Levantei o olhar quando Dario entrou na sala da nova casa — a casa que, um dia, pertenceu a Espósito. Suas roupas estavam manchadas de sangue, e o rosto exibindo hematomas novos e escuros. Meus outros primos estavam em algum lugar na casa, provavelmente tramando entre si, enquanto minha tia havia chegado há poucos dias. Mas naquele momento era só eu e Bion na sala, quando Dario finalmente deu as caras. Quanto tempo fazia desde a última vez que o vi? Nem conseguia lembrar.— Seu imbecil — deixei escapar, com a raiva azedando minha voz antes mesmo que pudesse controlá-la. — Onde diabos você estava?Vi o leve arquear de sobrancelha de Bion, que, embora surpreso, guardava as reações para si, como sempre. Já Dario, pelo menos, teve a decência de parecer desconfortável, erguendo as mãos num gesto de rendição.— Beatrice…— Por que não respondeu minhas mensagens? Achei que você estivesse morto! A última notícia que tive foi de que tinha saído com Ryuu e os irmãos, e depois, nada. Desapareceu
— Quer conversar agora? — A voz grave de Bion ecoou atrás de mim, rompendo o silêncio. Virei-me lentamente, vendo-o parado na entrada da biblioteca. A sala, aquecida pelo crepitar da lareira, era o meu refúgio, um pequeno esconderijo onde eu vinha me perder em pensamentos. Estava ali para buscar alívio, não companhia.— Falar sobre o quê? — murmurei, recostando-me na poltrona de couro, minha poltrona. Foi a única coisa que fiz questão de trazer da mansão Morunaga, e agora me afundava nela, os olhos fechados, deixando a música preencher o vazio ao meu redor. O calor do fogo beijava o lado do meu rosto, e desejei que Bion sumisse tão rápido quanto havia surgido.— Sua mãe.Senti meu corpo endurecer. Apertei os lábios antes de responder, sabendo que minha reação entregava o que eu tentava suprimir.— Uma conversa inevitável, imagino.— Nem tanto — ele disse, aproximando-se com cautela. O sofá rangeu quando ele se sentou, o som como um peso extra sobre mim. — Podemos deixar isso no passad
O cheiro denso de metal e umidade impregnou minhas narinas assim que entrei no porão. O frio, quase tangível, parecia pulsar nas paredes, como uma lembrança viva do que havíamos suportado aqui. À minha frente, Daiki, o homem que me tratou como um objeto descartável na minha juventude, o pai do homem que transformou o sangue da minha mulher em sua ferramenta, estava ajoelhado, os pulsos amarrados nas costas, a expressão oscilando entre medo e desafio.Mateo, Sofia e Nitta cercavam-no, as armas erguidas e apontadas diretamente para o seu peito, um círculo de aço e hostilidade que ecoava o clima na sala. Eu sabia o que ele via: um sobrinho que se erguia diante dele, mas já não o mesmo rapaz a quem ele pisoteou tantas vezes com seu poder e joguetes.— Você não vai sair disso — Daiki disse, a voz trêmula de um riso ácido que ele tentava, em vão, segurar. — E Gojou… Gojou vai destruir você.Dei um passo à frente, fixando meus olhos nos dele. Ele sabia que eu era o único que nunca o temeria.
