Capítulo 1

Clara

Respiro fundo e deixo que o vento atinja cada vez mais o meu rosto, estou sentada no parque enquanto Atena explora um pouco mais o local à nossa volta, fico encantada com a quantidade de pessoas que vejo se exercitarem de manhã, se não fosse pela nova integrante da família eu não estaria aqui.

Olho no relógio e noto que já passa um pouco das 6 horas e 30 minutos, chamo minha companheira e voltamos para casa. Corremos devagar no percurso de volta, uma vez que, ninguém está me perseguindo não sinto necessidade de ser mais rápida do que isso.

É uma sensação diferente agora, uma percepção nova, o desespero que eu sentia agora não passa de uma lembrança e por alguns minutos imagino que as coisas estão voltando ao normal. Posso respirar agora, como a muito não respirava, não sinto mais que estou sendo vigiada ou que devo fugir, neste momento sei que posso ser livre ou ao menos fingir que sou.

Quando chegamos ao prédio entro rapidamente e chamo o elevador. Ás pessoas que passam por mim não dizem ao menos “bom dia” e isso me faz identificar o sentimento que Rafael despertava em mim, porém depois de tudo o que aconteceu decido que não sentir nada será um presente.

Tento esquecer um pouco o Bernardo, mas é um tanto inútil os meus esforços, faltam poucas horas para vê-lo novamente e quanto mais perto fica, sinto o meu coração disparar cada vez mais rápido.

Assim que o elevador chega nós entramos, Atena parece calma no elevador, mas está sempre atenta para tudo, acredito que ela é o melhor presente que eu poderia ter ganhado.

Quando entramos no apartamento tiro sua coleira e vou para o meu quarto, após me despir vou até o banheiro, tomo um banho rápido, mas o suficiente para relaxar, no momento em que termino me seco e passo hidratante em meu corpo, em seguida seco o cabelo e passo uma maquiagem leve olho-me no espelho e imagino que isso é o suficiente, então volto para o quarto pegando da poltrona a roupa que selecionei.

Escolho uma lingerie preta, o sutiã possui um detalhe transparente na parte superior dos seios e a calcinha é de renda, ao colocá-la não deixo de me admirar no espelho, afinal eu amo como a roupa intima fica em meu corpo.

Fico um pouco confusa com a roupa que devo usar, mas não me prendo a isso. Visto uma meia calça preta com o tecido um pouco grosso e um vestido que fica a dois palmos acima do joelho possuindo um decote leve na parte da frente e sem mangas, sua cor é cinza com um detalhe preto na lateral, ele fica colado em meu corpo, mas não exagerado.

Coloco uma bota preta cano baixo com o salto um pouco fino e a sola na cor vermelha. Olho-me no espelho e me sinto satisfeita, em seguida faço um coque um pouco despojado e deixo algumas mexas soltas em meu rosto.

Vou para a cozinha e tomo um pouco de café, não consigo comer neste momento, para ser sincera desde que o deixei ir embora só comi uma vez, não consigo sentir fome ou algo parecido com isso, à única coisa que senti nos últimos dias foi nervosismo.

Dirijo-me a sala e vejo Atena deitada no tapete, sorrio quando ela olha para mim ou pelo menos tento, não sinto coragem para sair de casa, gostaria de ficar ali com ela até que os meus sentimentos voltassem ao normal.

Respiro fundo e vou até a porta, pisco para a dorminhoca e saio assim que pego minha bolsa. Aguardo o elevador pacientemente ou pelo menos tento estar, tudo parece demorar, as coisas estão mais lentas agora e isso só me deixa mais nervosa, quando o elevador para no meu andar entro apressadamente agradecendo por não ter ninguém ali além de mim, ele parece demorar a descer, mas assim que chega ao térreo saio desejo tanto pegar o meu carro logo, mas ainda faltam alguns dias.

