- Não se mexa! – gritou Beatrice. - Não ouse chegar perto de mim, canalha! Se der mais um passo eu atiro – falou com a voz engasgada, tamanho o nó que lhe apertava a garganta numa mistura de medo e raiva.
Suas mãos tremiam e Beatrice tentava se controlar enquanto segurava a pesada pistola com as duas mãos . Seus cabelos desgrenhados, caíam sobre o rosto banhado em lágrimas e seus olhos fuzilavam o homem completamente nu parado à sua frente.- Você ficou maluca, benzinho? Devolva a minha arma e se acalme um pouco – disse o homem com voz pastosa e atitude indolente, que só um bêbado teria diante de uma arma. – Seja boazinha e peça um café, minha cabeça está rodando mais que pião.- Não vou pedir nada. Pegue suas roupas e saia daqui antes que eu lhe meta uma bala no peito, que é o que você merece.- Ora, ora, benzinho. Você está muito nervosa. É certo que eu bebi além da conta ontem a noite, talvez você não tenha gostado, mas isso não é motivo para querer me matar. Estendeu o braço tentando segurá-la, mas ela firmou a arma e apontou direto para o peito desnudo.- Nunca mais irá me tocar, animal! Nosso casamento está acabado, a viagem de núpcias cancelada e você voltará para Londres como o “João ninguém” que sempre foi.- Isso machuca, você sabe? Não seja louca, abaixa essa arma! – falou, mostrando receio da arma disparar. - Eu não sou louca e sei atirar muito bem. Meto-lhe uma bala na cara e de lambuja lhe arrebento os fundilhos!São Sebastião do Rio de Janeiro
janeiro de 1822Beatrice balançou a cabeça, tentando apagar as lembranças dolorosas da mente. Com os olhos enevoados e os lábios apertados, se mantinha em pé no convés do navio que aportava no Rio de Janeiro. As mãos apertavam o cabo de marfim da sombrinha de rendas, enquanto seus olhos vagavam ao longe.
Em turbilhão, as lembranças dos acontecimentos que se seguiram após seu malfadado casamento se atropelavam em sua mente.Quando conheceu Richard, apaixonou-se. Principalmente por ele representar o oposto de tudo que a sociedade esperava que seu noivo fosse ou tivesse. Ele não pertencia à nobreza, não tinha fortuna e nem carreira. Só era belo e vistoso e soube jogar direitinho para que ela caísse em sua armadilha.
Casou-se achando que havia encontrado seu príncipe encantado, o qual, a levaria conhecer os prazeres incríveis que até então só lera nos livros. O amor idílico dos romances, levara Beatrice a sonhar com beijos e carinhos que a fariam tremer de prazer e a levariam a um mundo até então só sonhado.Doce ilusão!Em sua noite de núpcias, Beatrice conheceu a verdade sobre o relacionamento carnal entre um homem e uma mulher. Suas ilusões românticas foram totalmente destruídas.Richard que sempre se mostrara cuidadoso com ela, correndo para atender todas as suas vontades e caprichos, no momento em que oficializou-se como marido, mudou feito camaleão. Tornou-se irreconhecível. Mostrou realmente seu verdadeiro caráter: prepotente, egoísta e mesquinho. À distância dos acontecimentos podia enxergar com clareza a personalidade do homem com quem havia se casado. Durante as comemorações Richard havia bebido em excesso, falava em voz bastante alta como seria sua vida futura, agora que havia se casado com a filha de um conde tão importante. Beatrice se sentira chocada e envergonhada com as atitudes do marido, jamais poderia ter imaginado tal situação.Mas o pior ainda estava por vir...Logo que entraram na luxuosa suíte, Richard se desvencilhou das roupas ficando apenas com as calças e a camisa aberta no peito, que deixava à mostra o tufo de pêlos claros e crespos. Encheu um copo com brandy e passou a bebericar com ar satisfeito. Com um sorriso torto nos lábios, veio até ela e começou a despi-la.– Você não acha que já bebeu demais? – falou Beatrice com os braços rigidamente grudados ao corpo e os punhos fechados.