Capítulo 1

"Não há como saber qual é o lugar mais seguro, então o melhor a fazer é estar em boa companhia."

-How I Met Your Mother

Melinda de Sá

05 de Abril de 2022

Estou extremamente nervosa, não acredito que isso está acontecendo comigo. A única coisa que posso fazer agora é esperar que meu melhor amigo me ajude.

— O que é isso? — ele perguntou com os olhos arregalados.

— O... que parece... ser. — respondo em meio às lágrimas.

— Melinda, o que é isso? O que isso significa? — ele perguntou meio confuso e sentou ao meu lado na cama.

— Eu estou grávida, Vicenzo. Grávida de três meses!

— Como assim, Melinda? Três meses e você só descobre agora?

Quando ele falou isso, as lágrimas e soluços me dominavam, eu tinha dificuldade para explicar. Meu melhor amigo então me puxou para um abraço e afagou meus cabelos.

— Você sabe que tenho deficiência de progesterona, achei normal minha menstruação não vir, não desconfiei até passar mal ontem. — meus ombros subiam e desciam, eu estou muito nervosa e muito assustada.

— Por que você não me ligou? — ele perguntou ainda fazendo carinho em mim.

— Não sabia qual seria a sua reação. — quando falei, ele parou de me abraçar.

Vicenzo se levantou e caminhou, passando as mãos pelos cabelos negros. Sentou no chão à minha frente e eu encarei seus olhos azul como o mar.

Suas mãos seguraram as minhas, senti o calor emergir delas e me confortar.

— Não precisa ficar com medo da minha reação, aliás, a culpa também é minha, né? — ele suspirou e olhou para o lado. — Não deveria ter ficado bêbado naquele dia.

— Nem eu. — levei a mão até meus fios de cabelo liso.

O Vicenzo começou a rir e eu o encarei, do que ele estava rindo? Não era pra ele rir, não era nada engraçado.

— Eu nem posso me perguntar se usamos camisinha, só nos lembramos de acordar nus no outro dia...

— Isso não é engraçado, Vicenzo. O que sua mãe vai achar disso? — eu arregalei os olhos só de pensar. — O que a Sarah vai pensar sobre isso? Ai meu Deus, Vince! — as lágrimas voltaram a escorrer pela minha bochecha avermelhada.

— Mel, eu não estava namorando, a Sarah e eu tínhamos terminado e ficamos quatro meses separados, e só voltei com ela um mês depois daquela noite, eu não a traí, então não há o que temer. — o Vicenzo falou tentando me acalmar.

— Ela já não gostava de mim, imagine quando descobrir que eu estou esperando um filho seu? — falei e solucei, e levei a mão até meu ventre.

Meu filhinho não merecia vir ao mundo nesta confusão toda, não era o momento certo nem a pessoa certa. Eu amo o Vicenzo, mas como amigo.

— Você é minha melhor amiga, veio antes dela, não acha que vou te deixar grávida, descalça e sem amparo por ciúmes, né?

Sorri pela tentativa dele de me animar. Desci da cama e passei os braços pelo pescoço dele. Vicenzo era o melhor amigo que poderia ter.

A porta do quarto se abriu e uma Sarah alegre entrou, até me ver abraçando o namorado dela. Me afastei dele rapidamente e olhei para os lados, secando as lágrimas. Vicenzo levantou e foi dar um beijo na namorada que, ciumenta como era, ficou de cara feia.

Bom, deixa-me explicar melhor essa história.

Conheci o Vicenzo ainda no final do ensino fundamental. Ele morava em Brasília e se mudou para São Paulo junto com seu pai, aí teve que ingressar na escola que eu já estudava desde pequena no meio do ano.

Sempre fui muito sozinha, gostava de me dedicar aos estudos e não entrava muito na bagunça, uma típica nerd. Mas um certo dia, um garoto extrovertido, inteligente e gato entrou na minha sala.

A princípio o ignorei assim como ignorava a todos. Até que em uma das interclasses, o professor de educação física, a pior matéria que poderia existir, me obrigou a jogar caso quisesse ter nota para passar de ano.

Lembro como se fosse ontem o péssimo jogo que tive e a brusca queda ao tentar fazer uma cesta; nessa queda, acabei quebrando meu braço esquerdo. Quando acordei no hospital, lá estava tal garoto chamado Vicenzo. Ele tinha sido designado pelo professor, que estava mais preocupado em ganhar os jogos do que com sua aluna de braço quebrado, para ficar comigo até meus pais chegarem.

