tudo saia como eles querem. Fazemos de tudo para deixar o livro com a cara do escritor e da história que será contada. Além de nos empenharmos para realizar todos os objetivos dele em relação ao desenvolvimento do livro. 

Finalizei e vi ele semicerrar os olhos fazendo uma expressão confusa. 

— Então você me assegura que pode realizar todos os meus objetivos caso eu feche contrato com vocês? — Ele perguntou ainda me olhando daquele jeito intimidante.

Eu tremi. Eu sei que agradá-lo completamente será difícil, dado seu histórico, mas eu preciso afirmar o que acabei de falar. 

— Sim, senhor — afirmei. — Nós podemos realizar todos eles.

Eu disse isso, mas por dentro eu estava me tremendo de medo. Não que eu não confiasse em nosso potencial, mas com a fama que esse escritor tem, ele é capaz de pedir algo absurdo e inatingível apenas para não conseguirmos fazê-lo. 

Ele soltou um riso soprado e me olhou com deboche quando terminei de falar.

— Você já deve ter feito a lição de casa e pesquisado sobre mim, correto? — Seu olhar estava firme em mim. Sinto que a qualquer momento ele pode transpassar minha alma. 

— Sim — falei, mas minha voz perdeu a firmeza naquele momento.

— Então, deve saber que eu sou muito exigente — deu ênfase. — Muitos dizem que sou extremamente perfeccionista, que sou difícil de lidar e tantas outras coisas — disse sério. — Você leu sobre isso?

— Sim, eu ouvi falar — mais uma vez minha voz saiu sem vigor.

Ele sorriu soprado mais uma vez e me olhou com incredulidade. 

— E mesmo assim, sabendo de tudo isso, você me garante que consegue atender todos os meus objetivos sem falha alguma? — Ele manteve o sorriso cínico nos lábios. 

Eu queria sair correndo dali e esquecer essa história de editora chefe. 

Eu sabia que seria difícil conseguir fechar contrato com o Oliver, mas não sabia que os boatos sobre ele ser intimidador eram verdadeiros. Eu estava a ponto de pedir desculpas por ser uma insolente e ter ido perturbar ele e sair correndo daquela sala. Me deu vontade de chorar.

Mas ao contrário do que minha mente sensata estava pensando, minha boca atrevida disse outra coisa.

— Sim, senhor, nós podemos fazer isso — com essa frase eu decretei a minha morte.

O escritor me encarou por alguns segundos em silêncio analisando meu rosto como se procurasse por algo.

— Interessante — disse, sem desviar os olhos dos meus. — Então, terá que me provar isso, Becker.

Quando a voz dele ficou tão grave? Juro que me causou calafrios.

Espera... Ele aceitou? Assim tão fácil? Não, com certeza tinha alguma droga naquela água e estou alucinando. 

— C-como? — Perguntei confusa.

— Você terá que me provar que pode atender todos os meus objetivos — repetiu. — Disse que conseguiria, mudou de ideia? — Provocou. 

— Não... eu... — me perdi.

— Ainda dá tempo de desistir — falou. — Afinal, trabalhar comigo não será nada fácil. Como já deve ter ouvido falar. 

— Não — respondi, respirando fundo para me recompor. — Eu não fujo de desafios, senhor Evans.

Ele sorriu largamente. Toda a sua postura demonstrava o quanto ele estava se divertindo com tudo aquilo. Tenho certeza que ele acha que vou falhar, que não serei capaz de fazer as coisas do jeito certo.

Tão prepotente. 

— Ótimo! — Disse, sem desfazer aquele sorrisinho. — Vamos lá.

Eu não estava acreditando, foi fácil demais. Com certeza tinha alguma coisa por trás daquilo. Talvez ele fosse pedir minha alma em troca.

Ok, estou assistindo muitos filmes de terror.

— Sim — falei, meio desorientada. — Basta assinar aqui e... — comecei tirar os documentos da pasta para entregá-lo, mas ele me interrompeu. 

— Não! — Disse firme.

Parei o que fazia.

— Não? — Franzi o cenho. 

— Não — repetiu simplista. — Quero que me prove que pode atender a todos os meus objetivos antes que eu feche contrato com vocês — recostou na cadeira. — Admito que você é corajosa, mas não quero manchar o meu nome me associando com alguém que muito fala e pouco faz.

Ele é mesmo um presunçoso. Eu queria gritar na cara dele que eu sou capaz, que falo e cumpro minhas palavras e que ele não passa de um escritorzinho que se acha o dono do mundo. Mas eu não podia dizer aquilo, tive que engolir tudo e escutar aquelas palavras calada. 

