Parte 1 – Beatriz
Minha mãe tinha dezesseis anos quando eu nasci e era tudo que eu sabia sobre ela. Meu pai, que era igualmente jovem na época, não gostava de falar sobre o assunto. Consegui essa informação por outros membros da família, que pareciam relutantes em me passar informações pelas costas do meu pai.
Eu tinha um avô e uma avó por parte dela. Nunca vi minha avó, mas meu avô costumava me visitar quando eu era criança. Não sei porque ela nunca quis saber de mim, nem porque ele desistiu de aparecer.
Meus dois avôs por parte do meu pai eram maravilhosos. Nós passávamos muito tempo juntos, brincando e vendo filmes. Os jantares eram as melhores partes dos meus dias porque todo mundo ficava reunido.
Meu melhor amigo era filho do tio do meu pai, ambos chamados Renan, e foi muito triste o dia que eu soube que nós não moraríamos mais na mesma casa. O lugar era perfeito, então por que ir embora?
Com quem eu ia conversar? Como eu ia fugir para o quarto do Rê quando tinha um pesadelo para que ele pudesse me acalmar? Eu me senti tremendamente injustiçada.
Viver apenas com meu pai foi melhor do que eu esperava. Nós éramos muito próximos, e ele sempre estava ao meu lado, tanto que eu nunca senti tanta falta de ter uma mãe. Não existe falta quando não se tem nada para comparar.
Minha vida, então, no geral era ótima. Claro que eu era muito calada, só me abria totalmente com Rê, então a escola não havia sido meu melhor momento, mas já havia passado.
Correr era o que me ajudava a clarear os pensamentos quando algo me perturbava. Eu adorava a concentração, o impulso em manter o ritmo e então, o foco e a racionalização que eu buscava.
Me diziam que eu era parecida com meu pai, que nós dois tínhamos jeitos muito parecidos. Eu podia ver semelhanças, mas gostava de pensar que eu era uma pessoa diferente e que carregava um pouco de minha mãe também.
Agora, aos vinte e três anos – sete a mais do que minha mãe viveu -, eu queria criar minha própria vida. Sentia vontade de sair de casa, mas vendo meu pai tão solitário, não estava encontrando coragem para abordar com o assunto com ele.
Liam era jovem, não tinha nem quarenta anos, e vivia em uma reclusão há tanto tempo que eu não sabia nem se existira alguma mulher depois da minha mãe. Como eu poderia deixá-lo sozinho assim, se eu era tudo que ele tinha?
- Você deveria conversar com ele claramente. – Rê me estimulou, dando de ombros.
- Não posso abandoná-lo. – gemi, enterrando o rosto nas mãos.
Nós estávamos num parque, um lugar que sempre íamos para fazer piquenique, deitados em cima de um lençol.
- Não é abandonar, Bea, é viver a sua vida. – para ele tudo era sempre tão simples.
- Vai fazer a mesma coisa, então? – perguntei sarcasticamente.
- Quando for a hora. – sorriu – Tenho certeza que meus pais vão entender. Sou mais novo que você, então tenho mais tempo para pensar.
Revirei os olhos. Rê era só dois meses mais novo que eu, isso porque eu tinha nascido prematura.
- Sua mãe vai ficar doida quando não tiver mais você em casa. – comentei maldosamente.
- Ela vai achar outra coisa para fazer. – mais uma vez ele deu de ombros – Pode ir no hotel, junto com meu pai. Depois que o vovô faleceu, tem muito mais coisa para fazer.
Ele rolou para ficar de frente comigo. Estávamos tão perto que eu conseguia ver o contorno da pupila em seus olhos escuros. Provavelmente pareceríamos um casal, mas nunca foi assim entre nós dois.
Como Liam era adotado, Rê e eu não éramos realmente parentes, mas nos sentíamos como irmãos. Eu faria qualquer coisa por ele, e ele por mim. Não era um amor romântico, nem nunca seria.
- Bea, você tem que fazer o que é certo para você. – dessa vez ele falava sério – Se é assim tão importante que eu tome a atitude, podemos morar juntos.
- Mesmo? – me espantei, ele nunca falara seriamente em sair de casa.