– Não estou bêbado! – Os olhos se dilataram com irritação pela censura feita por Beatrice. Depois um sorriso zombeteiro formou-se em seu rosto. – Ah! Está preocupada com nossa noite de núpcias. É isto que a está incomodando, não é? – perguntou com deboche. – Está com medo que eu não vá cumprir com as minhas funções na cama? Asseguro-lhe que nunca houve queixas.Toda aquela grosseria fez Beatrice corar de repulsa. Estava tudo errado! Na verdade aquele homem que estava na sua frente, tornara-se um estranho.– Ora, ora! A minha donzela enrubesceu – ele riu com zombaria.– Richard, por favor – murmurou Beatrice querendo que ele baixasse o tom de voz e parasse com aquelas grosserias.– Vire-se – ordenou.Como ela demorasse a obedecer, ele pegou em seu ombro e a virou de costas, começou a desamarrar os laços e botões que fechavam o luxuoso vestido de noiva.Beatrice tremia, parecia que suas pernas não a sustentariam por muito tempo, seu coração batia como de um animal preso em uma armadilha. Sentiu a pele arrepiar-se enquanto o olhar dele descia pelo seu corpo. Estava sendo tratada como uma mercadoria, inspecionada e avaliada.– Muito bom! – murmurou Richard. Acariciou as nádegas redondas e Beatrice enrijeceu ainda mais o corpo ao seu toque. Virando-a de lado passou as mãos sobre a fina renda de seu espartilho, elevando e apertando um de seus seios. – Mas acho que prefiro seus lindos seios – continuou falando com a voz engrolada.– Richard, não – disse com voz trêmula e nauseada pelo cheiro forte de bebida que vinha de seu hálito.– Ah, não! – A boca se retorceu provocando uma aparência desagradável. – Não vai dar uma de donzela nervosa esta noite. Você está sempre me provocando e agora não vai fugir.Puxou-a de maneira brusca para seus braços. Apertou a carne macia das nádegas e forçou seus quadris contra ela para que percebesse a rigidez de seu sexo. Uma onda de nojo subiu à garganta de Beatrice, fazendo com que seu estômago revirasse.– É isso que você quer, não é? – falou Richard com a voz cheia de malícia. – Porém não acha próprio de uma dama tão fina admiti-lo, não é?Ele começou a desamarrar seu espartilho e devido ao estado de embriaguez seus esforços eram inúteis. Tentou arrancá-lo puxando com força, mas nada conseguiu. – Richard você está me machucando – protestou Beatrice. Ele parou e esmagou seus seios contra o peito, os pêlos ásperos arranharam a pele sensível. Agarrou os cabelos longos e os puxou com força, causando tanta dor que a fez estremecer. Seus lábios desceram sobre os dela de maneira brutal, esmagando e ferindo sua maciez. Beatrice nada pode fazer quando a língua dele invadiu com violência sua boca.Tomou Beatrice nos braços, levou-a até a cama e deitou-a sobre as cobertas. Sem nada falar, puxou e tirou sua calçola sem nenhuma cerimônia. Com o corpo semi despido, pois ainda conservava o espartilho que ele desistira de tirar, Beatrice ficou imóvel enquanto ele tirava as calças.Fechou os olhos com força pensando que aquilo só podia ser um pesadelo, não podia estar acontecendo com ela, não era nada disso que tinha sonhado. Achava que quando chegasse o momento de se entregar para um homem, este seria um momento mágico, cheio de carinho e ternura.Abriu os olhos bruscamente quando sentiu a cama ceder ao peso dele.Ele fechou a mão sobre um dos seios que escapara do espartilho e enterrou o rosto na curva do seu pescoço, mordiscando a pele alva e macia. Mas logo abandonou qualquer tentativa de estimular com carinhos o desejo de Beatrice.Abriu à força as pernas dela para penetrá-la.– Se acalme e relaxe um pouco – ordenou irritado.Ao sentir a dor excruciante que a rasgava por dentro começou a gritar, mas a boca dele desceu sobre a dela abafando seus gritos e protestos. O peso do corpo masculino largado sobre o seu e a pressão insistente da boca sobre a sua estava sufocando-a, seu cérebro girava loucamente e sua visão tinha se tornado um borrão, pensou que fosse desfalecer diante de tanto desespero. Possuiu-a como um animal no cio. Depois rolou para o lado, se dando por satisfeito.Lágrimas de degradação, desprezo e humilhação se misturaram as lágrimas que já corriam pelo seu rosto, pela dor infringida em seu corpo virginal. Sentia-se suja, usada, humilhada ao extremo e por seu próprio marido. O homem que deveria amá-la e reverenciá-la com seu carinho, a tinha tratado feito uma prostituta de rua, como uma qualquer.