-Liam! - Renan recebeu meu pai com um sorriso caloroso - Como é bom ter vocês aqui.
Teo estava atrás dele, sorrindo também. Meu pai era uma pessoa muito amada.
- Beatriz, como vai? - ela se apressou em me dar um abraço apertado.
- Tudo bem. - retribui o abraço, olhando por cima do ombro - Rê está aqui?
- Lá em cima. - Renan me respondeu - Pode subir, se quiser.
Subi as escadas correndo, e não bati na porta. Nós dois tínhamos esse hábito de criança, mas não pensei que agora não seria uma boa ideia.
- Bea! - Rê exclamou, virando de costas, totalmente pego de surpresa.
Demorei um segundo a mais para perceber que meu amigo de infância estava sem roupa, e o fato me deixou desesperadamente corada.
- Desculpa! - pedi colocando as mãos em cima dos olhos.
Escutei a risada dele, mas não havia nada de engraçado ali. Meu rosto queimava sob as minhas mãos.
- Pode abrir os olhos. - ainda havia humor em suas palavras.
- Não é engraçado. - reclamei destampando os olhos lentamente.
Rê estava de calça, mas o peito continuava nu. Eu já o havia visto quase sem roupa nenhuma, mas quando éramos duas crianças inocentes e não dois humanos formados.
- Se vamos morar juntos você vai ter que se acostumar com esse tipo de coisa. - ele me provocou com um sorriso irônico.
- Tenho certeza que você vai manter suas… partes de homem muito bem cobertas. - minha frase era tão ridícula que não me senti ofendida quando ele revirou os olhos.
- Conversou com seu pai? - Rê vestiu uma camiseta vermelha, lisa e levemente amassada.
- Não. - neguei - Vamos nos concentrar apenas em jantar hoje. Certo?
- Claro. - ele deu de ombros e saiu pela porta.
O segui até o andar de baixo, onde os outros já estavam acomodados. Enzo e Robert - os meus avôs - estavam sentados lado a lado e entretidos numa conversa com meu pai. Renan e Teo estavam prestando atenção em nós com as testas franzidas - o que não entendi.
O jantar se iniciou, barulhento como costumava ser, e era tão familiar que senti uma onda de nostalgia. Era bom, acolhedor, viver naquela casa, mas eu não voltaria mesmo que fosse uma opção. Era hora de ir em frente, encontrar meu próprio caminho.
- Como vai o trabalho, Liam? - Robert perguntou.
- Muito bem. - meu pai respondeu entre uma garfada e outra - Não pensei que eu fosse gostar tanto de trabalhar no hotel.
Meu pai estava trabalhando no Hotel Valentine, que Renan era dono sozinho depois da morte do seu sogro. Depois de uma longa lista de trabalhos confusos com horários malucos, era uma estranha experiência de estabilidade.
- Ele leva jeito, meu irmão. - Renan se apressou em elogiar.
- Pai. - Rê chamou despreocupadamente, tão relaxado que não previ o que ele estava prestes a fazer - Bea e eu vamos morar juntos.
O silêncio absoluto só foi quebrado pelo som dos meus talheres caindo de encontro aos pratos. Olhei para meu pai, que me encarava completamente perplexo - e era o único, porque todos os outros encaravam Rê - e senti meu estômago afundar.
- Eu não sabia que vocês estavam juntos. - Enzo disse numa voz que não parecia aprovar nem desaprovar uma união entre nós dois.
- Renan Valentim, desde quando isso está acontecendo? - Teo pareceu mais rígida, e um pouco ofendida pelo filho estar jogando uma bomba assim no meio de todo mundo.
- Não estamos. - gaguejei.
- Beatriz, o que significa isso? - Liam olhava para mim com uma ruga entre os olhos.
Vacilei, com medo de dizer o que queria e ele ficar bravo ou magoado. Eu poderia estrangular Rê por isso.
- Bea quer ter seu próprio canto. - Rê continuou tranquilamente - Acabei percebendo que está na minha hora também, então resolvemos fazer isso juntos.
Pensei que eu poderia desmaiar.
- Beatriz, nós devíamos falar sobre isso em casa. - Liam estava um pouco irritado pelo assunto não ter sido iniciado por mim.
- Pai… - minha voz saiu fraca, sem força.
- Ela tem medo que fique chateado. - Rê parecia decidido a me enlouquecer - Bea não quer que se sinta sozinho ou algo do tipo.
- Rê, cala a boca!
Todos olharam para mim, e só assim percebi que estava em pé. Eu tremia, com raiva por ele não ter respeitado meu tempo, e não conseguia dizer nenhuma palavra.