- É, talvez esteja na hora.
Pensei em como seria ter Rê todos os dias para mim outra vez. A ideia parecia ótima, animadora, mas como eu falaria com meu pai? Ele sentiria que estava me perdendo?
- Vamos procurar um apartamento aqui perto. – de repente Rê se colocou em pé.
- O quê? Agora? – o segui.
- Por que não? – ele já enrolava o lençol com os braços.
Enfiei o bolo de tecido dentro da cesta que sempre trazíamos, e saímos andando pela rua. Haviam vários apartamentos bonitos de frente para esse parque, seria perfeito para nós dois.
- Gosto daquele. – ele apontou um segundo depois.
Segui a direção e encontrei um apartamento com as janelas abertas, as cortinas balançando de um lado para o outro. Logo uma mulher apareceu, segurando um bebê.
- Nem está disponível. – reclamei – Você está brincando comigo.
- Não, não estou. – ele colocou as mãos nos meus ombros – Fale com seu pai que eu falo com o meu. Então acharemos o local. Talvez essa seja a ordem correta.
Respirei fundo, e pela primeira vez não neguei. Talvez fosse a ordem correta, bem como a hora certa. Todo mundo precisar criar o próprio caminho, não é?
- Vou para casa e tentar fazer isso. – decretei, começando a caminhar na direção correta.
- É assim que se diz. – ele comemorou e começou a me seguir – Vai ser ótimo, Bea. Como nos velhos tempos.
Não pude deixar de sorrir com a imagem. Rê e eu, jantando juntos e vendo filme. Tendo todos os dias a companhia um do outro, podendo falar sobre tudo sem ninguém ouvir.
De repente, eu queria muito que realmente acontecesse. Precisava encontrar as palavras certas, mostrar para meu pai que agora eu era uma adulta e que, mesmo que não vivêssemos mais sob o mesmo teto, eu nunca o deixaria.
Quando cheguei em casa, ele estava lendo no sofá.
- Oi, filha. – sua voz era animada, mas não tirou os olhos das palavras.
- Oi. – não tive coragem de dizer mais nada, sabendo que minha voz me trairia. Eu precisava pensar melhor no que dizer.
- Algum problema? – ele fechou o livro com a testa franzida.
- Não, claro que não. – me apressei em sorrir e deixar os planos de lado por um momento.
- Como estava o Renan? – ele continuou me observando.
- Muito bem. – me aproximei – O que acha de eu marcar um jantar na casa dele? Com todo mundo? Enzo, Robert, Renan, Teo... – disse os nomes desnecessariamente.
- Claro. – finalmente reabriu o livro – Me avise quando marcar.
- Tudo bem. – concordei.
Fui para o meu quarto, o coração aos pulos. Talvez não fosse tão simples como Rê queria que parecesse.
“Falou com ele?” – a mensagem no meu celular, segundos depois, não me pegou de surpresa.
“Não. Mas consegui um possível jantar na sua casa.”
“Ah, qual é.” – ele reclamou – “Vou marcar aqui.” – acrescentou rapidamente.
Deitei na cama e fitei o teto, mais uma vez pensando em minha mãe. Aparentemente a única coisa fisicamente que eu tinha parecida com ela, eram os olhos azuis. O cabelo, a cor de pele, todos eram de Liam.
De repente eu sabia que precisaria forçar dois assuntos difíceis com meu pai.
-Liam! - Renan recebeu meu pai com um sorriso caloroso - Como é bom ter vocês aqui. Teo estava atrás dele, sorrindo também. Meu pai era uma pessoa muito amada. - Beatriz, como vai? - ela se apressou em me dar um abraço apertado. - Tudo bem. - retribui o abraço, olhando por cima do ombro - Rê está aqui? - Lá em cima. - Renan me respondeu - Pode subir, se quiser. Subi as escadas correndo, e não bati na porta. Nós dois tínhamos esse hábito de criança, mas não pensei que agora não seria uma boa ideia.
