3 - Desculpas

                Quando acordei no dia seguinte, encontrei a casa vazia. Na pressa de não me encontrar para que eu não tentasse falar sobre minha mãe ou namoros, Liam havia saído quase duas horas mais cedo para o trabalho.

                Tomei meu café sozinha, ainda um pouco irritada com Rê, mas mais ainda frustrada por meu pai não se abrir.

                Fui trabalhar a pé, distraída e cheia de pensamentos. Havia tanta coisa que eu queria saber, e pela primeira vez estava cogitando encurralar qualquer outro familiar. Renan e Teo tinham convivido com a minha mãe, meus avôs também. Alguém poderia me contar alguma coisa, qualquer coisa que fosse pelo amor de Deus!

                Entrei na livraria sem prestar atenção nas outras pessoas, o que não era comum. Eu amava tanto aquele lugar que sempre chegava animada, cumprimentando a todos e sorrindo para possíveis clientes.

                Meu chefe me encontrou na sala dos fundos, quando eu deixava minhas coisas no armário.

                - Tudo bem, Beatriz? - sua voz era preocupada.

                Me virei, encenando meu melhor sorriso. Ele era um ótimo chefe, meio calado, mas sempre me tratava muito bem - e aos outros também -, o que tornava todo o ambiente ainda melhor.

                - Claro, Murilo. Só estava distraída.

                Ele não pareceu se convenceu. Andou um pouco mais para perto, provavelmente para garantir que ninguém mais ouvisse.

                - Se precisar conversar com alguém… - sugeriu, sem me olhar diretamente nos olhos, como se tivesse envergonhado - Pode contar comigo.

                - Obrigada. - falei com sinceridade - Eu agradeço muito.

                Com um meio sorriso, Murilo se afastou de mim o mais rápido possível.

                Foquei em deixar os problemas para lá por enquanto. Eu precisava prestar atenção ao trabalho, aos clientes.

                Não foi tão difícil como pode parecer, já que o ambiente era tudo que eu mais gostava. Quando me dei conta já estava perto do almoço.

                - Beatriz… - Murilo entrou no estoque, onde eu tinha acabado de registrar alguns livros e me preparava para sair para almoçar - Tem um rapaz te procurando.

                Eu já sabia quem era. Toda vez que Rê se sentia culpado por alguma coisa, tendia a ficar pairando por perto até ter certeza de que estávamos bem novamente.

                Quando saí, o vi parado perto da porta. Havia um vinco de preocupação em sua testa, mas sorriu quando apareci.

                - Ei, Bea. Eu vim te levar para almoçar. Aceita?

                - Claro. - concordei, afinal eu iria ter que sair mesmo e a companhia cairia bem.

                - Está muito brava comigo? - ele fez um bico e tocou meu rosto gentilmente.

                - Para com isso. - ralhei, reprimindo um sorriso e afastando sua mão - Vamos.

                Andamos em silêncio até um restaurante no final da rua. Rê só se atreveu a iniciar a conversa quando já estávamos acomodados com nossos pratos em uma mesa para dois.

                - Foi muito ruim ontem? Você não me respondeu.

                - Foi ruim. - falei sem dó e o observei encolher os ombros - Liam ficou chateado, obviamente entendeu tudo errado e eu ainda tentei entrar no assunto proibido. Ele fugiu e hoje saiu antes de eu acordar.

                - Sinto muito, Bea. - ele segurou minha mão - Às vezes sou impulsivo demais.

                - Ah, tudo bem. - decretei de uma vez, eu nunca conseguia passar muito tempo brava com ele - Ele reagiria assim de qualquer modo.

                Rê relaxou visivelmente com meu perdão, e finalmente começou a comer. Por um tempo, foi tudo o que fizemos.

                - O que quis dizer com "tudo errado"?

                - O quê? - perguntei, confusa.

                - Você disse que ele "entendeu tudo errado".

                Hesitei.

                - Por que está ficando vermelha? - ele riu abertamente.

                - Não estou! - exclamei.