Me virei, saindo da cozinha e ignorando várias vozes me chamando, e fui para a porta da frente. Ninguém me alcançou quando comecei a correr, decidida a colocar alguma distância entre nós todos.
Meu celular não demorou para começar a vibrar, mas nada me faria parar agora. Por causa de Rê eu precisava de algum tempo para me estabilizar outra vez.
Ele era meu melhor amigo, mas havia ido longe demais. Não era justo fazer isso, transformar uma conversa particular em um circo público quando sabia o quanto eu estava preocupada com meu pai.
Como eu iria para casa agora? Liam estaria com uma expressão magoada, que era o que ele fazia quando me pegava escondendo coisas.
- Beatriz? - a voz me pegou de surpresa, porque eu estava tão absorta que não escutei o carro se aproximando.
- Vai embora. - sussurrei, sem me preocupar se Rê iria me escutar ou não.
Ouvi seu suspiro, provavelmente pensando que eu era uma pessoa difícil, mas não se afastou.
- Bea, me desculpe. Eu só queria ajudar.
- Você é um babaca. - continuei correndo - Deveria ter respeitado.
Rê não respondeu, continuou com o carro andando irritantemente lento ao meu lado. Por que ele tinha que ser o que nunca desistia?
Parei de correr e apoiei as mãos na cintura. Instantes depois ele já estava do lado de fora, querendo me puxar para um abraço.
- Não encoste em mim. - apoiei as mãos no seu peito para impedi-lo.
- Não está brava de verdade, não é? - toda a presunção havia sumido - Pensei que uma conversa descontraída ajudaria.
- Parece que você não me conhece. - cruzei os braços - Eu queria conversar a sós com meu pai, explicar as coisas.
- Você é uma mulher adulta, Bea. Não precisa explicar tanto.
O encarei, imaginando que era mais uma piadinha, mas seu olhar estava sério. Rê me via como uma mulher e não mais como sua amiguinha de infância?
- Vem. - pediu gentilmente - Eu te levo para casa.
Entrei no carro, sabendo que em algum momento teria que ir para casa. Estava ansiosa, agitada.
Liam estava me esperando na porta, os braços cruzados e a expressão indecifrável. Eu tremi, com medo do que teria que encarar.
- Boa noite, Renan. - seu tom foi claramente uma despedida, e meu amigo apenas acenou em resposta.
Segui meu pai para dentro de casa, meu coração dando pulos dentro do peito, e o observei se sentar no sofá. Lá estava a expressão magoada.
- Não ia me contar que vai sair daqui?
- Claro que ia. - falei apressadamente - Eu queria conversar com calma, só nós dois.
- Você está com Rê? - a pergunta seguinte me pegou de surpresa - Há quanto tempo isso está acontecendo, Beatriz?
- Não somos um casal, pai. - o interrompi, erguendo as mãos - Rê e eu somos como irmãos. Nós apenas queremos dividir um apartamento, criar nossa própria vida.
- Ele é um homem, Beatriz. - ele apertou o topo nariz com um dedo, como se sentisse dor de cabeça.
- O que é isso, pai? - ri involuntariamente - É Renan Valentim. Nós somos como irmãos.
- Não são irmãos. - me corrigiu - E você não é mais uma garotinha...
Parecia uma loucura. Liam estava mesmo insinuando que Rê não me via como uma irmã? Se o que ele fizera hoje não fosse uma prova disso!
- Não se preocupe com isso. - garanti com certeza.
Ele parecia preocupado, mesmo que eu estivesse falando com toda sinceridade. Tentei não me irritar com as suposições, afinal meu pai só queria cuidar de mim.
- Acha que ficaria bem sem mim? - mudei repentinamente de assunto, num surto de coragem - Já pensou em sair mais de casa? Em namorar um pouco.
- Certo. - ele se colocou de pé - Já conversamos muito por hoje.
Liam queria fugir, como sempre fazia quando alguém tentava falar sobre sua vida amorosa. Eu odiava quando ele se fechava assim.
- Não, pai. - segurei seu braço - Poderia me falar sobre você e a mamãe?
- Vou deitar, Beatriz. - seu tom era determinado.
Fiquei sozinha, tentando entender porque poderia ser tão difícil falar sobre ela. Eu tinha direito de saber, de entender, não tinha?
"Como foi?" - a mensagem de Rê chegou segundo depois, me arrancando um suspiro cansado.