Quando abro a porta do prédio deparo-me com a escuridão do dia, tudo ficou diferente agora, toda a beleza ficou cinza e imagino que ficará por muito tempo. Vou para o ponto e aguardo o ônibus por alguns minutos, assim que ele chega entro ainda me sentindo apressada, me sinto uma estranha no meio de tanta gente.

Sento-me e fecho os olhos, não desejo olhar a paisagem sinto-me indisposta para ela e sei que não seria a mesma para mim, conforme o ônibus anda sinto o nervosismo crescer dentro de mim, tento não imaginar como o Bernardo está, mas isso é impossível, não sei como ira olhar para mim, não sei como gostaria que ele olhasse.

Abro os olhos e olho para frente como se estivesse de fato vendo algo, mas na verdade só estou imaginando e isso me deixa cada vez mais apreensiva.

Passo minhas unhas pela meia na altura de minha coxa tentando de alguma forma fazer o meu pensamento ir pra outro lugar, mas ele não vai. Ao descer do ônibus percebo que minha respiração está ofegante e tento controlá-la inutilmente, minha mão começa a soar e meu estômago mostra-se vazio e leve ao mesmo tempo, não sei o que estou sentindo, não compreendo o que está acontecendo comigo.

Caminho lentamente até chegar à empresa, dessa vez não admiro nada ao seu redor, pois temo desesperadamente o que está lá dentro.

No instante em que entro no prédio cumprimento as pessoas na recepção e percebo como se sentem curiosas ao meu respeito, esforço-me para ignorá-las e me esforço sorrindo tentando parecer à vontade.

Chamo o elevador e agradeço por não ter mais ninguém ali, evito olhar em volta tenho receio de quem possa aparecer. Sinto-me feliz por ter conseguido chegar mais cedo do que o esperado, pois tenho muita coisa para fazer.

Aguardo ansiosamente pelo elevador e quando ele chega espero algumas pessoas saírem e entro aperto à numeração do meu andar e desejo que feche logo as portas. Eu com certeza não queria estar ali, sinto-me envergonhada por um motivo que desconheço, não quero ver o Bernardo, mas ao mesmo tempo desejo encontrá-lo, mas não sei o que fazer quando isso acontecer.

Chego finalmente no meu andar e quando desço do elevador avisto a Cassandra sentada na recepção, ela se levanta apressada e vem até mim, abraça-me tão apertado que faço cócegas para que ela me solte.

— Você está bem Ca? - Pergunto quando nos afastamos.

— Estou feliz que tenha voltado, mas um pouco nervosa com a mudança. - Diz e sinto que está apreensiva.

— O que aconteceu? - Indago e ela força um sorriso.

— Acho melhor falar com o Sr. Fernandes, aproveita que o Bernardo e a assistente ainda não chegaram.

Eu respiro fundo e me afasto despedindo-me temporariamente, vou até minha sala e a destranco, fico contente por ver que está tudo no lugar. Sinto o cheiro de limpeza e sei que ela foi organizada hoje cedo, deixo a minha bolsa em cima da mesa e vou até a sala do Estevão.

Conforme me aproximo vejo que a porta está aberta, fico um tempo observando enquanto o Sr. Fernandes meche em alguns papeis, após poucos minutos bato na porta. Ele olha assim que escuta o barulho e quando me vê sorri, eu não posso deixar de sorrir para ele.

— Srta. Andrade, entre, por favor. - Sorrio com sua formalidade, mas o obedeço, ele continua sentado, então me sento em sua frente.

— Sr. Fernandes, está tudo bem por aqui? - Indago com um sorriso, ele guarda os papeis e me encara.

— Sim, querida. Tivemos algumas mudanças que serão esclarecidas na reunião de hoje à tarde, mas não é nada com que deve se preocupar. - Olho atentamente em seu rosto e vejo como parece bem, como parece melhor.

— Gostaria de adiantar o assunto? Vejo que está feliz. - Ele levanta e fecha a porta convidando-me para sentar-se no sofá ao seu lado, quando volta a falar segura a minha mão.

— Clara sabe que sempre a quis como a uma filha não é? - Indaga e eu o olho surpresa antes de responder.