O Vicenzo começou a conversar comigo e querer saber mais sobre mim, e eu retribuía todas as perguntas, e acabamos que não nos separamos mais depois daquele episódio.

Fizemos faculdade na PUC, ele direito como seus pais sempre sonharam e eu engenharia. Tínhamos terminado há pouco mais de três anos a faculdade, ele já trabalhava num grande escritório junto com o pai dele, que na verdade é um dos donos junto com a mãe dele, e eu em uma imobiliária ...

Tudo ocorria bem, até que na noite de Ano Novo de 2021 para 2022, bebemos a noite toda até não termos nem ideia de quem éramos. Depois de ficarmos tanto tempo em casa, tudo que queríamos era curtir um pouco, mas exageramos. Só me lembro de acordar no outro dia, nua na cama de conchinha com ele.

Decidimos esquecer o incidente, até porque ele logo reencontrou a Sarah, uma garota de 20 anos que trabalhava no mesmo escritório que ele. Completamente insegura, sempre teve muito ciúmes da nossa amizade. E se tinha antes, quero ver como ficará quando descobrir que estou esperando um filho dele.

Encarei meu amigo sem graça, era melhor deixar os dois sozinhos para que ele desse a notícia para a menina.

— Bom, acho que vou indo. — tentei sorrir.

Peguei meus óculos quadrados que estavam sobre o criado-mudo e saí do quarto. Minha bolsa estava em cima do sofá junto com minhas sapatilhas. Vincenzo me seguiu até a porta e deu um beijo na minha testa, e coloquei a máscara antes dele abrir a porta.

— Te ligo mais tarde. — ele falou.

Assenti e fui pegar o elevador do prédio. Passei a mão no meu ventre enquanto esperava para chegar até o térreo. O que seria dessa história? Ah, eu estou tão perdida.

E quando contasse para meus pais? Meu pai e meu irmão mais velho me matariam. Limpei mais algumas lágrimas. E a mãe de Vincenzo então? Que sempre colocou as expectativas no filho, o que ela ia dizer que uma mulher que não era a namorada dele estava grávida dele?

Minha cabeça rodou com todos aqueles pensamentos.

Desci no térreo e caminhei para o estacionamento. Entrei no meu gol vermelho e dirigi para meu apartamento, não muito longe dali. Por ter passado mal no dia anterior, tinha pegado um atestado de três dias. Assim que cheguei, me joguei no meu sofá e desencadeei a chorar.

Não podia ter acabado com minha vida desse jeito, ainda tinha tanta coisa para fazer: minha pós-graduação, minhas viagens, conhecer o amor da minha vida.

Mas quem iria querer uma menina de 24 anos que já tinha um filho? Um soluço saiu profundo da minha garganta. Alisei meu ventre. Ao mesmo tempo que estou surtando, estava feliz por ter um serzinho crescendo dentro de mim.

Em outras épocas, eu correria para o colo do meu amigo e choraria até ficar desidratada, mas mesmo sabendo que agora ele estava do meu lado, eu não queria pressionar ele a nada. Respirei fundo, sequei minhas lágrimas e fui até a geladeira. Não tinha nada que eu queria comer, voltei a chorar de novo e peguei uma panela para fazer um brigadeiro. Assim que terminei, coloquei na geladeira e fui tomar um banho.

Me despi e parei em frente ao grande espelho que tinha no meu quarto. Como não notei esse inchaço? Minha barriga já estava mais achatada. Como não notei? Passei a mão com cuidado e carinho. Não era uma criança desejada, mas era minha criança e eu faria de tudo para protegê-la de tudo. Entrei no chuveiro e passei shampoo nos meus fios de cabelo loiro. Me ensaboei e fiquei pensando por um bom tempo enquanto a água quente caía sobre minhas costas.

Saí do chuveiro e vesti um pijama velho. Penteei meus cabelos e logo estava assistindo uma comédia romântica e comendo meu brigadeiro. A noite foi chegando e junto com ela meu sono. Meus olhos pesaram e não demorei a dormir. Mas não dormi por muito tempo, ou pelo menos pensei que não.

Acordei com a boca salivando por conta de um sonho com um bolo de ameixa com doce de leite. Olhei o relógio e já eram quase onze da noite.

— Bem que eu tinha estranhado essas minhas vontades repentinas ultimamente. Como foi que eu não desconfiei de uma gravidez? — me perguntei.

Acordei com a boca salivando por conta de um sonho com um bolo de ameixa com doce de leite. Olhei o relógio e já eram quase onze da noite.