Quando acordei no dia seguinte, encontrei a casa vazia. Na pressa de não me encontrar para que eu não tentasse falar sobre minha mãe ou namoros, Liam havia saído quase duas horas mais cedo para o trabalho. Tomei meu café sozinha, ainda um pouco irritada com Rê, mas mais ainda frustrada por meu pai não se abrir. Fui trabalhar a pé, distraída e cheia de pensamentos. Havia tanta coisa que eu queria saber, e pela primeira vez estava cogitando encurralar qualquer outro familiar. Renan e Teo tinham convivido com a minha mãe, meus avôs também. Alguém poderia me contar alguma coisa, qualquer coisa que fosse pelo amor de Deus! Entrei na livraria sem prestar aten&c
- Quando vai querer ir procurar um apartamento? - Rê disse depois de alguns minutos de filme em absoluto silêncio. - Não sei. - suspirei - Acha que devemos fazer isso antes de eu ter uma boa conversa com Liam? - Acho que sua vida não pode esperar seu pai resolver os traumas dele. - ele foi direto, até mesmo um pouco seco - Mas eu posso esperar se você quiser. - acrescentou com mais suavidade. Deitei a cabeça em seu ombro por um instante. Eu não gostava de ir embora sem estar completamente bem com meu pai, mas eu também não podia esperar para sempre. Rê tinha razão, eu precisava viver minha própria vida.  
- Hummm, saindo com o chefe. - Rê me provocou no sábado. Era o quinto apartamento que estávamos vendo, e só ali tive coragem de contar sobre o almoço com Murilo. - Não seja babaca. Nós almoçamos, e não acho que tenha contado como primeiro encontro. Ele me puxou de repente, quase me fazendo tropeçar. - Gostei desse. - ignorou o tapa que dei em seu braço - Parece espaçoso o suficiente para nós, o aluguel é bom e eu amei a vista. Olhei pela janela da sala. Não era nada demais, apenas outros prédios e algumas casas. Rê devia estar apenas brincando sobre a ú
- Mas é nossa primeira noite aqui. - Rê lamentou-se atrás de mim. Tentei me concentrar em meu cabelo, e não em sua pirraça. - Rê, dá um tempo. - prendi os fios cuidadosamente em um meio rabo - Como você disse, estou fazendo meu caminho. Ele revirou os olhos, vi pelo espelho, mas preferi ignorar. Eu estava começando a ficar atrasada. - E por que ele não te pega aqui na porta? Foi a minha vez de revirar os olhos. - Será que arrumei outro pai? - provoquei. &nb
Morar com meu melhor amigo não era difícil. Nos dias que se seguiram nós tivemos uma convivência tão boa quanto costumava ser quando morávamos na mesma casa. Tirando o fato de que Rê parecia incapaz de vestir uma roupa completa. Agora eu só o via em shorts e calças, sem nada para cobrir a parte de cima. As coisas com Murilo também seguiam tranquilamente - embora eu não conseguisse tirar a palavra morno da cabeça. Talvez estivéssemos caminhando tão lentamente que estivesse se tornando tedioso, mas eu também não sentia nenhuma vontade de acelerar. Claro que não contei nada disso quando fui almoçar na casa do meu pai.<
Rê não se atreveu falar comigo por um bom tempo. Parecia incrivelmente concentrado na estrada que eu mal enxergava passando ao nosso redor. - Certo. Já chega. - ele jogou o carro para o acostamento. - O que foi? - perguntei, sobressaltada pelo solavanco. - Bea, diga o que está sentindo. - ele desligou o carro e arrancou o cinto. - Eu não sei. - respondi tirando meu cinto - Acho que apenas minhas fantasias estão sendo destruídas. Nós imaginamos nossos pais apaixonados, perfeitos… - Certamente. - ele concordou - Você percebeu que meu pai teve um caso com
Rê estava emburrado, de braços cruzados e com as costas apoiadas no carro. - Vamos? - perguntei com cuidado. - Você me expulsou de lá. - ele reclamou. - Você parecia prestes a brigar. - justifiquei também cruzando os braços - Eu queria que ela se desarmasse. - E funcionou? - perguntou com desdém. - É, funcionou. - agora eu também estava ficando irritada, uma reação involuntária ao seu comportamento. Rê bufou, e com um movimento irritado, abriu a porta do carro e se
Parte 2 - Rê Tinha acontecido. Quando abri os olhos pela manhã, diretamente de encontro a janela com as cortinas abertas, fiquei atordoado. Quanto tempo eu tinha fantasiado aquilo? Pelo menos uns cinco anos? Talvez desde que Bea tinha se transformado em uma garota, não mais uma garotinha ou apenas minha melhor amiga. Mas eu não tinha esperado que acontecesse. Realmente parecia algo que apenas ficaria na minha imaginação, algo em que eu sempre acabaria pensando antes de dormir. Só que agora havia acontecido. E eu não fazia ideia de como Bea se sentia a respeito disso. Eu sinceramen