— Sim, sou muito grata por esse carinho. - Respondo, ele solta a minha mão e diz.

— Hoje é o meu último dia na empresa. - Ele sorri e eu não consigo disfarçar meu espanto, sinto o temor crescer dentro de mim.

— Mas, assim tão rápido? - Questiono e ele acha engraçado o meu espanto.

— Filha, eu preciso me afastar. Estive trabalhando pela minha vida inteira, agora que o Bernardo voltou sinto-me pronto para viver outras coisas na minha vida, junto com Betina. - O brilho em seu olhar me deixa feliz por eles, sei que não posso esperar que esteja sempre ao meu lado, isso é egoísta. Após alguns minutos ele continua. — O Bernardo assumirá em meu lugar e contratou uma assistente para se responsabilizar pelo contato com a empresa que ele tem no exterior. - Sinto o meu coração parar, quem seria essa assistente? Respiro fundo e o encaro.

— E quem seria essa assistente? - Indago fingindo não ter importância. — Eu a conheço? - Completo.

— Conhece sim, é a Bianca. - Ele parece tão animado e sei que realmente está, mas isso para mim é como traição e sei que perdi meu emprego.

— Nossa, eu não sabia que ela ia ficar por aqui. - Digo tentando disfarçar o desapontamento em minha voz.

— Pois é eles trabalhavam juntos lá e continuaram aqui, isso é excelente para mim. - Vejo-o sorrir. — E você está bem? Noto que está abatida. Eu sorrio.

— Estou muito bem, obrigada. - Levanto-me apressada. — Vou para minha sala acredito que tenho muita coisa para fazer. Qual o horário da reunião? - Indago vendo-o levantar-se apressado também.

— Por volta das 16 horas. - Diz enquanto me acompanha até a porta.

— Ótimo. Nós veremos lá então. - Sorrio e saio enquanto ele fecha a porta.

Não sei o que vai acontecer agora, mas tenho um pressentimento que as coisas vão piorar a cada momento. Entro na minha sala e ligo o computador, antes de iniciar o trabalho escolho algumas músicas para escutar com intensão de deixar o dia menos tenso. Escolho a banda Within Temptation, deixo que toquem as músicas aleatoriamente e começo o meu trabalho.

Verifico como está sendo realizado o marketing de alguns dos clientes que acompanho e faço relatórios incluindo algumas mudanças que pretendo colocar em prática, envio e-mails para alguns clientes que estou com o projeto em andamento e verifico o que já foi feito para que saiba de onde devo continuar.

Seleciono alguns documentos que estão atrasados e perco-me no tempo, fazendo aquilo que mais amo, realizando um trabalho excelente. Quando resolvo olhar no relógio noto que perdi o almoço novamente, mas não me importo, pois realmente não sinto fome. Continuo lendo algumas propagandas quando o telefone começa a tocar, atendo prontamente.

— Escritório do Sr. Fernandes. - Digo e percebo que quem está do outro lado da linha ficou em silêncio por um tempo, escuto apenas sua respiração. — Alô, aqui é a Clara Andrade, com quem gostaria de falar? - Indago após alguns minutos, mas ninguém responde e a respiração fica ainda mais forte. — Quem é? Desculpe, mas terei que desligar se não responder. - A pessoa continua ali, posso ouvir sua respiração, mas ela não responde e depois de alguns segundos desliga o telefone. Eu fico com o telefone no ouvido sem conseguir entender o que aconteceu, tento descobrir de quem é o número, mas é desconhecido. Desisto de tentar adivinhar e começo a me preparar para a reunião.

Bebo um pouco de água antes de sair da sala tentando de alguma forma acalmar o meu coração. Não sei o que sentir referente a isso, ainda não pensei sobre o Bernardo ter convidado a Bianca para ser sua assistente e sinceramente não sei o que pensar sobre isso, só imagino que eu estava certa, eles devem ter algum envolvimento amoroso.

