Capítulo 2

"As melhores coisas acontecem por acaso."

- Procurando Dory

Vicenzo Fraga

Minha manhã tinha sido muito doida. Minha melhor amiga, a quem sempre tratei como irmã, me deu a notícia de que estava grávida, e ainda por cima, de mim. Não sabia como reagir.

Escolhi acalmá-la e manter a calma, não foi muito difícil já que sempre fui bom em esconder meus sentimentos. Lembro vagamente da noite que essa criança foi concebida, mas prefiro não pensar nisso, pois toda vez que penso uma sensação estranha me atinge.

Enquanto minha atual namorada, Sara, mexia algo em uma panela e falava enciumada sobre a conversa íntima que tive com Melinda mais cedo, eu só conseguia imaginar como seria quando eu contasse que ela estava grávida de um filho meu.

— Eu queria só ver se fosse eu com um "amigo" todo abraçados na minha cama — ela murmurou, batendo o pé enquanto mexia a bendita panela.

— Se fosse seu amigo há tanto tempo como eu sou da Melinda, eu iria entender. Você sabe que a Melzinha está ainda mais sensível desde que a avó dela faleceu, e ela é minha melhor amiga há tanto tempo...

— Muitas pessoas morreram, Vicenzo. Estamos em uma pandemia mundial...

— Não desmereça a dor do outro. Sim, morreram milhares de pessoas, mas essas mortes não são números, são pessoas com histórias — falei irritado. — A vovó Marta era uma fofa, ela me ajudou tanto quando os meus pais se divorciaram. Eu sinto falta dela. Depois veio tanta coisa na cabeça da Mel, está a mil.

Preferi não contar naquela tarde sobre meu filho, quem sabe outro dia eu a conto. Ela continuou a resmungar que nós dois tínhamos que superar, que está todo mundo sofrendo. Sem nem abrir a boca, peguei alguns processos e comecei a dar uma olhada, ainda ouvindo a garota tagarelando, mas nem prestava atenção no que ela tanto reclamava.

Depois de terminar de fazer um jantar, muito bem preparado por sinal, cedeu e parou de falar sobre minha melhor amiga. Porém, só quando ela parou de falar, lembrei que a Mel tinha dito que tinha passado mal no dia anterior, e me preocupei.

Enquanto Sara falava algo sobre a forma que eu organizava minhas camisetas, disquei o número da Pequena. O fato dela não atender me deixou agoniado, mas era melhor não ficar paranóico.

— Você sabe que eu odeio que você deixe as roupas assim, custa organizar por cor? E até parece que foi a Melinda que arrumou isso aqui — ela falava sem parar.

— Até parece que a Mel ia fazer isso e eu gosto das minhas roupas assim — falei, mas me arrependi em seguida.

— Eu não entendo você, um advogado de prestígio, filho de uma grande juíza, não pode se vestir com essas roupas — ela falou, jogando minha blusa em construção que a Mel me deu quando comprou uma para ela.

— Não jogo as minhas roupas fora, principalmente esta. Foi presente...

— Claro, a Mel te deu, ela tem uma igualzinha...

— Eu preciso trabalhar, só não jogo nada fora.

Sara, depois de muito falar, trocar as coisas de lugar e opinar sobre minha mesa de centro, sentou-se no meu colo, passando a mão no meu cabelo. Essa garota tinha um poder de fazer qualquer um esquecer-se de tudo com apenas alguns toques. Falo sério, ela deve ser uma meta-humana, ou uma mutante.

Ela logo começou a me beijar e eu não resisto a essa mulher. Aos poucos, os beijos foram ficando mais intensos e ela tirou a minha camisa. A peguei no colo e fomos nos beijando até o quarto. A joguei na cama e ela já tirou o seu vestido. Beijei seu pescoço e fui descendo até o seu sutiã de renda amarela que contrastava perfeitamente com o seu tom de pele, e que preta gostosa é a minha namorada. A Sara me puxou pelo pescoço e logo inverteu a posição, ficando em cima de mim. Ela passou as unhas pelo meu peito, me fazendo arrepiar.

— Eu quero o meu homem só para mim — ela falou e foi descendo até minha bermuda, com um sorriso sexy.