- Deus, estou cansado. – falou Richard com voz sumida e passou a mão pelos cabelos desgrenhados.Dali a pouco, Richard roncava feito um porco, sem nem ao menos se virar para ver como ela estava.Quando tentou se mexer para sair da cama, os músculos protestaram e uma câimbra enrijeceu sua perna deixando-a prostrada por alguns instantes. Com esforço rolou para fora da cama e ficou olhando o homem bêbado que dormia a sono solto.Como ela odiava aquele canalha!Seu corpo estava magoado e sua mente chocada pela violência que havia sofrido. Ele a possuíra com brutalidade e egoísmo. O sexo não era uma união prazerosa entre duas pessoas que se amavam, era uma violação degradante.Quando Richard se deu conta de que ela falava sério sobre o fim do casamento, entrou em pânico e passou a suplicar seu perdão e a sua compreensão. Cada vez mais ele mostrava sua falta de caráter e se tornava asqueroso aos olhos de Beatrice. Depois de discutirem muito, ela desistiu de atirar nele e jogou a arma pela janela, com medo que ele a usasse para lhe causar mais mal. O único ponto em que cedeu, foi dar-lhe bastante dinheiro para que aceitasse a nova situação e se mantivesse o mais distante possível. Agora ela estava em busca de uma nova vida. A menina ingênua e tola que pensava “tudo saber”, não mais existia. Já estavam em janeiro de 1822 e dois anos haviam se passado desde o dia do seu absurdo casamento e mesmo assim as feridas abertas não estavam cicatrizadas. Agora ela era uma viúva de vinte anos de idade, marcada pela experiência desastrosa de um casamento. Nunca mais acreditaria no amor, ele só existia nos livros. Era inventado pelas penas dos poetas que só nos iludiam com suas mentiras e fantasias sobre o amor.– Bah! O amor e os homens não passam de um engodo – disse em voz alta, chamando a atenção das pessoas mais próximas. A partir daí, seu excelentíssimo marido, um plebeu que sua mãe advertira não ser boa escolha para se casar, passara a se comportar como um solteiro. Começara a beber demais e perder grandes quantias nas mesas de jogos, o dinheiro dela é claro. E para humilhá-la ainda mais, passou a buscar prazer e conforto em outras mulheres abertamente, nunca tentou ser discreto.Quando ela o confrontava e dizia que não iria pagar mais suas dívidas de jogo e sustentar suas farras, ele simplesmente dizia que ela era frígida. Que se achava uma dama intocável e de nariz empinado e que ele não tinha tempo a perder com uma esposa fria e sem graça. Falava que, quando colocara a aliança de casamento em seu dedo um mundo novo se abrira para ele e agora ela teria que agüentar as conseqüências, já que não o queria por perto tinha a obrigação de sustentá-lo. Dizia sempre, que ela não sabia o que era não ter dinheiro. Que a vida inteira tivera que bajular e se humilhar para sobreviver. - Agora que estou com você - falava com arrogância - todo este tipo de vida pertence ao passado. Não serei mais humilhado, terei a vida que sempre mereci. Sou muito melhor que esses nobres metidos à besta – dizia e terminava o discurso com uma gargalhada.Ela agüentara todas as humilhações por vergonha. Todos os avisos e súplicas de seus pais soavam em seus ouvidos e ela idiota e teimosa não ouvira. Para evitar um escândalo ainda maior, ela suportou a extorsão do canalha com quem ao menos no papel continuava casada. Depois de quase dois anos de suplício, ficara viúva. O marido fora assassinado em uma briga por causa de desavenças no jogo e sabe-se lá mais o quê?Olhou para as pessoas em volta, todos debruçados na amurada do navio . Centenas de europeus fitavam ansiosos e extasiados a paisagem magnífica que se descortinava no horizonte.A imensa baía