Ensaio um pouco como vou agir, pois me sinto extremamente nervosa, não sei como vai ser ver o Bernardo depois de tudo o que aconteceu e se eu dissesse que me sinto tranquila em relação a isso estaria mentindo.

 Sinto-me tensa e com um frio na barriga que me faz querer vomitar, penso em tudo o que aconteceu entre a gente, até o dia em que deixei o ir embora, tento desesperadamente controlar o que eu sinto, mas não encontro à maneira certa de fazer isso.

Sinto que deveria faltar na reunião, mas qual seria a desculpa? Será que eu preciso de uma desculpa, ele provavelmente vai me demitir assim que for oficialmente o chefe. Eu nunca faltei a nenhuma reunião e se fizer isso agora o Sr. Fernandes ficará intrigado, eu não sei o que fazer.

Saio da sala e vou até o banheiro, olho-me atentamente no espelho, percebo que estou mais abatida do que gostaria e não quero que ninguém perceba. Assim que me retiro vou até a recepção e vejo Cassandra se preparando para sair.

— Vai para a reunião? - Indago e vejo que parece estar triste.

— Vou sim, o Sr. Fernandes exigiu que eu fosse. - Responde parecendo chateada.

— Imaginei que faria questão de todos. - Comento quando ela saí de trás da sua mesa.

— Acredito que já sabe ao que se refere essa reunião. - Afirma e eu forcei um sorriso.

— Sei de pouca coisa. - Digo tentando demonstrar desinteresse.

— Entendi. Estou muito desanimada para ser sincera. - Diz e eu a escuto atentamente.

— O que aconteceu? Você está triste. - Questiono enquanto observo ela guardar alguns papeis.

— Não é nada importante, só não gostei da ideia de Bianca trabalhar com a gente, você precisa ver o jeito que ela fala comigo, isso porque ainda nem começou. - Vejo-a respirar fundo e falo tentando tranquiliza-la.

— Não se preocupe com isso Ca, vou fazer com que não queira mexer com nós. - Digo e fico feliz quando ela sorri.

— Obrigada Clara, você é a minha super-heroína. - Ela pisca para mim e eu não consigo deixar de sorrir. Nós conversamos mais um pouco antes de começar a ir para a sala de reunião.

Dessa vez vamos para o décimo segundo andar, uma vez que a sala de lá é maior e trata-se de uma reunião que deve abranger muitas pessoas. Cassandra me avisa que o Sr. Fernandes, o Sr. Azevedo e a Bianca já desceram e isso me deixa ainda mais nervosa. Não sei como devo encará-lo, não queria vê-lo de forma nenhuma e saber que Bianca estará ao seu lado só me deixa mais nervosa. Quando chamamos o elevador olho atentamente para Cassandra.

— Promete que não sairá do meu lado? Em nenhum momento. - Ela me encara e sorri estranhando o meu pedido.

— Claro, mas o que aconteceu? - Indaga curiosa.

— Conto mais tarde, se quiser podemos ir para a minha casa um dia desses. - Seu olhar ganhou um ar de seriedade que me faz sorrir, mas ela sabe que não estou demonstrando o que sinto.

— Podemos marcar para amanhã, acho que precisa mesmo conversar. - Observa e eu me apoio na parede.

— Preciso sim, é estranho, espero que não fique aborrecida comigo. - Digo e vejo que continua séria.

— Não importa o que aconteça, não ficarei com raiva de você. - Ela segura a minha mão e sorrimos juntas. Quando o elevador chega entramos e isso faz o meu corpo flutuar, não sei exatamente o que estou sentindo, mas sei que não é o que eu queria, respiro fundo quando ele começa a descer preparando-me ou pelo menos tentando me preparar para o que está por vir.

Quando o elevador para e abre à porta eu respiro fundo, estamos em um corredor e conseguimos ver a sala de reunião com as portas abertas, é uma porta balcão de madeira Itaúba, acho-a muito bonita apesar de preferi-la em outro ambiente.

