Na manhã seguinte, o sol filtrava-se suavemente pelas cortinas brancas da casa dos Vieira de Sá, iluminando a elegante sala de desjejum. A mesa estava impecável como sempre, repleta de frutas frescas, pães delicadamente arranjados e a louça de porcelana fina. Cecília já estava ali, com uma xícara de chá entre os dedos, mas a mente distante. Eduardo, sentado à sua frente, lia um jornal com atenção. Vestia um colete bem ajustado e a gravata perfeitamente alinhada. Tinha a postura de um homem que carregava a responsabilidade com naturalidade – e, talvez, uma leve satisfação em cumprir seus deveres. — Dormiu bem, meu amor? — Ele perguntou, levantando os olhos do jornal para encará-la com um sorriso discreto. — Sim… — Cecília mentiu, desviando o olhar para a janela. A verdade era que não pregara os olhos. Os ecos da noite anterior ainda pulsavam em sua mente – o toque ousado de Max, a sensação de estar à beira do precipício, e o pedido de casamento, grandioso e inevitável. — Sua mã
Cecília deixou a sala de desjejum com passos controlados, mas assim que virou o corredor e se afastou dos olhares vigilantes, seu corpo relaxou ligeiramente. Ainda assim, sua mente não encontrava repouso. Cada vez que fechava os olhos, a lembrança do toque de Max voltava com força devastadora – e agora ele estava longe, na companhia do homem mais libertino que ela conhecia. Ao chegar à sala de costura, encontrou sua mãe supervisionando as criadas que organizavam rolos de tecidos e amostras de renda. Dona Constança Monteiro de Alcântara era a personificação do controle e da elegância. Seus cabelos, sempre bem arranjados em um coque elaborado, e o vestido de seda lilás reforçavam a imagem de uma mulher que sabia seu lugar – e o da filha também. — Cecília, querida, finalmente. — A voz dela tinha um tom apressado, mas carregado de expectativa. — Precisamos decidir os detalhes do vestido de noiva. Afinal, seu casamento com Eduardo será o evento do ano. Cecília se aproximou, forçando
Enquanto a conversa na sala de costura se dispersava, Cecília afastou-se sob o pretexto de buscar um livro na biblioteca. Mas, na verdade, ela precisava respirar — e, talvez, escapar da pressão sufocante das expectativas familiares. As janelas do casarão se abriam para um cenário deslumbrante: o Vale do Paraíba, com suas colinas cobertas de plantações de café que se estendiam até onde a vista alcançava. Os Vieira de Sá e os Monteiro de Alcântara estavam entre as famílias mais influentes da região, cujas fortunas haviam sido erguidas pelo ouro negro, como muitos chamavam o café. O Brasil, naquela época, era uma terra de contrastes fascinantes. Enquanto as elites rurais viviam em casarões majestosos como o seu, o Rio de Janeiro florescia como a capital do Império — uma cidade vibrante, onde o luxo dos salões aristocráticos convivia com o burburinho dos mercados e o cheiro salgado que vinha do porto. Navios chegavam e partiam carregados de café, açúcar e outras riquezas que sustentavam
O sol começava a descer lentamente no horizonte, tingindo o céu do Rio de Janeiro com tons de âmbar e escarlate. A tarde quente e abafada parecia deixar tudo mais lento – menos os pensamentos de Max. Eles giravam, incessantes, em torno de uma mulher que ele não podia – não deveria – desejar. Max recostou-se na cadeira de madeira gasta do botequim, os ombros rígidos sob a camisa amassada. Álvaro, por outro lado, estava à vontade como sempre, os olhos brilhando com um prazer malicioso enquanto acendia um charuto cubano, o gesto calculado e quase insolente. — O que você realmente quer com tudo isso, Monteiro de Alcântara? — Max perguntou, deixando o cansaço transparecer na voz. — Já disse, quero ajudar um futuro membro da família a… aliviar as tensões. — Álvaro riu, soltando uma baforada preguiçosa de fumaça doce. — Mas se está perguntando o que eu ganho com isso… Bem, confesso que há algo de fascinante em observar um homem tentando fugir de algo que já o consumiu inteiro. O olhar de
