Cecília caminhou até o quarto em passos apressados, o coração ainda acelerado. Assim que fechou a porta atrás de si, soltou um suspiro pesado, sentindo suas pernas fraquejarem. Sentou-se na beira da cama e passou as mãos pelo rosto, tentando organizar os próprios pensamentos. Estava grávida. A conclusão a atingia com força cada vez que tentava afastá-la. Não era só o trauma dos últimos dias, não era apenas cansaço. Seu corpo já sabia a verdade antes mesmo que sua mente aceitasse. O quarto estava silencioso, mas dentro dela um turbilhão se desenrolava. Max. Seu peito se apertou ao pensar nele. Como contaria? Como ele reagiria? Ele ainda estava fraco, sua recuperação era lenta, dolorosa. Era justo sobrecarregá-lo com essa notícia agora? Seu olhar vagou para a janela, onde a brisa suave fazia as cortinas dançarem. Tocou o próprio ventre, ainda sem mudanças perceptíveis, mas já carregando algo que mudaria suas vidas para sempre. Ela queria esse filho. Queria desesperad
O sol da manhã pintava a paisagem dourada da Fazenda Boa Esperança, refletindo nos vastos cafezais que pertenciam à família Monteiro de Alcântara havia gerações. Vicente observava a cena de sua varanda particular, os olhos semicerrados e a mente ocupada. No papel, ele tinha tudo. O sobrenome, a fortuna, o respeito. Mas havia uma lacuna que precisava preencher, uma que seu pai lhe lembrava constantemente. — Você precisa se casar, Vicente. Casamento. Uma aliança vantajosa. Um nome adequado. Descendência garantida. Não era uma questão de desejo ou romantismo. Para Vicente, o casamento precisava ser prático. Ele queria uma esposa saudável, que pudesse manter a linhagem Monteiro de Alcântara sem grandes complicações. Uma mulher que soubesse sorrir quando ele voltasse para casa com a cabeça explodindo em responsabilidades. Ele não queria mais do que isso. Se houvesse compatibilidade na cama, ótimo. Mas ele sabia que casamentos arranjados raramente ofereciam esse tipo de sorte. Cecíli
A manhã já ia alta quando Tereza saiu da pequena casa onde vivia com a tia e os primos mais novos. O cheiro de fubá e canela ainda impregnava suas mãos, mesmo depois de lavá-las às pressas. Sua cesta estava cheia de quitutes frescos—pães de mel, bolinhos de fubá, cocadas embrulhadas em papel manteiga. Tudo pronto para ser vendido antes do meio-dia. Ela atravessava as ruas de paralelepípedo com passos rápidos, desviando das carroças e dos cavalos que passavam. O centro da cidade era sempre um desafio. Homens engravatados e senhoras de vestidos volumosos a ignoravam ou lhe lançavam olhares de desprezo. Alguns sussurravam entre si, fingindo que ela não podia ouvir. "Esses aí querem mais do que têm direito." "Agora qualquer uma se acha no direito de andar por essas ruas como se fossem damas." Ela continuou andando, acostumada com aquele tipo de comentário. Mas foi obrigada a parar quando uma mulher branca e bem-vestida, acompanhada por outra de mesma estirpe, veio em sua direção.