Cumprimento os meus colegas conforme me aproximo sentindo-me cada vez mais nervosa, é como se estivesse no ensino médio novamente sentindo uma vontade de fugir que acho difícil controlar. Assim que nos aproximamos ainda mais da porta respiro fundo mais uma vez e quando entramos na sala sinto o meu coração parar.

Ele está em pé próximo à janela, a sala é grande e confortável, possuindo uma mesa com muitos lugares no centro, outros lugares são um pouco mais reservados, possui flores e alguns sofás na minha cor preferida.

Do outro lado da sala tem uma mesa reservada para o lanche que foi comprado para a reunião, junto com café, água e chá. A sala é pintada na cor bege e os quadros na parede a deixam mais atraente.

Vou em direção ao Sr. Fernandes e conversamos por um tempo, falo com todos da sala inclusive com Bianca que está sentada sobre um dos sofás mexendo em seu celular. De repente me dou conta que não tenho para onde fugir, devo falar com ele e isso me deixa cada vez mais nervosa e envergonhada, ele está vestido com uma roupa social preta e o cabelo está cumprido assim como a barba e de alguma forma ele está mais atraente do que da última vez que o vi.

Aproximo-me lentamente, sentindo o meu coração acelerar a cada passo, não sei qual será sua reação, nem a minha, mas sei que preciso fazer isso. Chego ao seu lado olho um pouco para a paisagem que ele tanto encara e viro-me para ele, olho em seus olhos e sinto a tensão que cresce entre nós, tornando aquele ambiente sufocante, os olhos dele parecem penetrar os meus fazendo com que me sinto tão vulnerável, tão dele...

Percebo-me completamente perdida em seu olhar e isso me constrange. Sem saber o que fazer eu sorrio e reviro os olhos, respiro fundo e o olho novamente vendo que me encara e seu olhar muda agora olha-me como se não me compreendesse e isso faz com que eu me sinta completamente ridícula.

— Boa tarde Sr. Azevedo. - Minha voz sai quase em um sussurro sento-me perdida e confusa, ele toma mais um gole de seu café e volta a me encarar.

— Boa tarde Srta. Andrade. - Diz rispidamente, percebo que sua voz está rouca. Ele tenta demonstrar que não se importa, mas sei que por algum motivo minha presença o incomoda.— Imagino que já saiba o motivo desta reunião? - Indaga e eu me sinto um pouco desapontada, não quero que ele sofra, mas gostaria que demonstrasse que sente alguma coisa depois de tudo.

— O Sr. Fernandes me adiantou algumas coisas. - Respondo e vejo que ele me observa atentamente. — Algum problema? - Questiono.

— Você está... - Ele para de falar e vira o rosto voltando a olhar para a rua, sei que se arrependeu do que estava prestes a dizer, deixando-me curiosa e frustrada.

— Vejo que gostou da paisagem. - Comento tentando mudar de assunto, um assunto que desconheço, mas esforço-me para diminuir a tensão entre nós, quando apenas desejo tê-lo cada vez mais próximo a mim.

— Ok. Bom Srta. espero que cumpra a sua promessa. - Fala e toma o último gole do seu café, eu o encaro e sorrio sem compreender o que está acontecendo dentro de mim, tudo está em ruínas posso sentir como se algo se quebrasse. Olho em seus olhos dessa vez para tentar ver a verdade.

— É isso mesmo que você quer? - Indago e percebo que não estava preparado para essa pergunta. Ele pisca algumas vezes e sinto que está tão perdido quanto eu, dessa vez é ele que encara a janela para responder.

— Sim, sim. É isso que eu quero. - Diz e não me encara, mas eu continuo ali esperando que olhe em meus olhos e ele olha, mas desta vez o que vejo me assusta ainda mais. Ele está falando a verdade.

Sorrio e me afasto sentindo que posso cair a qualquer momento, então me sento em um sofá e aguardo a reunião começar. Após alguns minutos nos chamam para sentar-se em volta da mesa, Bianca senta-se ao lado de Bernardo eu prefiro ficar um pouco afastada e me sento ao lado de Cassandra, sinto o frio em minha barriga aumentar conforme Estevão começa a falar.