cintilava com esplendor inigualável, a água de um verde singular contrastava com a linha branca e estreita da praia. À distância se avistava a mancha colorida do casario esparramado entre a mata e a montanha. A vegetação fazia-se luxuriante, diversas tonalidades de verde se misturavam subindo a encosta dos morros que rodeavam a baía. A visão de terra tão bela chegava ser desconcertante.Saídos de uma Europa gelada, os viajantes enfrentaram os meses de viagem passando por desconfortos e privações, chuvas torrenciais e sol escaldante. Acalentando seus sonhos e planos de começar uma nova vida em terra até então para eles desconhecidas.Na Europa muito se falava sobre o Brasil, alguns o descreviam como terra de ninguém, onde o povo sem instrução vivia de maneira bárbara. Diziam que suas casas mais pareciam choças, nas quais os animais circulavam livremente sem qualquer cuidado com a higiene. A mistura entre negros, índios e brancos era natural e a população de mestiços crescia dia a dia.Chegavam a chamar a todos de selvagens pagãos e achavam um absurdo, um europeu civilizado querer morar ou mesmo visitar lugar tão primitivo. Onde os habitantes se vestiam com poucas roupas e onde o calor era escaldante o ano inteiro.Pelo relato de alguns, o Brasil era intolerável. Já para outros, o verdadeiro paraíso!Beatrice parada próxima à amurada, olhava com avidez a colônia portuguesa para onde resolvera partir depois de tantas desilusões na Inglaterra.Nem o calor intenso diminuía seu prazer. Sentia o suor lhe correr pelas costas e suas vestimentas nada adequadas ao clima tropical lhe grudavam ao corpo, o que a fazia se sentir dentro de um forno. O sol a pino e o céu sem nuvens em nada ajudavam, nem a brisa leve vinda do mar amenizava o calor escaldante que todos sentiam.Quando enviuvou recentemente, Beatrice resolveu aceitar o convite de seu tio Desmond para conhecer e passar alguns meses no Brasil. Desmond Stanford era um dos representantes do reino inglês no Brasil. Seu trabalho diplomático junto ao príncipe regente D. João VI, era cuidar para que os interesses ingleses fossem protegidos e o comércio entre os dois países crescesse e prosperasse.Beatrice se sentia ansiosa para descobrir como era a vida na corte de D. João VI. Se tivesse sorte, a vida ali seria exótica e totalmente diferente da corte inglesa, de onde queria se manter o mais distante possível.Filha de nobres, Beatrice sempre teve uma vida de privilégios. Sendo filha única não escapou de ser mimada pelos pais que toleravam todas as suas “excentricidades”, como costumavam chamar as tolices que fazia. Tentando ser irreverente, costumava tomar atitudes para chocar a sociedade de Londres, sempre saía impune graças ao status e a riqueza do Conde Stanford, seu pai.Agora que chegara ao seu destino, sentiu o corpo todo estremecer em um princípio de pânico . Olhou as águas da baía e as terras verdejantes a sua frente , sentiu-se nervosa, ansiosa e com o medo a apertar-lhe a garganta. O que o destino lhe reservava? Será que em terras tão distantes conseguiria encontrar um pouco de paz e um vislumbre de felicidade?Ao descer do pequeno escaler que a trouxera do navio, lady Beatrice sacudiu a cabeça com impaciência tentando livrar-se de tais pensamentos. O gesto a trouxe de volta ao presente.O barulho do porto chegava a ser ensurdecedor. Mais ao longe, à beira da baía, um mercado repleto de barracas fervilhava sob o sol forte do verão tropical. As pessoas andavam de um lado para outro incessantemente, alguns vendedores ambulantes gritavam oferecendo suas mercadorias. Beatrice olhou a cena exótica com os olhos brilhando de curiosidade. Muitos negros andavam carregando tonéis pesados, sacos, balaios, cestas e todo tipo de objetos, muitos contendo coisas que Beatrice nunca tinha visto. Se aproximou de uma barraca e observou extasiada a diversidade de cores, formatos e aromas das frutas que não conhecia e as quais ansiava provar. Queria provar coisas