O coração de Tereza ainda batia forte quando ela virou a esquina, os dedos crispados ao redor da alça da cesta. O cheiro doce dos bolinhos de fubá e dos quindins que restaram lhe subia ao nariz, mas tudo o que ela sentia era um gosto amargo na boca. A audácia daquele homem! Ela não precisava levantar os olhos para saber o que ele era. Um aristocrata. Um dos muitos que passeavam por ali com a arrogância de quem achava que a cidade lhes pertencia. E talvez pertencesse, para gente como ele. Mas para ela, para sua família, para aqueles que lutavam todos os dias para se manter de pé depois da Abolição, a cidade era apenas um campo de batalha onde tinham que lutar por cada migalha. E ele, com sua voz educada e o olhar que demorou um segundo a mais sobre ela — aquele olhar que os homens ricos sempre tinham quando viam uma mulher negra e jovem —, achou que podia simplesmente jogar uma moeda e resolver tudo? Tereza sentiu o estômago revirar. Ela apertou o passo. Os pés descalços to
Os Monteiro de Alcântara não eram apenas uma família — eram uma instituição. Dos salões elegantes do Rio de Janeiro aos campos dourados das fazendas de café no Vale do Paraíba, o nome Monteiro de Alcântara inspirava respeito, temor e, em muitos casos, inveja. Donos de vastas terras, aliados a políticos influentes e com raízes profundas no ciclo do café, a fortuna da família não era apenas antiga — era quase indestrutível. Joaquim Monteiro de Alcântara, o patriarca, fizera questão de reforçar isso em cada aspecto de sua vida. Rígido, inabalável e com uma visão clara do dever, ele carregava nas costas o peso do nome que herdara e que, um dia, passaria para seu primogênito. Não havia espaço para fraquezas, e certamente não havia espaço para escândalos. Era por isso que, naquela tarde abafada de janeiro, a Fazenda Boa Esperança estava em alvoroço. O salão principal, com suas paredes adornadas por tapeçarias europeias, ecoava com o som abafado de criados em movimento, preparando-se p
O calor da tarde repousava sobre a Fazenda Boa Esperança como um véu denso, tornando o ar preguiçoso e morno, mesmo com as janelas escancaradas da casa grande. Lá fora, os vastos cafezais se estendiam como um manto verde, ondulando sob a luz dourada do sol. Era uma paisagem bonita, quase poética, mas para Cecília Monteiro de Alcântara, tudo parecia opaco diante do que se aproximava: o dia em que conheceria o homem escolhido por seu pai para ser seu futuro marido. Sentada diante da penteadeira, ela observava seu reflexo no espelho antigo, enquanto as criadas ajeitavam cuidadosamente o vestido lavanda e os cachos castanhos que emolduravam seu rosto. A maquiagem era discreta, mas realçava sua beleza serena. Por fora, tudo nela era impecável. Por dentro, no entanto, o coração batia em um compasso acelerado, dominado por uma ansiedade silenciosa. — Está linda, senhorita Cecília — disse uma das criadas, ajeitando um fio solto atrás da orelha dela. Cecília sorriu com delicadeza, mas a e
O sol quente e intenso espalhava seus tons dourados sobre a Fazenda Boa Esperança, iluminando os vastos cafezais que se estendiam até onde a vista alcançava. Cecília caminhava lentamente pelo jardim, com o braço delicadamente entrelaçado ao de Eduardo Vieira de Sá. Era um momento cuidadosamente arquitetado por sua mãe, Constança, que acreditava que a proximidade traria um laço mais firme entre eles. E Cecília, como a boa filha que sempre fora, estava disposta a tentar. — A fazenda de sua família é realmente impressionante — comentou Eduardo, sua voz firme e controlada. — Meu pai sempre falou com admiração do seu patriarca. Cecília sorriu de maneira polida. Eduardo era um homem atraente, com traços bem definidos e modos irrepreensíveis. Havia algo reconfortante em sua presença, uma estabilidade que qualquer jovem em idade de casamento deveria desejar. — Meu pai é um homem de princípios — disse ela, ajustando a saia do vestido, cujos detalhes delicados ressaltavam sua feminilidade. —
Após o longo e cerimonioso almoço, a família Monteiro de Alcântara se reuniu no pátio coberto para a despedida dos irmãos Vieira de Sá. Sorrisos cordiais e despedidas educadas mascaravam a tensão no ar — ao menos para Cecília. Ela apertava as mãos uma contra a outra, tentando manter a compostura diante da presença dos dois irmãos, mas seu olhar insistia em recair sobre o mais novo. — Foi um prazer recebê-los — disse Constança, com elegância e aquele olhar clínico que analisava cada detalhe. Seus olhos pousaram demoradamente em Eduardo, aprovando sua postura irrepreensível. — Esperamos vê-los novamente em breve. — O prazer foi nosso, senhora Monteiro de Alcântara — respondeu Eduardo, com uma leve curvatura de cabeça, a voz firme, respeitosa. Ao lado dele, Maximiliano permaneceu em silêncio, o corpo relaxado e a expressão divertida. Seus olhos, no entanto, procuravam discretamente por Cecília. Era quase imperceptível, não fosse o fato de ela sentir cada olhar como um toque não autoriz