— Gostaria de agradecer a presença de todos nesta reunião, peço que cada um em poucas palavras apresente-se e diga o cargo que ocupa. - Diz, fazendo com que eu me sentisse na escola mais uma vez. Nos apresentamos e em seguida ele voltou a falar. — Estamos reunidos essa tarde para informar que o novo Diretor da nossa empresa será o meu filho Bernardo Azevedo Fernandes, devem se referir a ele como Sr. Azevedo, sei que irão se dedicar a ele da mesma maneira que a mim...

Não compreendo mais o que estão dizendo, só consigo imaginar que consegui perder o que havia conseguido em tão pouco tempo. Ver o Bernardo com aquela mulher me deixava tão irritada que eu não sei de quem sinto mais raiva, se era dela ou de mim mesma.

O Sr. Azevedo falou um pouco e disse que não estaria sozinho teria Bianca ao seu lado e desejava o mesmo respeito que dedicaríamos a ele para ela também, senti vontade de rir nessa parte.

Quem era essa mulher e como conseguia coisas com tanta facilidade? Isso eu não sei, mas seu sorriso de vitória me deixava cada vez mais constrangida. Combinamos, então de que o Bernardo faria uma reunião individual com cada um para ficar a par do que andamento de cada setor, em seguida a reunião foi finalizada.

Levantei-me agradecendo por poder ir embora, mas Estevão veio rapidamente em minha direção, pedindo-me para esperar, após alguns minutos só estavam na sala eu, Bernardo, Bianca e Estevão.

— Sentem-se, por favor. - Pediu nós voltamos à mesa e nos sentamos enquanto ele pegava alguns papeis. — Srta. Andrade, você ficará responsável por mais alguns clientes agora que irei me afastar, são os que eu tinha o maior contato, eles são muito exigentes e você é a melhor pessoa para lidar com eles. - Disse deixando-me impressionada, não imaginava que isso aconteceria, mas ele estava sempre pensando em mim. — Pensei em mudá-la de cargo e é claro que terá um aumento que não poderá recusar.  - Informou dirigindo alguns papeis em minha direção. — Veja os documentos do RH. Eu os peguei e comecei a analisá-los, ainda em silêncio.

— Sr. Fernandes, acredito que não precisa disso, eu não pretendo mantê-la na equipe. - Falou Bernardo, tão direto e firme que me fez parar de ler, continuei em silêncio encarando o seu rosto, sentindo aqueles olhos sombrios me penetrarem.

— Mas o que aconteceu para querer dispensar a nossa melhor funcionária? - Indagou Estevão parecendo muito calmo.

— Acredito que eu e Bianca conseguimos realizar esse trabalho muito bem juntos, não precisamos de outra funcionária. - Ele também parecia calmo, já a Bianca não parava de mexer no celular, eu encarei o Sr. Fernandes sem saber o que dizer.

— Eu sou contra isso Bernardo, Clara merece crescer e não sair! Esta empresa cresceu muito desde que ela começou a trabalhar aqui. - Estevão ainda estava calmo não senti nenhuma alteração em sua voz.

— Não discordo de você, só acho que não precisamos dela, não mais. - Senti meu sangue ferver, pois a forma como ele falava de mim, mostrava que não se importava com a minha presença. Voltei o olhar para ele e sorri, vendo a confusão se formar em seu rosto, mas pouco me importava com ela.

— Tudo bem, eu posso sair se achar que o meu trabalho não tem mais utilidade. - Disse vendo Estevão de relance formar a confusão em seu rosto, permaneci encarando o Bernardo desafiando-o e vi quando parecia soltar o ar devagar. Ele estava se controlando, mas isso pouco importava, passei a língua pelo meu lábio inferior e o mordi e quando ele piscou algumas vezes controlei o meu sorriso sabendo que havia atingido o meu objetivo.