novas, tornar-se outra pessoa, deixar a mulher angustiada e reprimida que se tornara para trás. Enterrar a sua antiga vida e renascer para uma nova existência. Se abrir para o mundo! Não queria mais aquela vida triste e cinzenta dos últimos anos.Queria adquirir o colorido, o calor, o aroma e o sabor da nova terra. Uma nova Beatrice lutava para sair de dentro dela. O erro que cometera no passado não iria fazer com que se tornasse uma morta viva. Por isso decidira sair da Inglaterra e se aventurar em terras tão distantes. Daria a ela mesma uma nova chance, não se deixaria enganar pelos homens. Jamais seria ingênua novamente a ponto de cair em uma armadilha e ficar à mercê do egoísmo e da arrogância dos homens. Não! De agora em diante ela teria o controle de sua vida nas mãos, nada nem ninguém iria humilhá-la.Uma negra com roupas brancas e turbante na cabeça, se dirigiu a ela em uma língua estranha. Fazendo gestos Beatrice tentou mostrar à negra que não entendia o idioma falado no Brasil. Depois de mais algumas tentativas, Beatrice desistiu e voltou para o navio à espera do capitão que muito solícito, se oferecera para arrumar uma carruagem ou um coche que levasse ela e a sua bagagem para a residência de seu tio.Ao olhar em volta, notou que o capitão do navio estava tendo dificuldade em lhe conseguir um fiacre.Ela continuava imprudente – pensou exasperada. - Não avisara o tio de sua viagem e agora não havia ninguém para acompanhá-la em sua chegada nessa terra estranha.Respirou fundo e abanou-se para afastar as moscas e as preocupações. Olhou em volta e mais adiante avistou uma grande praça, no centro desta se avistava uma construção grandiosa , com a fachada em pedras marrons. E uma imensa porta de madeira maciça ladeada por tocheiros de bronze, dominava a parte central do prédio. Não lhe pareceu uma construção muito luxuosa, era um pouco simples para ser um palácio, mas as grandes janelas em toda a frente, lhe dava uma graciosidade despretensiosa. As casas baixas, as construções, o bebedouro, o mercado, a igreja imponente com o sol brilhando em seus vitrais e atrás a rica floresta, dava à paisagem uma beleza inusitada.Sentiu alguém lhe segurar o braço, voltou-se rapidamente e quase tropeçou no capitão.– Perdão – disse Beatrice segurando o chapéu que havia se deslocado para trás.– Eu que lhe peço perdão pela demora, milady. Estava com dificuldade em encontrar um fiacre que estivesse à altura de lady tão importante – disse, fazendo uma breve mesura.– Eu lhe agradeço e também me desculpo por estar lhe dando tanto trabalho. É que em terras estranhas, me sinto perdida sem saber para que lado ir. – Sorriu com simpatia para o capitão.– Pois suas preocupações terminaram, já providenciei o transporte e seus pertences estão sendo carregados. Espero que milady saiba exatamente para onde vai.– Oh, sim. Meu tio tem uma residência em um lugar chamado “Quinta da Boa Vista”.O capitão ergueu as sobrancelhas e franziu a testa numa expressão de desagrado.– Este lugar é deveras distante milady. Apesar da viagem até lá lhe proporcionar paisagens maravilhosas, é um tanto exaustiva e perigosa. Existem desocupados e marginais em bandos pelas estradas. Vou recomendar ao cocheiro que não pare por motivo algum, assim milady poderá chegar rapidamente e com segurança ao seu destino.– Fico aliviada por ter me arrumado um transporte e lhe agradeço mais uma vez capitão. E não esquecerei de fazer recomendações ao meu tio, com certeza ele lhe agradecerá muitíssimo por sua gentileza para comigo. – Com um movimento de cabeça, assentiu e deu um passo para o lado indicando que ela o acompanhasse.Já dentro da carruagem, Beatrice olhou seus baús amarrados atrás e o interior com o restante de seus pertences que estavam acomodados em malas menores. Suspirou profundamente e pegou um leque da bolsa que pendia em seu pulso, passou a se abanar para amenizar o terrível calor, suas roupas já estavam molhadas de suor e cachos de cabelo