                - Está sim. - ele provocou, obviamente achando graça da minha timidez - Fale logo!

                - Ele achou que nós estávamos juntos. - soltei de uma vez.

                - Meus pais também. - não pareceu nem um pouco abalado - Você ouviu a minha mãe.

                - É, eu sei. - não conseguia controlar o rubor em meu rosto, eu deveria estar rosa - Mas ele frisou que você é… homem. E que eu não sou uma garotinha.

                Rê sorriu, me observando com curiosidade.

                - Pensei que fossem coisas que nós já soubéssemos.

                Pensei na forma como ele havia me dito que eu era uma mulher adulta e dona das minhas decisões. Acho que apenas eu não tinha me dado conta dessas coisas. O tempo havia passado, nós dois éramos adultos. Pensei brevemente nisso na noite anterior, quando tinha entrado em seu quarto sem bater, mas aparentemente a minha ficha ainda não tinha caído - e eu era a única.

                - O que foi? - novamente havia preocupação em sua expressão.

                - Nada. Está tudo bem. - afastei o prato - Precisamos ir.

                Rê me seguiu, mas ainda parecia um pouco preocupado pelo meu silêncio.

                - Não vai me dizer o que a está perturbando? - me perguntou quando paramos na frente da livraria.

                - Não é nada, Rê. - seria difícil explicar, e sinceramente eu não estava com vontade.

                - Estamos bem? - ele colocou as duas mãos nos meus ombros - O plano ainda está de pé?

                - Claro que estamos bem. - o tranquilizei - E, sim, o plano está de pé.

                - Isso! - comemorou com o punho erguido para o céu.

                Revirei os olhos.

                - Vejo você mais tarde.

                Quando entrei na livraria, percebi que Murilo estava me observando. Conferi o relógio, mas eu não estava atrasada. Devia ser coisa da minha cabeça.

                O resto da tarde transcorreu tranquilamente, e acabei esquecendo completamente meus problemas. Somente com o horário de saída se aproximando que comecei a me perguntar se meu pai apareceria logo em casa, ou se continuaria fugindo por algum tempo para garantir que eu esquecesse o assunto.

                - Já está indo, Beatriz? - Murilo perguntou quando me viu saindo da sala de armários com a bolsa.

                - Precisa de mais alguma coisa? - olhei ao redor, mas havia apenas uma outra funcionária indo embora pela porta da frente.

                - Não, não. - ele se apressou em negar, um pouco sem graça.

                Fiquei parada, sem saber se estava dispensada ou não. Murilo estava com uma expressão estranha.

                - Então, aquele rapaz é seu namorado? - as palavras saíram desajeitadas.

                - Não. - dei um sorriso, tentando amenizar o clima estranho - É meu melhor amigo, filho do tio do meu pai.

                - Entendi. - finalmente ele me encarou, um sorriso fraco nos lábios - Até amanhã, Beatriz.

                - Até. - respondi, ainda sem entender direito aquela cena estranha.

                Voltei para casa sem esperança de encontrar meu pai, e realmente ele não estava lá. Liam as vezes era tão previsível.

                Resignada, preparei alguma coisa para comer e depois tomei um longo banho. Quando voltei para meu quarto, havia uma mensagem de Rê.

                "Novidades?"

                "Meu pai não voltou para casa." - digitei rapidamente - "Não acho que vou conseguir ter nenhuma conversa com ele nos próximos dias."

                "Posso ir até aí? "

                "Claro que sim."

                Rê não demorou para chegar. Quando abri a porta, senti um forte cheiro de perfume.

                - Por que está tão cheiroso?

                - Você gostou? - ele passou pela porta, animado - Comprei hoje.

                - É, é bom. - dei de ombros - Quer ficar aqui na sala ou ir para o quarto.

                Ele hesitou por um momento.

                - Acho que aqui está bom.

                Liguei a televisão para vermos um filme - o que levou um tempo excessivamente longo, já que nós nunca entrávamos num consenso -, então nos acomodamos lado a lado e Rê passou o braço ao meu redor.

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