Meu celular tocou interrompendo nosso momento. Ela puxou nesta hora, apenas levantei o braço, ele estava carregando na bancada de cabeceira, porque o toque que soou era o que sempre tocava quando Melinda ligava.

A Sara saiu de cima de mim e se jogou do meu lado, frustrada, mas assim que atendi, ela voltou a me beijar como se tivesse desistido de desistir.

— Alô? — falei, tentando sair dos beijos da minha namorada.

— Te acordei? — perguntou com uma voz receosa.

— Não.

— Você me ligou?

— Sim, queria saber como você estava. — Levantei finalmente, me livrando das mãos ferozes da Sara.

— Estou parada num cruzamento com o carro sem funcionar — bufou. — Vou ter que desligar para ligar para o seguro, depois te ligo, ok?

— O que você está fazendo a essa hora num cruzamento com o carro quebrado, dona Melinda? — fui grosso.

Me vesti rápido e caminhei até o balcão da cozinha, peguei minhas chaves do carro e a carteira.

— Precisava de bolo de ameixa com doce de leite — ela contou. — Agora tenho que desligar para ligar para o seguro. Beijinhos.

— Onde você está, Melinda Nowak de Sá? — perguntei autoritário.

— No cruzamento a três quadras da minha casa. Depois que saí da padaria Bariloche.

— Estou indo aí.

Abri a porta do apartamento, mas voltei logo para pegar uma camisa.

— Não precisa...

— Daqui cinco minutos eu chego — e desliguei o celular.

— Aonde você vai? — Sara cruzou os braços, nervosa.

— Preciso buscar a Mel, Sara. É urgente.

— Sempre é urgente! Tudo quando se trata dela é urgente! — ela falou e começou com histeria.

— Meu anjo, eu realmente preciso ir agora.

— Pode me deixar em casa? Eu não vou ficar te esperando — perguntou ríspida.

Assenti. Ela se vestiu, pegou a bolsa e coloquei a camisa. Fomos pegar o elevador. Peguei a marginal a quase 100 por hora, e tirando o barulho do ar condicionado, o silêncio dominava o veículo. Estacionei o meu carro atrás do Gol vermelho dela. Ela adorava tanto aquela lata velha. Desci do carro, deixando uma Sara furiosa soltando fogo pelo nariz.

Me aproximei do vidro e dei algumas batidinhas. Ela deu um pulo e eu comecei a rir da cara de espanto que ela fez. Melinda abriu a porta e me olhou brava.

— Vicenzo Acendino Ferrera Fraga, você quer me matar de susto? — ela falou e fiz careta. Eu odeio este nome de velho, e a Mel é uma das poucas pessoas que sabe o meu nome completo.

— Abre o capô, me deixa ver o que aconteceu — acabei rindo da cara dela.

Dei uma olhada no motor e, depois de pedir para que ela acelerasse, cheguei à conclusão de que a bateria tinha arriado.

Fui até a porta e ela desceu do carro. Notei no canto da sua boca uma gotinha de chocolate, sorri e passei o dedo limpando.

— Pelo visto não sobrou nada desse bolo pra mim, hein.

— Não mesmo. O que tem o carro?

— Bateria. Vou fazer uma chupeta e volta a funcionar rapidinho.

Fui até meu carro pegar os cabos e pedi para que Sara saísse. As duas garotas trocaram algumas palavras e depois ficaram paradas. Fiz a chupeta em não muito tempo. Quando fechei o capô, vi Melinda segurando o cabelo e vomitando na calçada. Sara estava estática, apoiada no carro. Caminhei até minha amiga e passei a mão nas costas dela.

Realmente, os sinais da gravidez estavam nítidos há muito tempo. Lembrei-me de uma festa que fomos mês passado. Era aniversário de um amigo nosso da faculdade, e ela passou muito mal, enjoada por causa da comida.

Conversei um pouco com ela e resolvi que iria para o apartamento dela. Me despedi da Sara, que não parecia nada feliz com a ideia de ir embora com meu carro, e fui para o Gol vermelho, que eu detestava dirigir.

Observei como ela olhava fissurada para o bolo e comecei a rir. Isso não era só efeito da gravidez, a garota era magra de ruim, pois comia tudo que via pela frente.