— Bem que eu tinha estranhado essas minhas vontades repentinas ultimamente. Como foi que eu não desconfiei de uma gravidez? — me perguntei.

Assim como havia feito nos meses que antecederam a notícia e eu sentia essas vontades repentinas, levantei, vesti um moletom confortável e peguei as chaves do carro e o celular.

Peguei o elevador e desci no subsolo. Caminhei até meu Golzinho e depois dirigi até uma padaria que ficava um pouco distante dali, mas tinha o melhor bolo de ameixa com doce de leite do mundo.

Estacionei na frente do lugar e comemorei por ainda não ter fechado. Corri para dentro e fui logo para as prateleiras de bolos. Peguei um inteiro para realizar meu desejo, porém, assim que vi um de cenoura com chocolate, minha boca salivou. O peguei também e fui para o caixa. Peguei mais alguns chocolates e entreguei para o homem do caixa.

Paguei tudo e fui para o carro. Não via a hora de chegar em casa e me deliciar com aqueles bolos. Parei em um cruzamento por conta de um sinal vermelho, porém, assim que o sinal abriu, o carro não deu partida, não saiu do lugar.

— Era só o que me faltava — lamentei.

Saí do carro, tomando cuidado com os outros que passavam por ali, e abri o capô. Tentei analisar o que estava acontecendo, mas mesmo eu entendendo muito bem desta parte, tinha esquecido os meus óculos e minha visão de perto não estava das melhores. Bufei frustrada e voltei para dentro.

Tentei mais uma vez dar partida, mas o carro tinha morrido. Meu Golzinho, que eu tinha desde a faculdade, nunca tinha me deixado na mão. Peguei meu celular para ligar para o seguro, mas tinha uma ligação perdida do Vince, então retornei. No terceiro toque, ele atendeu com uma voz preguiçosa.

— Alô?

— Te acordei? — perguntei receosa.

— Não — ele falou e, pelo som, ele estava se levantando.

— Você me ligou? — perguntei, mesmo sabendo.

— Sim, queria saber como você estava — engrossou mais a voz.

— Estou parada num cruzamento com o carro sem funcionar e, para piorar, esqueci os óculos — bufei. — Vou ter que desligar para ligar para o seguro, depois te ligo, ok?

— O que você está fazendo a essa hora em um cruzamento com o carro quebrado, dona Melinda? — ele perguntou com a sua voz séria. — E você é praticamente cega. Como está sem os óculos? Está querendo provocar um acidente?

— Precisava de bolo de ameixa com doce de leite — contei. — E eu não sou quase cega. Eu estou de lente. Agora tenho que desligar para ligar para o seguro. Beijinhos.

— Onde você está, Melinda Nowak de Sá? — ele perguntou autoritário.

— No cruzamento a três quadras da minha casa. Depois que saí da padaria Bariloche — disse, revirando os olhos.

— Estou indo aí.

— Não precisa.

— Daqui cinco minutos eu chego — ele falou e desligou o celular.

Bufei nervosa. Eu podia muito bem me virar sozinha. Coloquei o celular no banco do passageiro. Sem aguentar mais o cheiro do bolo quentinho de cenoura, peguei o embrulho e, pelo menos esse estava cortado, o que facilitou para que eu comesse.

Quando olhei a bandeja de isopor, só faltava um pedaço. Lamentei por isso e aproveitei ao máximo aquela última fatia. Os carros passavam a toda velocidade, o que me deixou preocupada, já que algum poderia bater na traseira do meu a qualquer momento.

— Se eu tivesse ligado para o seguro, já teriam chegado — cruzei os braços irritada. — Por que o Vince tinha que ter inventado de vir me buscar? Só porque estava com o filho dele na minha barriga?

Respirei fundo e minha consciência me lembrou de que ele era meu melhor amigo antes dessa loucura de pai do meu filho.

Lembrei-me da noite do meu aniversário de 19 anos, quando fui abandonada num hotel por um garoto estúpido que tinha conhecido e achava que gostava de mim. Naquela noite, liguei desesperada para meu melhor amigo, que foi me buscar. Lembro-me de chorar muito e me sentir uma idiota, mas tempos depois essa história virou piada entre a gente.

Uma batida no vidro me fez pular de susto. Olhei e encontrei Vince rindo do meu susto.

— Vince Acendino Ferrera Fraga, você quer me matar de susto? — disse, abrindo a porta, e ele fez careta. Ele não gosta muito do nome dele.

— Abri o capô, me deixa ver o que aconteceu.

