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4 – Conversa inesperada

                - Quando vai querer ir procurar um apartamento? - Rê disse depois de alguns minutos de filme em absoluto silêncio.

                - Não sei. - suspirei - Acha que devemos fazer isso antes de eu ter uma boa conversa com Liam?

                - Acho que sua vida não pode esperar seu pai resolver os traumas dele. - ele foi direto, até mesmo um pouco seco - Mas eu posso esperar se você quiser. - acrescentou com mais suavidade.

                Deitei a cabeça em seu ombro por um instante. Eu não gostava de ir embora sem estar completamente bem com meu pai, mas eu também não podia esperar para sempre. Rê tinha razão, eu precisava viver minha própria vida.

                - Certo. Iremos no sábado. - decretei, erguendo a cabeça para encará-lo.

                - Perfeito. - Rê colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha - Vai dar tudo certo, Bea. Seu pai adora você.

                Eu estava certa sobre Liam me evitar. Vimos o filme até o fim, eu comecei a cochilar e ele ainda não havia aparecido.

                - Quer ajuda para ir para cama? - assustei com a voz de Rê no meu ouvido.

                - Posso fazer isso sozinha. - meu coração havia disparado.

                Me coloquei de pé, mas estava tão mole que cambaleei um pouco. Ele me amparou, fazendo alguma piada que não consegui registrar, e me ajudou a ir até a cama.

                - Durma bem, Bea. - escutei a voz de Rê muito longe, e senti o contato de seus lábios em minha testa.

                Quando acordei, dei um pulo para fora da cama na esperança de pegar Liam em casa, mas mais uma vez eu estava sozinha.

                Consegui disfarçar melhor no trabalho, mas estava tão irritada que me escondi no banheiro para ligar para o celular dele.

                - Pai?

                - Oi, Beatriz. - sua voz foi cautelosa.

                - Será que poderia parar de me evitar? - reclamei, detestando o quanto minha voz pareceu a de uma adolescente.

                - Não estou te evitando, querida. O trabalho…

                - Isso não é justo. - senti lágrimas vindo aos olhos - Está me evitando porque acha que vou perguntar sobre a mamãe. Sei que é difícil para você, mas…

                - Por favor, Beatriz. - sua voz saiu como um lamento - Eu não quero falar sobre sua mãe. É… complicado.

                Senti uma onda de frustração. Não era justo. Ele não era o único que tinha perdido alguém importante.

                - Não sei porque ainda tento… - sussurrei.

                Desliguei o aparelho, ignorando que ele ainda falava comigo, e lavei o rosto. Eu iria tentar outra pessoa, qualquer um.

                Dei de cara com Murilo do lado de fora da porta. Eu tinha falado muito alto? Meu Deus, meus olhos ainda deviam estar vermelhos.

                - Murilo, me desculpe… Eu…

                - Você está bem, Beatriz? - só havia preocupação em sua voz - Há algo errado acontecendo, não é?

                - Problemas familiares. - dei de ombros - Não vou mais deixar que afete o trabalho.

                - Não se preocupe com isso. – gentilmente, e muito respeitosamente, ele colocou uma mão no meu ombro e me guiou – Venha, vamos almoçar mais cedo.

                - Eu não quero atrapalhar, Murilo. – eu podia sentir meu rosto se avermelhar de vergonha.

                - Não está atrapalhando.

                Me deixei levar porque não encontrei uma boa maneira de impedir. Percebi os outros funcionários nos olhando com curiosidade quando passamos pela porta da frente, mas não havia nada que eu pudesse fazer àquela altura.

                Murilo me levou para um restaurante um pouco mais longe. O público parecia um pouco mais refinado, o que não se encaixava a nós dois, e só pude pensar que ele estava tentando ser cavalheiro.

                Era estranho almoçar com o chefe e, depois que os pedidos estavam feitos, procurei desesperadamente algum assunto sobre o qual pudéssemos falar. Quando não encontrei nada, comecei a bater o pé embaixo da mesa.

                - Esses problemas estão te deixando agitada?

                - Um pouco. – não era totalmente verdade no momento, mas no geral...

                - Beatriz, eu gosto de imaginar que podemos ser amigos. – ele continuou suavemente, e deu para perceber que havia se esforçado para transpor uma barreira de nervosismo ou vergonha – Acha que consegue almoçar comigo, Murilo, e não com o chefe?

                - Talvez. – respondi com insegurança – Não quero parecer desrespeitosa.

