Quatro anos antes

Roman

Contando as armas no galpão em Kislokan no local abandonado preparado para usarmos como ponto de contagem das munições, longe o suficiente de curiosos e perto o bastante dos meus olhos, depois de ter perdido minha mulher e filho passei a ter essa paranoia em relação a checagem dos carregamentos, mesmo fazendo uma limpeza na organização não confio em ninguém além da minha sombra. Poderia deixar tudo a cargo dos capos, mas confiança é algo que não dou a ninguém de graça muito menos ficar sem vigiar os negócios, por isso percebo mais uma vez não estou tão enganado assim, ao ouvir carros se aproximando, estou aqui apenas com Kyro e o alerta se acende antes mesmo de saber quem pode ser deveria ser apenas uma contagem simples e rápida.

–Kyro, veja quem é. – Disse ao meu novo UnderBoss, depois de descobrir tudo o que aconteceu embaixo dos meus olhos, coloquei meu único e leal homem ao meu lado.

Mas pelo som dos carros a limpeza que fiz na Bratva não foi suficiente, os ratos persistem em tentar tomar o trono, são como uma praga que se infesta e replica pelos esgotos, eles deveriam saber que sentar no inferno queima e morrer pelas mãos do demônio é uma tortura infeliz, pois nenhum deles vai durar muito nas minhas mãos.

Ninguém deveria saber que estamos aqui, ou seja, alguém deu com a língua nos dentes, ao menos já tenho alguns nomes na listavam apenas para separar as armas que vão ser enviadas para o Brasil, a terra em que as armas sempre faltam.

–Senhor, fomos traídos, não são nossos homens, já liguei para os nossos homens, o reforço vai demorar uns 15 min, coloquei dispositivos de segurança no galpão, podemos explodir tudo com eles dentro – Kyro falou rápido, fazendo o orgulho reverberar em meu peito.

O homem é o melhor que tenho, além de ser leal o que é imprescindível então lhe dar o cargo não foi protegê-lo e sim honrar todos os litros de sangue que derramou junto a todas as cicatrizes que tem pela Bratva. Coloco a mão para o lado e puxo a glock presa ao cinto na lateral da calça social acenando em positivo para que ele prepare uma das bombas que estão nas caixas, caminho para a janela a fim de checar ou tentar identificar quem são os idiotas, vejo os carros que viram a esquina da estrada de terra batida em velocidade para passar pelo portão da propriedade, pelo espaço da fresta da janela vejo os homens dentro dos carros, sou incapaz de reconhecê-los.

–Eles não são russos Kyro - Digo virando o corpo e encarando o olhar perplexo do soldado, enquanto coloca a última bomba embaixo de uma tábua em falso, as munições serão perdidas pela explosão mas isso não é problema desde que consiga pegar essas ratazanas soltas no meu quintal.

–Apresse-se garoto. – Ordeno com a fúria gritante reverberando na voz, observando os movimentos ágeis do soldado.

Ele terminou de mexer em alguns fios e ergueu o corpo e se aprontou segurando a arma em uma mão e com o detonador na outra mão. Observei tudo em silêncio cheio de orgulho do homem que meu pupilo se tornará, depois de tantos anos sendo treinado fazendo jus a determinação brilhante que vi naquele dia em seus olhos.

–Corra na frente Roman, vou acionar o dispositivo. - Disse ao me encarar com aquele sorriso de deboche, como se eu fosse deixar que levasse todas as honras ao lidar com esses paspalhos.

–Estou na merda com você moleque, se vamos morrer que seja como os homens honrados que somos.

O idiota riu com o apelido e me prometi que saindo vivos lhe daria uma surra dentro do ringue na sede para esfregar a cara metida no chão. Por isso me coloquei atrás de algumas caixas tomando um posicionamento para não ser acertado enquanto os homens começaram a entrar dentro do galpão atentos aos movimentos comecei a disparar na direção deles aproveitando o pente cheio da arma um pouco aborrecido por não ter tempo para estraçalha-los da forma que gostaria ,mirei e atingi um na cabeça logo outro vindo atrás no pescoço quando senti uma pancada na cabeça ficando um pouco zonzo, ao me virar senti o sangue do idiota espirrar no rosto, como um banho de tinta.

–Você está ficando velho mesmo Chefe. - A voz do idiota ainda rindo, debochando pelo lapso que poderia ter custado a minha vida.

–Vou te mostrar o velho quando chutar a sua bunda mais tarde, vamos aproveitar enquanto eles vão recarregar as armas. - Falei rápido.

Kyro sinalizou com a cabeça.

Nossas armas estavam descarregadas, assim que os tiros cessaram corremos como adolescentes na direção da segunda saída do galpão, com os invasores gritando nas nossas costas e por um momento com a chance real de morrer, ri, meu soldado deve pensar que perdi a cabeça de vez.

Só me imagino encontrando com Eva onde quer que esteja, e logo engulo em seco.

Lembrando que no céu que ela deve estar o meu padecer seria no inferno e esse seria o castigo.Nunca a rever. Voltei a realidade em que vivo sem ela, numa vida amarga e infeliz vivendo apenas para a esposa que jurei dar a vida, olho para trás vendo os homens perto o suficiente.

– Exploda essa merda Kyro, eles estão nos alcançando, Porra!- Gritei com o homem.

–Você pode querer morrer, mas eu não quero caralho, corre mais rápido. - O idiota vai levar duas surras por me afrontar.

–Se prepare em 5,4,3,2,1. - Gritou logo depois acenando.

O disparo ensurdecedor da bomba junto ao impacto nas minhas costas me fizeram voar, senti uma dor no estômago queimando entendendo que havia sido atingido caindo no chão, colocando as últimas forças para levantar a cabeça, vi Kyro lutando com Yudovich um Caporegime de Níjni Novgorod.

