Depois de rodar meio sem rumo pela cidade, Gabriel foi até o Paço Real. Não conseguira dormir direito e depois de ficar cansado de rolar de um lado para o outro, resolveu sair. Acabou vindo conversar com o amigo, pois sabia que este acordava cedo, não importando há que horas fosse dormir. Sempre levantava cedo para fazer seus exercícios físicos, os quais, apregoava aos quatro cantos ser a melhor maneira de um homem manter o seu vigor. A esta hora já devia estar tomando o aperitivo antes do almoço.
Gabriel parecia abatido naquela manhã, observou D. Pedro.
- Nos proporcionou um belo espetáculo, meu caro! O baile estava um tanto enfadonho, até você e sua dama começarem a brigar na frente de todos. – D. Pedro soltou uma gargalhada e tomou um outro trago de cachaça. – Ali
Seu tio tanto insistira para que ela o acompanhasse a um Sarau, que sentiu-se na obrigação de aceitar.Não estava com a menor disposição para sair e conhecer pessoas.Esfregou os olhos que ardiam e questionou a própria sanidade. Só a completa loucura, justificaria o fato de ter se comportado como uma mulher perdida, com um homem que não sentia nada por ela.Cansada, Beatrice inclinou a cabeça para trás, apoiando-a no encosto da cadeira e fechou os olhos, tentando não pensar. Mas uma tristeza pesada e dolorida a envolveu. Tinha que admitir, Gabriel significava mais para ela do que poderia desejar ou suportar.Pensava nele o tempo todo, seu coração disparava toda vez que o via, o som da voz dele despertava seus sentidos deixando-a excitada e carente. Quando ele a tocava se derretia toda, tornando-se dócil e submissa. Uma verdadeira cretina! –
- Não se mexa! – gritou Beatrice. - Não ouse chegar perto de mim, canalha! Se der mais um passo eu atiro – falou com a voz engasgada, tamanho o nó que lhe apertava a garganta numa mistura de medo e raiva.Suas mãos tremiam e Beatrice tentava se controlar enquanto segurava a pesada pistola com as duas mãos . Seus cabelos desgrenhados, caíam sobre o rosto banhado em lágrimas e seus olhos fuzilavam o homem completamente nu parado à sua frente.- Você ficou maluca, benzinho? Devolva a minha arma e se acalme um pouco – disse o homem com voz pastosa e atitude indolente, que só um bêbado teria diante de uma arma. – Seja boazinha e peça um café, minha cabeça está rodando mais que pião.- Não vou pedir nada. Pegue suas roupas e saia daqui antes que eu lhe meta uma bala no peito, que é o que você merece.- Ora, ora, benzinho. Você está muito nervosa. É certo que eu bebi além da conta ontem a noite, talvez você não tenha gostado, mas isso não é
Ao sentir a carruagem diminuir a velocidade e parar, esticou-se para dar alívio aos músculos doloridos e viu que o sol já estava mais fraco ao entardecer. Ouviu cavalos se aproximando a galope e gritos do cocheiro que agitava as rédeas tentando aumentar a velocidade dos cavalos. Alguma coisa parecia estar errada.Colocou a cabeça para fora da janela, os cavalos levantavam muita poeira e vinham pela estrada rapidamente em direção a eles. Apertou os olhos e conseguiu ver o primeiro cavaleiro, que estava com o chapéu enterrado na cabeça e uma barba longa e escura lhe encobria o restante do rosto. Arregalou os olhos novamente, quando ouviu um estampido. Tiro! Estavam atirando contra a carruagem.Seu coração disparou e pareceu subir para a boca, tal a sensação de sufocamento que Beatrice sentiu. Estavam sendo assalta
Dando um pulo sentou na cama assustada. Tudo não passara de um pesadelo, tinha que ser um pesadelo!Respirou fundo e afastou com as mãos as mechas do longo cabelo dourado que lhe caíam em cima dos olhos.Olhou para um lado, depois para o outro, não tinha a menor idéia de onde estava. As lembranças vinham aos turbilhões em sua mente, deixando-a ainda mais confusa.Quando a realidade de tudo que acontecera desabou sobre ela, sentiu um nó enorme se formar em sua garganta e seus olhos se encheram de lágrimas.Jogou o corpo para trás com violência. O colchão de plumas afundou com o peso do seu corpo que caía.Colchão de plumas? Que cativeiro era aquele que tinha colchão de plumas?Suspirou mais uma vez e resolveu que não iria adiantar nada, ficar enterrada naquela cama chorando e sentindo pena de si mesma.Olhou para o teto e viu que este era forrado de madeira de boa qualidade, inclusive os detalhes de acabamento mostravam que o artesão se esmerara no trabalho