— Isso tudo é vontade de comer esse bolo? — perguntei enquanto dava partida.

Conversamos mais um pouco e depois o silêncio tomou conta do lugar. Brinquei um pouco com ela e logo já estávamos no apartamento todo bagunçado dela.

Nem parecia ser de exatas, aquele lugar deveria ser interditado por tanta bagunça. Era limpo, muito limpo até, mas era tanta coisa espalhada, que chega dava agonia em mim que sempre fui criado sobre as rédeas curtas da minha mãe.

Melinda se deitou no sofá e eu fui cortar o tão aguardado bolo de doce de leite com ameixa. Coloquei em um dos pratos de flor que ela tinha e lambi o dedo sujo de doce de leite.

Olhei por cima do balcão da cozinha americana; ela passava a mão na barriga, seu rosto com uma expressão leve e encantadora. De todos os sentimentos que poderiam me atingir, foi o medo que se destacou. Eu não era capaz de dar tudo o que Melinda merecia. Aquela garota era tipo, perfeita. Encarei-a novamente com um sorriso. Os óculos quadrados em seu rosto fino e delicado a faziam parecer uma nerd, algo que ela assumia ser.

Caminhei até ela, que sentou e pegou o prato da minha mão sem cerimônia. Levantei seus pés e sentei, segurando seus tornozelos.

— Ótimo! Faça uma massagem nos meus pés.

— Que folga é essa? — sorri e comecei a apertar o lado interno do seu pé. — Não vai me dar um pouco de bolo?

— Não vou. — ela falou e colocou um pedaço grande na boca.

Parei a massagem e ela grunhiu, então esticou um pedaço de bolo na frente da minha boca. Minhas mãos voltaram para seus pés e abri a boca para que ela colocasse o bolo nela.

Mordi o dedo dela, que começou a bater os pés nas minhas coxas. Comecei a rir e, quando limpei todo o doce de leite do seu dedo, deixei-a tirar a mão da minha boca.

— Que nojo, Vini! — ela reclamou rindo.

— Como se a gente não compartilhasse tudo. — Ela revirou os olhos e olhou para o prato com uma careta. Era óbvio que ela não conseguiria comer um bolo inteiro sozinha.

Estendi a mão e coloquei o prato sobre a mesa de centro. Melinda chupou os dedos para limpar e voltou a deitar, com os joelhos sobre mim.

Arrisquei subir um pouco a mão até a barriga dela. Como não havia percebido? Talvez por ela ser bem magrinha e sempre usar moletom, tenha conseguido esconder isso.

Alisei com cuidado, com medo de machucar o bebê ou até mesmo ela.

Acho que a ficha ainda não tinha caído. Eu vou ser pai? Eu não fazia ideia de como cuidar de mim mesmo, quem dirá de uma criança. Olhei para Melinda, que encarava minha mão, e notei seus olhos por baixo dos óculos. As olheiras e a vermelhidão denunciavam um longo dia de choro. Se tinha uma coisa que me agoniava, era isso.

Levantei do sofá e sentei no tapete, mais próximo ao seu rosto. Tirei um fio de cabelo dourado do rosto dela e, em seguida, os óculos que nem tinha visto ela colocar. Coloquei-os sobre a mesa e então pude ver melhor o inchaço.

— Não, eu não estou bem. — ela falou, abrindo um sorriso torto.

— Vai ficar tudo bem, Lindinha. — falei para ela, embora minha cabeça só conseguisse dizer o contrário.

— Não sei, Vinny. Eu realmente não sei! — bufou.

— Vamos marcar um médico para você, para saber se o nosso filhinho está bem, e vamos contar para meus pais, para seus pais e para a Sara. — Fiz carinho em sua bochecha. — Teremos esse bebê e tudo vai ficar bem.

Melinda assentiu e fechou os olhos, aproveitando o carinho que eu fazia em sua bochecha corada. Com a outra mão, afaguei seu cabelo e não demorou para que sua respiração se estabilizasse.

Fui até seu quarto, o único lugar arrumado daquele apartamento. Tirei a primeira camada de edredom e arrumei os travesseiros. Voltei à sala e peguei Melinda em meus braços, caminhei novamente para o quarto e a coloquei na cama.