Quando acordei no dia seguinte, encontrei a casa vazia. Na pressa de não me encontrar para que eu não tentasse falar sobre minha mãe ou namoros, Liam havia saído quase duas horas mais cedo para o trabalho. Tomei meu café sozinha, ainda um pouco irritada com Rê, mas mais ainda frustrada por meu pai não se abrir. Fui trabalhar a pé, distraída e cheia de pensamentos. Havia tanta coisa que eu queria saber, e pela primeira vez estava cogitando encurralar qualquer outro familiar. Renan e Teo tinham convivido com a minha mãe, meus avôs também. Alguém poderia me contar alguma coisa, qualquer coisa que fosse pelo amor de Deus! Entrei na livraria sem prestar aten&c
- Quando vai querer ir procurar um apartamento? - Rê disse depois de alguns minutos de filme em absoluto silêncio. - Não sei. - suspirei - Acha que devemos fazer isso antes de eu ter uma boa conversa com Liam? - Acho que sua vida não pode esperar seu pai resolver os traumas dele. - ele foi direto, até mesmo um pouco seco - Mas eu posso esperar se você quiser. - acrescentou com mais suavidade. Deitei a cabeça em seu ombro por um instante. Eu não gostava de ir embora sem estar completamente bem com meu pai, mas eu também não podia esperar para sempre. Rê tinha razão, eu precisava viver minha própria vida.  
- Hummm, saindo com o chefe. - Rê me provocou no sábado. Era o quinto apartamento que estávamos vendo, e só ali tive coragem de contar sobre o almoço com Murilo. - Não seja babaca. Nós almoçamos, e não acho que tenha contado como primeiro encontro. Ele me puxou de repente, quase me fazendo tropeçar. - Gostei desse. - ignorou o tapa que dei em seu braço - Parece espaçoso o suficiente para nós, o aluguel é bom e eu amei a vista. Olhei pela janela da sala. Não era nada demais, apenas outros prédios e algumas casas. Rê devia estar apenas brincando sobre a ú
- Mas é nossa primeira noite aqui. - Rê lamentou-se atrás de mim. Tentei me concentrar em meu cabelo, e não em sua pirraça. - Rê, dá um tempo. - prendi os fios cuidadosamente em um meio rabo - Como você disse, estou fazendo meu caminho. Ele revirou os olhos, vi pelo espelho, mas preferi ignorar. Eu estava começando a ficar atrasada. - E por que ele não te pega aqui na porta? Foi a minha vez de revirar os olhos. - Será que arrumei outro pai? - provoquei. &nb
Morar com meu melhor amigo não era difícil. Nos dias que se seguiram nós tivemos uma convivência tão boa quanto costumava ser quando morávamos na mesma casa. Tirando o fato de que Rê parecia incapaz de vestir uma roupa completa. Agora eu só o via em shorts e calças, sem nada para cobrir a parte de cima. As coisas com Murilo também seguiam tranquilamente - embora eu não conseguisse tirar a palavra morno da cabeça. Talvez estivéssemos caminhando tão lentamente que estivesse se tornando tedioso, mas eu também não sentia nenhuma vontade de acelerar. Claro que não contei nada disso quando fui almoçar na casa do meu pai.<
Rê não se atreveu falar comigo por um bom tempo. Parecia incrivelmente concentrado na estrada que eu mal enxergava passando ao nosso redor. - Certo. Já chega. - ele jogou o carro para o acostamento. - O que foi? - perguntei, sobressaltada pelo solavanco. - Bea, diga o que está sentindo. - ele desligou o carro e arrancou o cinto. - Eu não sei. - respondi tirando meu cinto - Acho que apenas minhas fantasias estão sendo destruídas. Nós imaginamos nossos pais apaixonados, perfeitos… - Certamente. - ele concordou - Você percebeu que meu pai teve um caso com
Rê estava emburrado, de braços cruzados e com as costas apoiadas no carro. - Vamos? - perguntei com cuidado. - Você me expulsou de lá. - ele reclamou. - Você parecia prestes a brigar. - justifiquei também cruzando os braços - Eu queria que ela se desarmasse. - E funcionou? - perguntou com desdém. - É, funcionou. - agora eu também estava ficando irritada, uma reação involuntária ao seu comportamento. Rê bufou, e com um movimento irritado, abriu a porta do carro e se