Beatrice tentou acompanhar os passos largos do homem a sua frente, sem demonstrar a dor que sentia em seus pés machucados. Quando pisou em uma pedra pontiaguda, não suportou mais, soltou um grito estridente. Tentou manter-se em pé mas foi inútil, caiu de joelhos e ficou ali de cabeça baixa até que sentiu braços fortes a enlaçarem. Foi aconchegada ao peito largo e carregada no colo até a casa. Não falou nada e nem resistiu a intimidade do gesto. Seus pés latejavam como se estivessem em carne viva.Gabriel entrou pela porta da cozinha e chamou a criada negra .– Anastácia! Traga água quente e unguentos para o quarto da hóspede, ela machucou o pé.– Sim, sinhôzinho. Vai precisá de bandagê tamém? – falou no português próprio dos escravos.– Acho que sim. Leve tudo para lá, enquanto eu vejo
Beatrice rolava de um lado para outro na cama, negava-se a acordar. Queria dormir e sonhar, não queria acordar para a realidade que tanto a oprimia. Não queria continuar cativa, queria se libertar de tudo, esquecer seu passado e viver livre das humilhações e indignações que sofrera no passado e das que voltara a sofrer nos últimos dias.Mas seu estômago roncou alto, reclamando a falta de comida. Devia ter dormido o dia inteiro, se esquecera até do almoço. Abriu os olhos e percebeu que já estava bem escuro, a noite já caíra por completo. Com todas as atribulações que passara, acabara dormindo demais e agora estava morta de fome.Afastou os lençóis, sentou na cama e lembrou-se que estava nua. Tinha dormido enrolada apenas na toalha, teria que arrumar alguma coisa para vestir se quisesse sair do quarto para comer.Apalpou a mesinha do lado da cama e achou o castiçal, tateou mais um pouco e encontrou os fósforos. Acendeu as três velas do castiçal e começou a procura
Durante dois longos dias, Beatrice manteve-se isolada. Quando se atrevia a sair do quarto por alguma necessidade premente, voltava rapidamente quando ouvia a voz do “safado” ou de suas mulheres. Seu sangue chegava a ferver cada vez que o via, odiava-o com tanta intensidade que seu corpo tremia de raiva.No entanto, era prisioneira dele e estava impotente diante da situação. As vezes, temia continuar com as provocações e tentativas de fuga, pois não sabia até onde aquele canalha poderia chegar em sua crueldade. Receava ser castigada ou mesmo trancafiada em algum cubículo escuro, como costumavam fazer com os prisioneiros. Só em pensar nisso, um arrepio lhe percorreu a espinha e suas pernas ficaram bambas de pavor.Desde criança tinha medo de lugares fechados e escuros, onde se escondiam insetos asquerosos e ratos horripilantes.Até o momento estava sendo bem tratada, comida não lhe faltava. Mesmo que ela não saísse do quarto, a criada negra lhe trazia todas as refeições
Beatrice se trancou no quarto pelo resto do dia. Aproveitou para terminar a costura que estava fazendo. Como suas anáguas eram amplas e volumosas, resolveu usar todo aquele tecido para fazer um vestido mais simples e fresco, para usar nos dias de intenso calor.O crepe chinês e as rendas de suas anáguas, acabaram por dar um charme todo especial ao vestido que cosia. Com a ajuda de Anastácia e os conhecimentos de bordado que adquirira graças a persistência de sua mãe, a qual, vivia repetindo que uma verdadeira dama tinha obrigação de saber bordar. Cortaram e montaram o vestido, agora Beatrice estava terminando os enfeites de renda no decote.Tomou um banho demorado e refrescante, saiu da banheira e começou a se enxugar. Passou a estudar o reflexo de seu corpo nu, no espelho. O olhar foi atraído para os seios redondos e firmes, para a pele muito branca e sedosa, para os contornos suaves dos quadris... Uma estranha sensação nasceu em seu ventre, ao se lembrar do beijo