Fiz o que ele pediu e vi quando ele foi checar o carro. Olhei para trás e encontrei seu Corolla preto. No banco do passageiro estava a garota morena, de cabelos longos sedosos e negros, corpo escultural e muito bonita. Sara era da nossa escola, porém, quando estávamos no terceiro, ela estava no primeiro, mas sempre gostou do Vince.

Vince a reencontrou quando ela foi fazer um estágio no escritório que ele trabalha. Oito meses atrás, eles estavam ficando bem sérios, mas, do nada, ele disse que não dava certo, já que ela tem muito ciúmes e está tentando proibir ele de conversar com os amigos. Mas depois da noite de Ano Novo, quando ele voltou para o escritório, eu não sei o que aconteceu, mas, há dois meses, os dois começaram a namorar. Ela era muito legal até, mas às vezes seu jeito patricinha me tirava do sério, e o seu ciúme também.

— Acelera aí! — o Vince gritou e eu obedeci.

E nada do carro funcionar. Vince voltou e eu desci do carro. Ele riu e passou a mão no canto da minha boca.

— Pelo visto não sobrou nada desse bolo pra mim, hem.

— Não mesmo. O que tem o carro?

— Bateria. Vou fazer uma chupeta e volta a funcionar rapidinho.

Assenti e ele foi até seu carro. Falou alguma coisa com Sara, que desceu e veio para o meu lado. Vince pegou alguns cabos e conectou os dois carros.

— Desculpa ter tirado você de casa essa hora — falei para ela.

— Tudo certo. Já me acostumei! — abriu um sorriso torto.

— Desculpa. Eu ia chamar o seguro...

— Eu sei, não precisa se explicar.

Me perguntei se o Vincenzo tinha contado para ela sobre minha gravidez, não iria comentar nada sobre o assunto com ela, por não saber.

Um tempo depois meu carro tinha voltado a funcionar, o cheiro de embreagem começou a me enjoar e não demorou para que eu virasse para a calçada e vomitasse todo o bolo e os brigadeiros que tinha comido.

Segurei meus cabelos para não sujar e só parei de vomitar quando meu estômago já estava vazio. Vincenzo passou a mão nas minhas costas e alisou. Levantei já respirando melhor.

— Está bem? — ele perguntou.

Apenas assenti e fui caminhando para o meu carro, não via a hora de me jogar no sofá e dormir até a noite seguinte.

— Preciso dormir! — falei.

Ele olhou para a namorada e pegou na mão dela, que estava encostada no carro.

— Pode levar meu carro? — ele pediu manhoso. — Vou deixar a Melinda em casa, ela não está bem.

Sara tentou disfarçar, mas estava nítido na cara dela que ela não estava gostando nada daquilo, pegou a chave da mão de Vincenzo, que deu um beijo no rosto dela. Sem falar nada, ela entrou no Corolla e deu partida.

Fui para o banco do passageiro e olhei para o bolo de doce de leite com ameixa. Era incrível como, mesmo depois de passar mal, meu desejo não tinha passado. Vincenzo entrou no banco do motorista e começou a rir.

— Isso tudo é vontade de comer esse bolo? — perguntou enquanto dava partida no carro.

— Acho que depois que parir nunca mais vou querer ver bolo de ameixa com doce de leite.

O silêncio dominou o carro. Quando ele estacionou na vaga do meu prédio, eu peguei o bolo e desci rápido. Realmente não via a hora de comer.

— Amanhã eu vou na sua casa pegar a chave do meu carro. — disse para o Vincenzo.

— Eu vou ficar. — ele se prontificou.

Levantei uma das sobrancelhas, surpresa.

Depois da noite que concebemos o nosso filho, ele nunca mais dormiu aqui em casa. Achamos que seria a melhor solução para não lembrarmos do ocorrido.

— Tudo bem né. Só não espere que eu divida meu bolo com você.

Ele riu e fomos para o elevador. Olhei no espelho e meu reflexo mostrava uma Melinda com a aparência cansada. Ainda dizem que as mulheres ficam mais bonitas quando estão grávidas, mas o espelho estava ali para dizer que era mentira.

— Isso é egoísmo!

— Isso é gravidez — rebateu.

— Sempre imaginei que você seria esse tipo de grávida mesmo. — ele colocou a mão na cintura. — Minhas costas estão doendo, aí eu estou com vontade, são os hormônios. — ele zombou, imitando uma voz feminina.

Dei um tapa no braço dele, que riu. Descemos no meu andar e logo lá estava eu deitada no sofá esperando Vincenzo partir meu bolo.

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Continua...

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