— Resolvido, então pode falar para o RH cancelar a promoção. - Sua voz não estava firma, mas ele parecia satisfeito, olhei para Estevão que agora aparentava estar nervoso.

— Não será assim tão fácil Bernardo. Como eu já imaginava que isso aconteceria, falei com o meu advogado e nós fizemos um documento ao qual está claro que o único que pode demitir a Srta. Andrade sou eu, como não farei isso, ela poderá ficar na empresa o tempo que quiser. - Sinto-me extasiada e pela penso que ganhei a primeira etapa, pois não desistirei fácil do que quero. Bernardo me encara, sorrio de uma maneira vitoriosa, mas discreta.

— Parabéns Estevão me surpreendeu. - Diz ainda olhando para mim, sinto seus olhos tão penetrantes que tento não imaginar o que poderia acontecer caso estivéssemos sozinhos.

— Sim, filho conheço-o melhor do que pensa. - Comenta Estevão e volta a olhar para mim, deixando-me um pouco nervosa. — E então Clara o que me diz quer continuar na empresa? - Eu fico em silêncio por um tempo analisando bem o que me foi proposto e decido que o Bernardo merece que eu entre em seu jogo, não posso deixá-lo com a Bianca e sentir pena de mim mesma para sempre.

— Aceito e gostaria de saber se Cassandra poderá trabalhar comigo, vou precisar de alguém para me auxiliar.  - Digo e sorrio, tentando parecer o mais confiante possível imagino ter visto um sorriso nos olhos de Bernardo também, mas foi muito rápido.

— Acho justo, vou informar o RH e eles entrarão em contato com ela amanhã. - Sorrio satisfeita, após assinar os papeis finalizamos a reunião.

Quando subimos Cassandra já foi embora, então vou direto para a minha sala. Organizo algumas coisas ainda sem acreditar no que aconteceu, não acredito que consegui crescer quando eu pensei que havia perdido tudo, pela primeira vez depois de muito tempo sinto-me realmente animada, após alguns minutos ouço abrirem a porta e quando olho vejo Bernardo, ele a tranca e vem até mim, levanto-me apressadamente e fico de pé em frente à minha mesa, encostando-me nela, ele fica tão próximo a mim que sinto sua respiração.

— Vejo que não é boa em cumprir sua palavra. - Diz rispidamente, sua voz está rouca, faz com que eu respire com dificuldade principalmente por saber que o irritei.

— Eu tentei, mas no final pensei no que seria melhor para mim. - Volto a desafiá-lo e vejo seus olhos sombrios brilhando.

— Desconfio que ficar aqui não será o melhor para você. - Ameaça e eu não consigo deixar de sorrir.

— Não estou querendo te desanimar, mas não sinto medo de você. - Digo olhando em seus olhos, ele fica em silêncio e encara os meus lábios fazendo com que eu respire fundo algumas vezes, quando olha em meus olhos percebo que também gostaria de estar tendo outro tipo de conversa.

— Ainda não, mas você terá. Eu vou atormentar a sua vida até ir embora. - Ameaça não consigo conter uma risada, mas deduzo que fazer um pouco de drama seria interessante, volto a ficar seria e faço uma voz meiga.

— O que eu fiz para você? - Indago e vejo que o deixei sem palavras, fico feliz por conseguir o meu objetivo. Ele se afasta um pouco de mim, mas não tiro os olhos dele.

— Isso não importa você disse que iria embora. - Diz já de costas para mim.

— Mas eu mudei de ideia e pensei que você tinha mudado. Isso é por que eu disse não? - Me arrependo quando as palavras saem de minha boca, mas não posso retirá-las. Ele vira para mim e me olha com o os olhos arregalados e vejo a raiva se formar em seu rosto.

— Não sou criança Clara, nem cafajeste. - Me encara e sinto que não consigo tirar os olhos dele, o jeito que ele me olha faz com que eu tenha lembranças indesejadas e me dá sensações que eu não estava preparada para sentir, respiro fundo e falo.