— Se me provar que é capaz — ele voltou a falar diante do meu silêncio. — Eu assino o contrato sem olhar quantos anos me comprometerei — manteve o sorriso sarcástico. — O que acha? Você vai determinar quanto tempo ficarei com vocês mesmo que eu queira, futuramente, cancelar o contrato. 

Ele não pode estar falando sério. Ou está e vai exigir absurdos para provar que eu fui ambiciosa demais e não deveria assegurar algo que não depende unicamente de mim.

— Está falando sério?

— Eu pareço estar brincando, Becker? — Voltou a expressão séria. — Se confia tanto em sua empresa, deveria concordar agora mesmo, não dei essa oportunidade aos que vieram antes, e olha que foram muitos.

Eu pensei em rejeitar porque sua cara deu medo. Tenho a impressão que vou sofrer bastante antes de fechar esse contrato, se, e somente se, eu conseguir fechar. Mas se eu desistisse estaria contrariando tudo que falei, sem contar que ele nunca mais iria querer nada com a Kbook. Eu podia perder meu futuro cargo e até mesmo o atual, além da credibilidade do meu chefe.

— Certo, eu aceito — essa foi a minha resposta.

— Maravilha — começou a escrever algo em um bloco de anotações. — Esteja nesse endereço, a essa hora, amanhã — me entregou o papel.

— Do que se trata? — Perguntei.

— Nossa próxima reunião será lá. Estou ansioso para conhecer suas habilidades, Becker — se levantou e eu fiz o mesmo. — Agora preciso ir, tenho um compromisso.

— Claro, obrigada pelo seu tempo e por essa oportunidade, senhor Evans — agradeci mesmo não sabendo se isso foi bom para mim.

— Não me agradeça ainda — ele deu a volta na mesa e ficou em minha frente. — Talvez seja cedo demais — deu as costas e saiu da sala sem dizer mais nada.

Eu fiquei parada encarando as costas dele. Respirei fundo quando ele finalmente saiu do meu campo de visão e passei minhas mãos suadas na calça a fim de tirar a camada de suor delas.

— Ele é bem difícil no começo — me assustei por ter esquecido que tinha alguém ali. — Mas depois verá que ele é uma boa pessoa — sorri sem graça para Heitor. Oliver Evans deve ter feito uma lavagem cerebral nele, só pode. — Seja persistente e boa sorte — disse amistoso.

— Obrigada — agradeci meio sem jeito e o segui até fora da sala. 

❝ ❞ 

Eu voltei à editora para pegar algumas coisas e contar ao senhor Kim sobre a reunião. Quando cheguei, fui abordada por Tasha e Yara antes mesmo de conseguir.

— Conta tudo — disseram quase em coro.

— Estou ferrada — sentei dramaticamente em minha cadeira e lhes contei com detalhes como foi a reunião.

— Ele é um babaca — Tasha resmungou irritada.

— E muito prepotente — Yara bufou.

— Agora só esperar pelo meu martírio na próxima reunião — retirei os óculos e passei a mão no rosto.

— Será que ele vai te levar até esse lugar e te dar uma surra? — Tasha perguntou espantada. 

— Não fala besteira, Tasha — Yara repreendeu-a. — Ele é um escritor rabugento, não um mafioso — se virou para mim. — Mas por precaução, leva um spray de pimenta. Se ele tentar algo você acerta os olhos dele e foge. 

— Vocês são péssimas amigas — resmunguei. Coloquei os óculos de volta ao rosto.

— Não esquece o número da polícia — Tasha falou.

— Odeio vocês — fiquei de pé.

— Você nos ama — Yara rebateu.

Ignorei elas e segui em direção a sala do meu chefe.

Lhe contei como foi a reunião e expliquei minha ausência na manhã seguinte. 

— Então, temos boa chance de conseguir esse contrato? — Sr. Kim perguntou assim que lhe contei tudo.

Óbvio que omiti os momentos em que fui tratada como um nada e os que eu quis sair correndo sem olhar para trás. 

— Sim, mas ainda não sei o que ele vai pedir para provarmos que podemos realizar seus objetivos, porém confio em nossa equipe — falei animada.

Eu queria encorajar mais a mim mesma.

— Eu sabia que podia contar com você — disse empolgado. — Não escolhi errado quando coloquei você para fazer isso. 

Isso ajuda muito na minha ansiedade. 

— Obrigada, senhor — agradeci, mas por dentro eu estava quase pedindo para ele reconsiderar e colocar outra pessoa. 

— Que isso — abanou a mão em frente ao rosto como se o que disse não fosse nada demais. — Pode sair amanhã e se precisar de mais algum dia ou tempo é só dizer. 

Assenti.

Espero não precisar de outro dia ou tempo. Tomara que o escritor se decida amanhã mesmo. Não sei o que ele quer, mas farei de tudo para convencê-lo a assinar conosco para me livrar dessa agonia. 

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