Alice apareceu do nada, esfregando os olhinhos sonolentos e segurando seu ursinho contra o peito. Seus passos arrastados fizeram Isaías e eu recuarmos do momento em que estávamos, quando nossos lábios estavam quase, quase se tocando. Parecia que Alice pressentia quando eu estava prestes a ultrapassar uma linha que até eu mesma desconhecia.Ela me puxou pela mão, ainda em seu silêncio, mas o recado estava claro. Precisava de mim ao seu lado para dormir. Sorri para ela e olhei para Isaías, que entendeu tudo. Ele, sempre tão observador, sempre tão atento aos detalhes. — Bom, meninas – ele começou, em um tom de voz suave, mas já me partindo o coração antes mesmo de terminar a frase. — Já está tarde, e eu tenho plantão cedo amanhã. Melhor eu ir para casa.Aquelas palavras fizeram meu coração despencar. Era um instante tão frágil, tão cheio de possibilidades e sentimentos à flor da pele… Ele nos deixaria? Ali, sozinhas com uma saudade que eu ainda nem tinha deixado nascer, mas já
Desde que Isaías começou a aparecer com mais frequência em nossas vidas, percebi que algo improvável tinha acontecido: ele se tornara o tio que Alice precisava, e, de certa forma, o apoio que eu jamais pensei que teria. Era estranho e reconfortante ao mesmo tempo, como se a vida tivesse dado uma volta inesperada e me presenteado com essa presença tranquila e forte ao meu lado.Depois que Alice se recuperou, imaginei que ele iria se afastar, que voltaria para a rotina de plantões no hospital e aos seus afazeres. Mas, surpreendentemente, Isaías continuou presente. Dividia seu tempo entre o hospital, sua casa e, agora, a nossa. Ele não deixava passar um dia sem checar se Alice estava bem, sem perguntar se precisávamos de algo. Essa nova rotina preenchia a casa de uma forma que eu não sabia que precisava.Então, um dia, ele apareceu com uma proposta inesperada.— Vamos fazer algo diferente? — perguntou com um sorriso suave, segurando Alice em seus braços enquanto ela brincava distraí
Quando sugeri levar Alice ao abrigo de animais, era apenas uma tentativa de trazer um pouco de alegria à vida dela, um momento de leveza no meio de tantos altos e baixos. Não fazia ideia de que esse gesto simples fosse nos mudar tão profundamente.Isaías, ao meu lado, aceitou o convite com uma animação que parecia quase juvenil. No caminho, ele conversava sobre a expectativa de ver Alice interagindo com os animais. E, mesmo que ele não dissesse, percebia que aquilo era também uma chance para ele se conectar mais com ela e, quem sabe, com alguma parte dele que ainda não tinha se revelado.Assim que chegamos ao abrigo, Alice praticamente saltou do carro, mal contendo sua alegria. Seus olhinhos brilhavam, e meu coração se encheu ao vê-la daquele jeito, tão curiosa, tão viva. Ela se movia de cercado em cercado, os olhos dançando entre os cães que, animados, abanavam o rabo e se aproximavam da cerca, como se também esperassem por ela.Isaías e eu ficamos um pouco afastados, observando,
Desde que o senhor Bolofofo entrou em nossas vidas, vi minha pequena Alice renascer. Ela, que antes habitava um mundo silencioso e trancado, começou a revelar fragmentos da criança que um dia fora. Era como se, com a chegada daquele peludo alegre e desajeitado, algo profundamente adormecido nela estivesse finalmente despertando. O senhor Bolofofo não era só um cachorrinho; ele era um milagre de quatro patas, a chave que começava a destrancar as portas da alma de Alice.No começo, observei com cautela, quase sem acreditar no que via. Logo nas primeiras manhãs, os risos dela ecoavam pela casa – risos que eu nem sabia como soavam. Ela, que antes caminhava devagar, agora corria atrás dele, deixando escapar pequenas gargalhadas quando ele pulava para alcançá-la ou quando escorregava no chão da sala. E eu, parada no canto da sala, só conseguia sentir o peito aquecer e os olhos marejarem, porque, pela primeira vez em muito tempo, eu a via feliz.Numa tarde, enquanto a chuva caía lá for