— Sério? - Indago provocando-o. — Talvez eu não tenha percebido isso, mas agradeço a informação, querido. - Ele fica ainda mais perto de mim, coloca uma mão de cada lado do meu rosto forçando-me a ficar mais próxima a ele, nossas respirações aceleram.

— Você se enganou eu não mudei de ideia. - Sussurra, fazendo todo o meu corpo arrepiar-se, sinto o seu hálito cada vez mais forte em meus lábios e desejo cada vez mais beijá-lo, criando coragem disparo.

— Mas eu mudei. - Murmuro. — Não sei o que me fez mudar, mas mudei. Por que trouxe Bianca para cá? - Indago e ele me encara como se estivesse me analisando, seus olhos penetrando os meus, deixando-me cada vez com mais vontade de senti-lo.

— Porque nós trabalhamos bem juntos. - Informa ao começar a se afastar de mim e eu só queria que ele continuasse ali.

— Entendi, mas tinha que ser aqui? Ela me odeia. - Digo e ele me encara enquanto senta-se no sofá.

— Ela não a odeia. - Fala como se isso realmente importasse. — Clara, sobre o que aconteceu entre nós, eu queria dizer que fico feliz por ter recusado, eu não estava pensando direito naquele dia. Você não é a pessoa certa para mim. - Suas palavras me quebram e eu não consigo responder, ele se levanta e vai embora deixando-me sozinha.

Eu fico algum tempo ali sem me mexer pensando se realmente ouvi direito, tentando entender se ele pensa como a Betina, quem seria a pessoa certa? Depois de alguns minutos pego as minhas coisas e vou para casa.

Quando chego vejo Atena deitada na sala, fico feliz por ter conseguido ficar sozinha sem destruir nada, tomo um banho apressada e vou até a cozinha, coloco a comida de Atena e me sento um pouco na mesa enquanto bebo água. Não sei se o dia foi como eu gostaria, mas posso dizer que foi diferente de tudo o que havia pensado. Mesmo estando cedo sinto vontade de dormir, então vou para cama deito e deixo a porta aberta para que Atena entre se precisar.

Penso em tudo que ele me disse antes de virar as costas e sair, será que era verdade? Sinto o meu corpo começar a tremer e deixo que as lágrimas invadam o meu rosto, elas são minha companhia, ultimamente estão comigo todas as noites.

Bernardo

Tiro a gravata e bebo um pouco de uísque não consigo acreditar que ela está me desafiando. Por algum motivo acha que estou brincando, mas eu não estou.

Sentindo a raiva percorrer o meu corpo bebo todo o líquido que está no meu copo de uma vez e jogo a gravata no sofá, não sei se sinto raiva dela por me desafiar ou de mim por ter me excitado com essa atitude.

Depois de alguns minutos vejo os meus pais entrarem animados na sala, após os cumprimentos, nos sentamos no sofá.

— Já sabem para onde vão? - Indago.

— São tantos lugares querido, que não sei como escolher. - Diz minha mãe.

— Então vão para todos os lugares, vocês podem. A empresa estará em segurança e vai prosperar. - Digo tentando tranquiliza-los.

— Você tem razão meu filho, vou levar a minha esposa para todos os lugares que ela quiser. - Exclama o meu pai e em seguida se beijão.

Olhando-os assim, lembro-me da Clara, não sei o que está fazendo agora. Quando penso em uma família, penso nela, pois foi à única mulher que despertou essa vontade em mim.

Uma vontade diferente de querer viver e não apenas existir. Sorrio para eles, vendo que ainda são felizes.

— Irei dormir agora, amanhã o dia será puxado. - Falo despedindo-me.

— Tem razão, descanse você precisa e merece. - Diz meu pai.

Nos abraçamos e beijo as mãos de minha mãe, em seguido vou para o quarto.

Penso no que farei para tirá-la de minha cabeça, preciso pensar em algo rápido antes que eu me perca nela novamente.

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