— Está confiante sobre tudo isso, Ryuu? — Nitta se inclinou, uma expressão de preocupação sincera em seu rosto marcado pelas noites em claro e pelo peso dos últimos meses. — Beatrice… você não acha que toda essa guerra vai acabar afetando ela e o bebê? Seus olhos traziam a preocupação genuína de um irmão, de alguém que estava ao meu lado há tempo demais para que eu o considerasse apenas um soldado. Eu sabia que Nitta não era facilmente impressionável, mas o ataque quase fatal e a iminência de novas traições mexiam com ele.— Essa guerra já está em andamento há muito tempo, Nitta — respondi, minha voz firme. — Não fui eu quem a começou, mas eu quem vai terminá-la. E Beatrice estará protegida. Minha família não será um alvo. Não mais. Não de novo.Nitta conhecia minha determinação, sabia que meu papel era mais do que uma escolha. Era uma maldição. Ele assentiu, a sombra de dúvida esvaindo-se de seu rosto, mas ainda hesitante, como se quisesse dizer mais.A tensão dessas palavras pairou
Ao entrar em casa, encontrei Beatrice no que parecia ser seu pequeno ritual. Ela se movia com leveza pela cozinha, cantarolando algo suave enquanto a fragrância rica da comida invadia o ambiente. Por um instante, deixei-me absorver pela cena: sua figura serena, distraída, concentrada em cada detalhe do jantar.Ela notou minha presença e se virou, lançando-me um sorriso caloroso.— Como foi o trabalho? — Perguntou, mas notei a hesitação em sua voz. Com o tempo, Beatrice aprendera que, quando eu dizia “limpando a casa”, significava que assuntos sombrios tinham sido tratados. Eu não precisava dizer mais nada.— A “casa” ainda não está limpa o suficiente — murmurei, deixando o peso das palavras no ar. Ela apenas assentiu, preferindo não se aprofundar no tema, e voltou ao fogão.— Que cheiro bom é esse? — perguntei, aproximando-me dela e absorvendo o aroma que parecia uma mistura perfeita de tomates maduros e manjericão.— Tortellini al brodo. É o jantar que nos espera hoje — respondeu ela
Eu realmente não queria deixar minha pequena e modesta casa em Palermo. Desde que minha mãe faleceu, tia Loretta era a figura materna mais próxima que eu tinha, e como filha única, valorizava profundamente o tempo que passava com meus primos, que considerava irmãos.Embora fosse severo aos olhos do público, Giacomo Carbone sempre teve meus melhores interesses no coração. Aos dezesseis anos, implorei para frequentar a escola em Palermo, sob o olhar atento de meus primos, e meu pai cedeu quase imediatamente. Ele queria que eu estivesse segura, longe do tumulto de seu trabalho em Los Angeles. Ele temia que algo pudesse acontecer com sua Principessa preziosa. Embora tivesse aprendido o básico de autodefesa com tia Loretta, minha competência era subestimada na nossa família. Os homens eram responsáveis por prover segurança, riqueza e felicidade às mulheres. Com meu vigésimo primeiro aniversário se aproximando, meu pai planejou férias nas Bahamas para comemorarmos juntos. Depois disso, ele
Respirei fundo, completamente horrorizada com a sugestão de meu pai. Exceto que eu sabia que não era apenas uma sugestão. Giacomo não falaria sobre isso se tivesse realmente alguma escolha. Ele não ousaria perguntar se fosse apenas uma opção. Em último caso, gostando ou não, eu me casaria com o homem chamado Ryuu Morunaga. Meu pai estava errado ao comparar isso com seu relacionamento com minha mãe. Não era um casamento arranjado, mas forçado.Eu já ouvira falar do temido herdeiro Morunaga durante minha estada em Palermo. A família Morunaga não residia lá há anos, mas o nome ainda era temido e respeitado. Histórias assustadoras sobre tráfico de humanos, prostituição e outras atividades ilícitas estavam associadas a essa família. Embora trouxessem boa sorte àqueles que seguiam suas regras, a família Morunaga não era minha família e certamente não me amavam. Eles eram estranhos, e eu já temia a maneira como poderiam me tratar caso eu cometesse algum erro aos olhos deles.A família Moruna
Eu não podia estar perto do meu pai agora, não depois dessa quebra de confiança. Ele dizia querer me manter segura, mas aqui estava ele, colocando-me nas mãos de uma das maiores famílias mafiosas existentes. A família Morunaga era o centro da violência e crueldade, e só um tolo se envolveria de bom grado com eles.Segui a música fraca que vazava pela casa, sabendo que vinha do salão. Precisava conversar com meu avô sobre isso. Talvez ele pudesse esclarecer a situação. Que maneira infernal de começar as férias. Nenhuma lágrima caía agora, mas meus olhos ainda ardiam e meu coração doía. Não conseguia imaginar em que tipo de confusão meu pai se meteu para causar esse caos.Ao longo dos anos, fui mantida afastada do trabalho dele, aprendendo a não fazer perguntas. Era irônico que, depois de tantos anos fechando os olhos para o trabalho de meu pai, agindo ignorante durante toda a minha infância e adolescência, fosse agora amaldiçoada a pagar suas dívidas assim que entrei na idade adulta.S