Dias depois…Os dias seguiram sem maiores novidades. Alice passou a interagir melhor na escola e em casa era surpreendente como a cada dia as coisas ganhavam uma normalidade que nem em meus melhores sonhos achei que fosse possível.Isaías continuava presente em nossas vidas, de uma forma leve, sem nenhuma obrigação. Um dia, ele apareceu com um convite inesperado para uma festa. Fiquei um pouco sem jeito de aceitar, mas sua insistência delicada me envolveu de tal maneira que acabei concordando em ir.Ele parecia genuinamente animado com a ideia de me ter ao seu lado no evento beneficente do hospital. A perspectiva de vê-lo em um ambiente além do familiar – um cenário onde ele realmente brilhava – me deixou empolgada e, ao mesmo tempo, nervosa. Era a primeira vez que ele me convidava para algo tão significativo em sua vida profissional, e senti o peso especial desse momento.Escolhi um vestido simples, mas elegante, tentando expressar uma confiança que, no fundo, eu ainda estava apr
Isaías endireita os ombros, e vejo aquele desconforto momentâneo sumir enquanto uma faísca de irritação se acende em seu olhar. Seus olhos estão duros, incisivos, e posso ver que ele não vai deixar essa situação passar sem resposta.— Fernanda, achei que já tínhamos superado essas provocações infantis — ele rebate, com a voz controlada, mas carregada de um desdém cortante. — Você ainda está presa nisso, não está? Acredita que tem algum tipo de controle sobre a minha vida? Essa ilusão, Fernanda, já passou faz muito tempo.Ela arqueia a sobrancelha, cruzando os braços com um sorriso venenoso, aquele tipo de sorriso que só quer ver o outro desmoronar.— Ah, doutor Castellar, tão seguro de si. Foi exatamente por isso que te deixei, sabia? Sempre tão previsível, tão… correto. — Ela lança um olhar rápido na minha direção, quase como se eu fosse invisível, um mero acessório. — Acredite, querida, você vai se cansar rapidamente. Eu sei do que estou falando.Isaías solta uma risada curta, am
Estávamos ali, em um silêncio que parecia confortável, até que Henrique rompeu essa calma com uma frase simples:— Alby, esqueci de deixar meu cartão como combinamos. Espero sua ligação.Ele se despediu com um sorriso despreocupado e um leve aceno, mas o efeito foi imediato. A atmosfera do ambiente mudou como um raio em céu claro, e vi o semblante de Isaías se transformar. Qualquer calma que ele pudesse estar sentindo se desfez, e seus olhos me encararam com uma intensidade que me fez congelar. Antes mesmo que a porta se fechasse, Isaías deu um passo à frente, seus olhos faiscando com algo entre a raiva e uma fúria contida. Ele cruzou os braços, e seu olhar era pesado, cheio de perguntas que ele ainda não sabia como verbalizar.— Então… “combinamos”, Alby? — Ele repetiu a palavra de Henrique, sua voz carregada de um sarcasmo que me fez querer fugir para longe dali. — Desde quando você e ele têm combinações?Respirei fundo, tentando manter a calma, mas a intensidade dele me fez va
Saí apressada, meu coração batendo forte, minhas mãos trêmulas enquanto tentava me afastar o mais rápido possível. Olhei para os lados, procurando qualquer forma de fugir dali, e, por sorte, vi um táxi parado na calçada, enquanto os passageiros desembarcavam. Não pensei duas vezes. Entrei no carro e fechei a porta, pedindo ao motorista, com a voz embargada, que me tirasse dali.Assim que o táxi começou a se mover, ouvi Isaías gritar meu nome do lado de fora, sua voz desesperada.Eu queria ser forte, mas a urgência e a raiva na voz dele me atingiram como uma faca. Fechei os olhos, tentando afastar sua imagem da minha mente. O motorista pareceu entender o que eu sentia, acelerando enquanto o carro se misturava ao trânsito, me levando para longe de Isaías.Então, as lágrimas, que eu segurava com tanto esforço, começaram a descer descontroladamente. Senti meu rosto umedecer, e a dor que estava tentando reprimir se transformou em uma onda avassaladora. Meus soluços eram baixos, mas