Queria entender o que falavam pois o ódio estava gritando por sangue, mas só sentia a escuridão levando a melhor o estrago fazendo o efeito, a dor do tiro no meu abdômen, acabou arrancando um sorriso.

Imaginando que dessa vez morreria, dessa vez vou poder ir direto para o inferno que duvido ser pior do que acordar todos os dias sem Eva, relembrando a dor de perdê-la o gosto doce dos seus lábios. Nenhuma dor causada nessa casca que chamo de corpo se compara com os pesadelos recorrentes e a verdade crua, dura de precisar dormir em outra cama pois na nossa ela não está mais.

Devo ter desmaiado, acordado por momentos curtos quase sem lucidez. Sentindo os flashes das pessoas gritando me esforçando para abrir os olhos vi um teto branco, a luz ofuscante machucando as minhas órbitas ressecadas, a voz do idiota que é meu único amigo gritando com alguém, talvez tenha sentido meu olhar porque agora ele está gritando comigo, enquanto abro um sorriso curto com esforço.

Não consigo responder, não consigo pronunciar que ele é um moleque idiota e por isso precisa continuar vivo. Sinto todas as minhas forças se esvaindo, se perdendo, sou engolido pelo frio abraçado por um manto sombrio.

A consciência vai para a escuridão e volta num tique tac como as batidas de um relógio de pulso marcando o que imagino ser os últimos momentos, os cabelos ruivos brilhando com vida suas costas alvas no horizonte usando um vestido branco, sou capaz de sentir o cheiro do perfume doce trazendo uma emoção desconhecida.

Não sei que horas são o que está acontecendo quando ela se vai, se afastando cada vez mais onde estou escuto uma voz melosa chamando, pensei ser minha bela Eva.

Mas ela não estaria comigo no inferno, jamais seria capaz de entrar no paraíso para encontrá-la, então porque essa voz soa como a de um anjo?

Tentei me concentrar sendo atraído pela melodia do timbre diferente do sotaque estrangeiro um canto de sereia, sentindo um calor queimar por dentro ao escutá-la querendo abrir os olhos para enxergar se é tão bela quanto sua voz, sendo vencido pelo cansaço.

–Eu não sei quem você é, mas acorde anh, fiz um ótimo trabalho para que entregue os pontos assim, me disseram quem você é, aquele seu amigo é um porre inclusive. Você é um crime querido, lindo e perigoso. – E uma risada tão contagiante preencheu o silêncio e a solidão que sentia reafirmando o desejo de querer abrir os olhos para vê-la – Veja bem, preciso ir.- A sensação da proximidade se foi escutei a porta bater, conseguindo abrir os olhos com a garganta seca, percebendo a claridade do quarto notando estar em um hospital, ficando irritado por não encontrá-la.

A garganta seca causando incômodo e a raiva por estar vivo me atinge com tudo, o inferno da vida continua junto com as memórias.

Sem Eva, sem Niko.

Escuto a porta se abrir e tento virar a cabeça, na esperança de ver a mulher que falava comigo querendo entender como foi capaz de obrigar a minha alma a sair do limbo.

–Por Deus! Ele acordou - Reconheço a voz

Kyro me olha sorrindo, por um minuto fico decepcionado. Será que foi uma ilusão ou um sonho?

Aquela voz não era da minha rosa.

As mãos de Kyro nos meus ombros me fazem voltar ao momento

–Quem estava aqui Kyro?- Minha garganta falha e me incomodo com a rouquidão.

Levo a mão para o copo de água ao lado, segurando minha mão ele enche o copo de água, aproximando o copo de papel dos meus lábios tomo em um gole longo gemendo com o toque do líquido contra a garganta dolorida.

–Essa é sua primeira pergunta depois da quase morte? - Ele debocha retirando o copo dos meus lábios para colocar de volta no aparador. Sinto o corpo tremendo com esforço mínimo feito, a cabeça girando e a voz continua rodando pela minha mente como se estivesse resgatando a alma que não tenho do purgatório. Médicos entram correndo pelo quarto, fazendo perguntas idiotas e examinando cada parte, nenhuma voz parecida com aquele nenhum traço da sereia.

Enquanto isso, Kyro fica imóvel no fundo da sala observando tudo, o olhar atento, curioso e um brilho leve. Seu rosto noto que agora com uma cicatriz na sobrancelha, a mão enfaixada e o olhar de sempre misturado com o sarcasmo idiota.

Espero todos saírem para perguntar de novo, mas logo ele responde antes que pronuncie as palavras.

–Apenas médicos e enfermeiras entram no seu quarto Pakhan.

Olho para cima, lembrando da voz suave, da melodia perfeita e em com desejei abrir os olhos mais uma vez para encontrar a dona, tomado pela necessidade de descobrir quem era, o que fez e porque me trouxe de volta quando desejava apenas ir embora de vez desse martírio.

Deveria entender que vaso ruim não quebra tão fácil o pagamento dos meus pecados, é permanecer vivo, é trazer a ruína aos crentes e fazer os descrentes orarem por perdão. Em nenhum dos dias que se passaram desde que acordei fui capaz de encontrá-la e isso só aumentou a raiva despertada por ela se misturando a uma loucura.

Alguém com uma voz tão encantadora e pura deveria ter um pouco mais da noção do perigo ao acenar de forma tão doce em frente aos delírios do diabo, agora, desejo arrasta-la para esse mar de lava que carrega toda devassidão da minha alma, querendo corrompe-la e puni-la. Principalmente por me fazer querer ter outro anjo em meus lençóis.

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