grudavam em seu pescoço, causando mal estar. Suspirou e pensou que quando chegasse à casa do tio, iria entrar em uma banheira repleta de água e ficaria lá dentro por horas a fio. Iria lavar todo o pó da viagem e também todas as mazelas e ressentimentos passados.Animou-se com estes pensamentos e com o pouco de ar que entrava pela janela enquanto a carruagem se locomovia por ruas, vielas e ladeiras sinuosas que cortavam o perímetro urbano.Beatrice olhava as ruas com ansiedade. Abriu todas as cortinas, na tentativa de entrar mais ar fresco no ambiente abarrotado de malas. A vista da cidade era peculiar, no emaranhado de ruas que pareciam se cruzar meio sem sentido, se esparramavam casas que lhe pareciam todas iguais. A monotonia das casas, só era quebrada pelas portas e janelas muitas vezes repletas de flores exóticas e coloridas.A carruagem avançava em meio a solavancos, saía do perímetro urbano e entrava em uma estrada ladeada por florestas. O frescor das matas trazia pouco alento para o calor, mas a beleza da paisagem compensava. Conforme a viagem prosseguia, Beatrice podia ouvir as águas e ver o brilho delas por entre as folhas das árvores, eram riachos que desciam o morro em direção à cidade. Começou a sentir sonolência devido ao calor, encostou-se no assento e fechou os olhos para descansar por alguns instantes.Ao sentir a carruagem diminuir a velocidade e parar, esticou-se para dar alívio aos músculos doloridos e viu que o sol já estava mais fraco ao entardecer. Ouviu cavalos se aproximando a galope e gritos do cocheiro que agitava as rédeas tentando aumentar a velocidade dos cavalos. Alguma coisa parecia estar errada.Colocou a cabeça para fora da janela, os cavalos levantavam muita poeira e vinham pela estrada rapidamente em direção a eles. Apertou os olhos e conseguiu ver o primeiro cavaleiro, que estava com o chapéu enterrado na cabeça e uma barba longa e escura lhe encobria o restante do rosto. Arregalou os olhos novamente, quando ouviu um estampido. Tiro! Estavam atirando contra a carruagem.Seu coração disparou e pareceu subir para a boca, tal a sensação de sufocamento que Beatrice sentiu. Estavam sendo assalta
Dando um pulo sentou na cama assustada. Tudo não passara de um pesadelo, tinha que ser um pesadelo!Respirou fundo e afastou com as mãos as mechas do longo cabelo dourado que lhe caíam em cima dos olhos.Olhou para um lado, depois para o outro, não tinha a menor idéia de onde estava. As lembranças vinham aos turbilhões em sua mente, deixando-a ainda mais confusa.Quando a realidade de tudo que acontecera desabou sobre ela, sentiu um nó enorme se formar em sua garganta e seus olhos se encheram de lágrimas.Jogou o corpo para trás com violência. O colchão de plumas afundou com o peso do seu corpo que caía.Colchão de plumas? Que cativeiro era aquele que tinha colchão de plumas?Suspirou mais uma vez e resolveu que não iria adiantar nada, ficar enterrada naquela cama chorando e sentindo pena de si mesma.Olhou para o teto e viu que este era forrado de madeira de boa qualidade, inclusive os detalhes de acabamento mostravam que o artesão se esmerara no trabalho
Beatrice tentou acompanhar os passos largos do homem a sua frente, sem demonstrar a dor que sentia em seus pés machucados. Quando pisou em uma pedra pontiaguda, não suportou mais, soltou um grito estridente. Tentou manter-se em pé mas foi inútil, caiu de joelhos e ficou ali de cabeça baixa até que sentiu braços fortes a enlaçarem. Foi aconchegada ao peito largo e carregada no colo até a casa. Não falou nada e nem resistiu a intimidade do gesto. Seus pés latejavam como se estivessem em carne viva.Gabriel entrou pela porta da cozinha e chamou a criada negra .– Anastácia! Traga água quente e unguentos para o quarto da hóspede, ela machucou o pé.– Sim, sinhôzinho. Vai precisá de bandagê tamém? – falou no português próprio dos escravos.– Acho que sim. Leve tudo para lá, enquanto eu vejo
