Oito anos antes part II

Roman

–A senhora Eva, entrou em trabalho de parto, senhor, as empregadas disseram que ela não estava bem, levaram-na para o hospital.

As palavras chegaram aos meus ouvidos de um modo que nem ao menos sei descrever esse sentimento insano em um momento era o Lobo Russo, o próprio Diabo encarnado e no instante seguinte o homem de carne e osso berrava em plenos pulmões guiados pelo medo de perder a única coisa boa da vida de merda que levo.

Borrões, tudo se tornou borrões, desde as ordens dadas aos meus homens no automático para fazer a limpeza no local e redobrar todas as proteções nas fronteira além de escolher os principais homens para fazer a segurança de Eva no hospital, o caminho até lá parece ter durado horas tamanha a angústia se cravando em mim, os pensamentos, as preces, a praga jogada nas minhas costas por Franco, agora gritando em um looping de culpa por ser tão confiante, se ele era um traidor devem ter outros, algo pode ter sido causado a ela.

 Seis meses, contei mentalmente, apenas seis meses de gestação, nós sabíamos que era uma gestação de risco, Eva tem pressão alta gestacional.

Ainda no automático, sentado num banco azul dentro do hospital de paredes brancas fazendo as luzes de led refletirem olhando os médicos correndo de um lado para o outro, em meio ao cheiro irritante do cloro usado para a limpeza notei o soldado ao meu lado, parece tão apreensivo quanto estou, em algum momento Eva tinha literalmente adotado Kyro como um irmão mais velho, mesmo que aquilo me matasse de ciúmes, sabia que ela precisava de companhia e as mulheres da família não são as melhores.

Arrogantes, frias e vazias por não serem apaixonadas pelos maridos, sentem inveja do que a minha francesinha tem comigo.

Devotado, fiel, apaixonado. Lembro de forma clara em uma vez, na reunião da família Lynxos, um Caporegime da cidade de Kislokan teve a coragem de dizer que eu tinha amolecido, sim, ele era corajoso de dizer algo assim, mas louco também.

Os caporegimes na sala, se calaram para ouvir minha resposta. Se tivesse dado uma com palavras, o vermelho nos meus olhos só sumiu quando o babaca estava sufocando com o sangue da própria língua. Não existe nada capaz de diminuir o que sinto por Eva, e é tanto que chega a ser a segunda coisa mais preciosa logo após a Bratva. Jamais deixaria que algum idiota se desfizesse disso, muito menos tentasse diminuir a minha honra.

 Depois disso, eles entenderam o recado.

Perdido, nas lembranças não vi o homem se aproximar, um erro mortal na  minha vida criminosa. Se não fosse pelos soldados ao meu redor e meus inimigos não estivessem mortos por hoje, teria falhado com Eva.

– Roman Vassiliev ? – A voz do médico que acompanhava a gravidez de Eva ressoou grave, encontrei o seu olhar que me olhava com pena.

A dor no peito cresceu junto com o medo de não ver mais minha rosa.

–Aqui.

–Preciso que me acompanhe.

—Como ela está?

–Precisando de você. – Eu entendi o que seu olhar significa fazendo meu peito doer cada vez mais e ali ele cravou a faca no meu peito com as próximas palavras – Mas Senhor Vassiliev, ela não está bem. –  O medo do homem era nítido dançando na minha frente como labaredas acenando para o monstro adormecido depois da carnificina 

Puxei o homem pelas abas do jaleco deixando nossos rostos a centímetros, a recepção tão barulhenta, ficou silenciosa ao nosso redor talvez fosse possível ouvir uma agulha caindo no chão.

– Então trate de fazê-la ficar bem Dr. Ivanov.- Falei seu nome com tanta entonação que vi seu pomo de adão subir e descer, ele entendeu a ameaça .

O soltei avaliando o aceno se virando indicando para acompanhar, andei atrás dele, recebendo olhares silenciosos.

Eles sabiam quem eu era, um poderoso Magnata Russo de terno e o pakhan da Bratva, O Lobo da Rússia, a minha fama nunca foi boa.

Viramos no corredor, o cheiro de produtos de limpeza aumentando a minha irritação, com a demora para ver Eva deixando os meus pensamentos loucos para extravasar, passamos por um homem chorando enquanto uma médica falava, que apesar da sua esposa ter morrido o bebê estava vivo e o quanto era raro um dos dois sobreviver.

Senti um frio de mau agouro subindo pelas minhas costas.