                - Você não conseguiria nem se tentasse. - seu sorriso pareceu genuíno.

                Sorri em resposta, começando a relaxar um pouco.

                - Então, Beatriz. - Murilo se ajeitou na cadeira - Sei muito pouco sobre você. Ainda mora com seus pais?

                - Com meu pai, na verdade. - corrigi, ainda me esforçando para parecer tranquila - Minha mãe morreu.

                Ele ficou sem jeito na mesma hora.

                -Desculpe por… puxar o assunto… Eu…

                - Não tem problema. - ergui as mãos em sinal de paz - Já faz muito tempo.

                Felizmente nossos pedidos chegaram nesse momento e fizemos uma pausa.

                - E você, vive sozinho? - já que ele estava se esforçando para ser gentil, eu podia colaborar.

                - Sim, sim. - Murilo parecia aliviado por eu não parecer chateada - Uma casa perto daqui.

                              - Sem família? - eu ainda me sentia muito invasiva por falar assim com meu chefe.

                - Na verdade, eu também não tenho mãe. - ele ergueu os olhos do prato para mim - Ela morreu há muitos anos.

                - Sinto muito. - finalmente, apesar do assunto pesado, comecei a ficar um pouco relaxado - E seu pai?

                Ele fez um muxoxo.

                - Ainda está por aí, mas nunca quis saber de mim.

                Me senti com sorte. Considerando que meu pai era um adolescente quando eu nasci, eu havia sido muito bem cuidada e amparada.

                - Seu pai é legal?

                - Muito. - foi difícil não soar orgulhosa - Ele ainda é jovem, me teve aos dezesseis anos.

                - Então temos quase a mesma idade. - ele disse a frase com cuidado, como se quisesse testar minha ração.

                - É mesmo? - estimulei, distraída. Já estava quase completamente à vontade.

                - Tenho trinta e seis anos. - ele falou baixo, ainda me estudando com os olhos.

                Não respondi nada, concentrada em mastigar, e me perguntei por que a idade parecia ser um tópico sensível.

                - Beatriz, sinto que preciso ser um pouco mais direto agora. - eu acenei com a cabeça - Bom, eu contratei você, então sei a sua idade.

                - Certo… - agora eu estava insegura. Tomei um gole de água.

                - O que acha de sair com homens mais velhos? - outra vez as palavras pareceram desajeitadas - Quero dizer, comigo, no caso.

                Murilo estava me chamando para sair?

                Fiquei muda, a boca um pouco aberta e o garfo a meio caminho.

                - Sei que pode parecer repentino. - de repente as palavras estavam jorrando dele - Eu fiquei observando você desde que começou a trabalhar, e, bem, além de obviamente você ser linda, é muito inteligente, dedicada, alegre… Eu só… - seu tom foi baixando - Estou sendo ridículo, não é? - sorriu tristemente.

                - Não! - me apressei em dizer - Eu só estou muito surpresa.

                - É, eu sei mesmo disfarçar. - era uma característica que ele não parecia gostar - Mas, já que eu me abri, posso saber o que acha? Você sai, tem encontros?

                - Bom, eu… - puxei pela mente uma série de encontros terríveis e um namorico adolescente - Já tive alguns encontros, nenhum namorado sério.

                - Está disponível agora? - ele pareceu querer pegar minha mão, mas desistiu no meio do caminho - Sabe, aquele rapaz de ontem…

                - Eu disse, somos amigos.

                - Mesmo? Eu vi o modo como ele olhava para você.

                Precisei rir. Somente alguém de fora não seria capaz de entender.

                - Renan e eu somos próximos. - esclareci - Crescemos juntos, como irmãos. Tanto que iremos dividir um apartamento em breve. Nunca teve qualquer coisa romântica entre nós.

                Murilo pensou por um instante, observando minha expressão. Depois pareceu concluir que eu estava sendo completamente sincera.

                - Sendo assim, será que estaria disposta a me conhecer melhor? - ele soou esperançoso.

                Pensei por um instante, também o observando. Ele era um homem interessante, sempre impecavelmente arrumado. Os fios de cabelo grisalho eram charmosos em meio aos escuros, e os olhos azuis eram sempre muito gentis.

                -Acho que sim. - decidi por fim - Se estiver disposto a ir com calma.

                Murilo abriu o sorriso mais alegre que eu já havia visto. Todo seu rosto pareceu se iluminar.

                - No tempo que quiser, Beatriz. - e finalmente pegou minha mão.

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