Levantei o edredom até seu abdômen, onde passei a mão. Ser pai era muito estranho; eu jamais me imaginei com um filho antes dos 30 anos. Dei um beijo no topo da cabeça dela e voltei para a sala.

Fechei todas as janelas e apaguei a luz. Peguei o telefone sem fio, já que o meu celular não tinha carregado o suficiente, e o carregador da Mel não servia no meu celular. Disquei um número que eu sempre discava em emergências.

— Alô? — a voz rouca da minha sobrinha soou do outro lado da linha.

— O que você está fazendo acordada a essa hora, menina? — Sorri e me joguei no sofá.

— Estou assistindo um filme muito legal.

— E a aula amanhã?

— Ah, não tem problema não. Você sabe que eu sou uma ótima aluna.

— Hum, sei! Cadê seu pai?

— Pai! — ela gritou, e eu tirei o telefone da orelha. — Ele já está vindo. E aí, tio, faz tempo que você não aparece para eu vencer você no Free Fire.

— Me sinto intimidado, sabe como é, né. — Falei e dei risada.

Minha sobrinha era minha grande paixão. Aquela menina desde pequena sempre encantava todo mundo, tinha os olhos mais lindos do mundo, sem contar na inteligência dela. Não que eu seja um tio coruja; ah, na verdade, eu sou sim.

Desde que comecei a namorar Sara, a vi muito pouco; sentia saudades, pois, desde seu nascimento, eu era um tio babão. No começo da pandemia, ela ficava comigo, já que meu irmão é médico e estava na linha de frente no combate à COVID, e na época eu estava...

— Maria perdeu a mãe quando nasceu; a mãe dela foi o grande amor da vida do meu irmão; meu sonho é um dia viver um amor desses.

— Depois que comecei a namorar essa tal de Sara, nem lembro mais da família. — Ela falou na lata, e eu comecei a rir pela sua sinceridade.

Ouvi meu irmão reclamando com ela, e Maria começou a bufar.

— Prometo que vou aí no máximo até o final de semana.

— Acho bom. Agora, meu pai tá querendo falar aqui! Tchau, tio.

Adorava a personalidade dessa menina; era incrível como ela lidava com tudo. Ouvi Rick mandando-a ir dormir antes de pegar o telefone.

— E aí, Vinny? — Ele falou espontâneo.

— Rick, acho que estou ferrado. — Falei na lata, afinal, estou muito confuso, e a única pessoa que me ajuda nessas horas não pode ficar nervosa.

— O que aconteceu, garoto? — Ele perguntou preocupado.

— Eu vou ser pai.

O silêncio dominou a linha do lado de lá, só ouvia a sua respiração, até podia imaginar sua boca aberta com a notícia.

— Que? — Ele falou de repente.

— Eu vou ter um filho, Rick. Você vai ser tio. — Falei meio nervoso.

— A Sara está grávida? — Ele praticamente gritou.

— Fala baixo, não quero que Maria escute. — Falei — Não, não é a Sara.

— Calma aí, me deixa ver se eu entendi. Você engravidou alguém e não é a sua namorada? Meu irmão, sinto lhe dizer, mas a mamãe vai arrancar seu couro. Quem é a garota?

— É a Melinda.

— O quê? — Mais uma vez o tom de espanto surgiu — Você precisa explicar melhor isso!

— Posso passar aí amanhã depois do expediente?

— Pode vir até agora, se quiser. Puxa, Vince, estou muito confuso!

— Agora não dá, estou na casa da Mel, ela está dormindo, e não quero deixá-la sozinha. — Passei a mão pela cabeça. — Você acha que estou muito ferrado? — perguntei.

— Acho. — Ele respirou fundo. — Mas sempre tem solução. Como ela está?

— Está tendo vários desejos e vomitando que só. Como eu vou contar para a Sara? Ah, mano, eu tô fodido.

— Vou mentir não, você está mesmo. Mas relaxa aí, vamos encontrar um jeito de contar e resolver tudo isso...

— Obrigado, mano! Valeu mesmo! Amanhã passo aí pela noite.

— Vou esperar.

Desliguei o telefone e fui comer um pedaço do bolo que estava na mesa de centro. Se sem estar grávido eu desejo esse bolo, imagino a Melinda, que estava.

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Continua...

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