As ruas do Rio de Janeiro fervilhavam sob o sol da tarde, um contraste vibrante entre as construções elegantes e o caos colorido de carroças, vendedores ambulantes e o burburinho incessante da cidade em crescimento. Cecília, Amélia e Helena caminhavam lado a lado, seus vestidos esvoaçando a cada passo gracioso pelas calçadas de pedras irregulares. A prova do vestido havia sido exaustiva – ao menos para Cecília. Amélia, por outro lado, parecia cheia de energia e ideias que, para o desespero das irmãs, beiravam a completa imprudência. — Vocês sabiam — começou Amélia, ajeitando os cabelos presos em um coque displicente — que em Paris as mulheres já usam calças em público? Helena quase engasgou ao ouvir aquilo. — Calças? — O tom de incredulidade quase fez Cecília rir, mas ela se conteve. — Sim. — Amélia abriu um sorriso travesso. — E nem por isso a sociedade desmoronou. Imagine, andar a cavalo sem precisar de todas aquelas saias insuportáveis. E mais… — Seus olhos brilharam com
— Vocês já foram beijadas de verdade? A pergunta de Amélia rompeu o silêncio confortável da sala de visitas como uma pedra atirada em águas calmas. Helena engasgou com o chá. Cecília, por sua vez, permaneceu imóvel, os dedos delicadamente pousados na lateral da xícara, como se a pergunta não tivesse feito seu coração tropeçar por um segundo. — O quê? — Helena conseguiu balbuciar, as bochechas em um tom de rosa intenso. — Ora, não façam essa cara de santas — Amélia continuou, inclinando-se mais para frente no sofá, o olhar divertido passeando entre as irmãs. — Um beijo de verdade. Não aquele selinho casto que um cavalheiro dá na mão ou na testa. Estou falando de um beijo como deve ser. Forte, quente… — Ela sorriu, maliciosa. — Com as mãos explorando lugares que, segundo mamãe, levariam qualquer dama diretamente à perdição. — Amélia! — Helena exclamou, quase derramando a xícara no colo. — Não me olhe assim, caçula. Não me diga que nunca imaginou. — Eu não penso nessas… coisas — p
Nos dias que se seguiram ao encontro na sorveteria, Cecília tentou – com todas as forças – afastar os pensamentos que insistiam em voltar para ele. Max. Ela tentou ocupar a mente com os preparativos do casamento, com as reuniões intermináveis de sua mãe e as discussões sobre flores e tecidos. Mas, no silêncio das noites quentes, quando a cidade adormecia, seu coração ainda acelerava ao lembrar do olhar dele – aquele olhar que a despia camada por camada, como se soubesse cada segredo que ela escondia. E quanto mais tentava se convencer de que Max não era nada além do irmão do homem com quem se casaria, mais seu coração se apertava. Até que, numa tarde abafada, enquanto estava no jardim supervisionando a entrega de flores para o casamento, ouviu algo que a fez congelar. — O senhor Max é mesmo um caso perdido — cochichou uma das criadas para a outra, ambas ajoelhadas junto às roseiras. — O viram na taberna de novo ontem à noite. Dizem que tem jogo, bebida... e mulheres que nem se im
As palavras dele ainda ecoavam na mente de Cecília. "Há coisas em mim que você não deveria desejar." Mas naquele momento, naquele canto escuro da taberna, tudo o que ela conseguia sentir era o calor do corpo dele tão próximo ao seu. O cheiro de tabaco misturado ao perfume amadeirado que a entontecia. Os dedos fortes ainda em volta de seu braço, como se ele não conseguisse deixá-la partir. E ela não queria partir. Só uma vez. Só uma vez e depois esqueceria. Enterraria aquele desejo no fundo da alma, se casaria com Eduardo e tudo voltaria ao lugar. — Eu deveria ir — sussurrou, mas sem mover um único músculo. Max sorriu – um sorriso amargo e perigoso. — Então vá, Cecília. — Os olhos dele queimavam os dela. — Ninguém está te impedindo. Mas ele estava. A presença dele a prendia mais do que qualquer corrente. E quando ele soltou seu braço para provar que não a deteria, ela ficou. A capa escorregou de seus ombros enquanto Cecília deu um passo à frente. — Uma única vez