Acompanhando o médico, viramos no corredor de paredes brancas o choro do homem rondando minha mente como uma canção.

Chegando à porta do quarto 315, vi a minha Eva, pálida, suando, tremendo, os olhos sem brilho enquanto estendia a mão pra mim. Corri e segurei suas mãos a abracei e beijei seus cabelos, outrora, tão brilhosos e agora opacos. Não ouvi, não vi, não conseguia tirar os olhos dela. Mas entendi.

 Nosso bebe iria nascer, ali.

Antes do tempo.

Corria o risco de perder os dois se o parto fosse adiado, Eva como a mãe que já era desde que descobriu a gravidez pedia que Ivanov salvasse nosso filho.

Já eu pedia a Deus que a salvasse, poderíamos ter outros filhos, mesmo que a dor continuasse, mesmo que nesse dia em diante fossemos ao cemitério chorar nossa dor.

Deus!

Não a tire de mim, eu não sou um bom homem.

Mas ela tem de mim o que ninguém nunca conseguiu.

- Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante. Sempre vou te amar meu Loup – Eva falou, suas palavras parecendo um sussurro, citando seu autor favorito, com um terno sorriso como se lembrasse de quando me fez ler esse livro.

-Não fale como se fosse me deixar meu amor, vou levar você e nosso filho pra casa. - Falei esperançoso de que os melhores médicos do país fizessem algo para ajudá-la.

Ela me olhou, segurando na minha mão e fez força.

-Você consegue Eva, mais um pouco e o pequeno estará aqui- O Dr. Ivanov disse, incentivando minha pequena.

A segurei com carinho querendo lhe dar as minhas forças, quando desmaiou nos meus braços.

Gritei pedindo ajuda e quando levantei os olhos, senti que meu coração se tornava duro como pedra ao ver meu pequeno Niko que estava ali roxo, enquanto um médico tentava trazê-lo de volta.

Ele já tinha partido.

Tentei segurar meus olhos cheios de lágrimas não derramadas sentindo a minha mulher ficar fria ao meu lado. Senti ser puxado enquanto me debatia para segurar Eva, os médicos correndo para atendê-la e rasgando o pequeno vestido hospitalar que usava.

Dando choques em seu peito, e gritando ordens enquanto o bipe infernal parou e anunciou sua morte.

- Hora da morte 4:55 da madrugada. – Ivanov disse-me olhando com pena.

Os braços de Kyro ainda me seguravam enquanto desabei, percebia o movimento  mas não sabia para onde estava sendo levado.

- Você precisa reagir Boss, a morte de Eva foi um plano dos traidores, uma conspiração para te deixar assim, vamos vingá-la. -Levantei os olhos para Kyro que parecia ter chorado por horas, antes de jogar essa bomba no meu colo.

-Onde estamos?

-Em casa Boss, já faz dois dias que ela se foi- Olhei para os lados e vi meus empregados de confiança me encarando, tão tristes quanto meu soldado.

-Como você descobriu isso? - Perguntei tentando voltar ao mundo real.

Um mundo onde Eva não está comigo.

-Estava fazendo a limpeza nas coisas da senhora - Ivynes a governanta que me foi minha babá, fungou e apontou para o motorista e a dama de companhia da minha esposa- Escutei eles falando sobre como precisavam enviar informações para Samantha de que o plano havia dado certo, avisei ao senhor Kyro sobre isso. Nós amávamos a senhora Eva, e esses dois ajudaram a matá-la.

Todos concordaram com a cabeça, enquanto Kyro falava a armação que fizeram para me tirar do comando da Bratva.

Na minha mente o lobo uivava com sede de sangue.

Depois disso o que destruí ou quem entrou na minha frente e matei, muito menos o álcool nada amenizou a dor que sentia.

Nem a vingança contra quem envenenou Eva, Asimov meu UnderBoss junto com Franco armou tudo achando que me tirariam do jogo, nem mesmo arrancar sua pele, olhos, dedos e deixar Samanta presa em um poço para morrer e virar comida de ratos.

Nada disso aliviou a minha dor.

O velório, o enterro e a casa vazia, suas roupas no armário, tudo tinha se tornado nada sem ela.

Não fui capaz de protegê-la nem ao nosso filho.

No meu peito, um órgão que batia vazio, voltei a ser o que era antes de Eva, um homem vazio, desprovido de sentimentos, desnudo de compaixão e tão frio quanto os mais longos invernos do meu País.

E eles voltaram a me chamar de Demônio.

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