Beatrice rolava de um lado para outro na cama, negava-se a acordar. Queria dormir e sonhar, não queria acordar para a realidade que tanto a oprimia. Não queria continuar cativa, queria se libertar de tudo, esquecer seu passado e viver livre das humilhações e indignações que sofrera no passado e das que voltara a sofrer nos últimos dias.Mas seu estômago roncou alto, reclamando a falta de comida. Devia ter dormido o dia inteiro, se esquecera até do almoço. Abriu os olhos e percebeu que já estava bem escuro, a noite já caíra por completo. Com todas as atribulações que passara, acabara dormindo demais e agora estava morta de fome.Afastou os lençóis, sentou na cama e lembrou-se que estava nua. Tinha dormido enrolada apenas na toalha, teria que arrumar alguma coisa para vestir se quisesse sair do quarto para comer.Apalpou a mesinha do lado da cama e achou o castiçal, tateou mais um pouco e encontrou os fósforos. Acendeu as três velas do castiçal e começou a procura
Durante dois longos dias, Beatrice manteve-se isolada. Quando se atrevia a sair do quarto por alguma necessidade premente, voltava rapidamente quando ouvia a voz do “safado” ou de suas mulheres. Seu sangue chegava a ferver cada vez que o via, odiava-o com tanta intensidade que seu corpo tremia de raiva.No entanto, era prisioneira dele e estava impotente diante da situação. As vezes, temia continuar com as provocações e tentativas de fuga, pois não sabia até onde aquele canalha poderia chegar em sua crueldade. Receava ser castigada ou mesmo trancafiada em algum cubículo escuro, como costumavam fazer com os prisioneiros. Só em pensar nisso, um arrepio lhe percorreu a espinha e suas pernas ficaram bambas de pavor.Desde criança tinha medo de lugares fechados e escuros, onde se escondiam insetos asquerosos e ratos horripilantes.Até o momento estava sendo bem tratada, comida não lhe faltava. Mesmo que ela não saísse do quarto, a criada negra lhe trazia todas as refeições
Beatrice se trancou no quarto pelo resto do dia. Aproveitou para terminar a costura que estava fazendo. Como suas anáguas eram amplas e volumosas, resolveu usar todo aquele tecido para fazer um vestido mais simples e fresco, para usar nos dias de intenso calor.O crepe chinês e as rendas de suas anáguas, acabaram por dar um charme todo especial ao vestido que cosia. Com a ajuda de Anastácia e os conhecimentos de bordado que adquirira graças a persistência de sua mãe, a qual, vivia repetindo que uma verdadeira dama tinha obrigação de saber bordar. Cortaram e montaram o vestido, agora Beatrice estava terminando os enfeites de renda no decote.Tomou um banho demorado e refrescante, saiu da banheira e começou a se enxugar. Passou a estudar o reflexo de seu corpo nu, no espelho. O olhar foi atraído para os seios redondos e firmes, para a pele muito branca e sedosa, para os contornos suaves dos quadris... Uma estranha sensação nasceu em seu ventre, ao se lembrar do beijo
Quando chegou a hora do jantar, Beatrice resolveu que iria até a sala, pois se não fosse, era bem possível que esquecessem a sua presença na casa. Os homens deviam estar muito ocupados com as duas espanholas, para se lembrarem dela.Ela é que não iria passar fome, por causa daquelas pessoas. Ah, mas não iria mesmo. Como era obrigada a suportá-los, eles que aturassem a sua presença também.Quando entrou na sala de jantar, notou que Sanchez estava sentado entre as duas mulheres e conversavam muito a vontade. Gabriel estava parado em pé, de frente para a janela e dava as costas ao trio animado. Sua postura ereta, com as mãos entrelaçadas nas costas, sugeria que estava sério e pensativo.Beatrice entrou e só quando chegou ao lado da mesa e puxou a cadeira, foi notada pelo trio que imediatamente parou de falar. Sanchez se levantou e fez uma reverência educada cumprimentando Beatrice, as mulheres a olharam com extrema má vontade e desdém e não lhe deram mais atenção.Mesmo
Ao acordar, Beatrice ficou paralisada na cama. Não era verdade – pensou – não podia ser verdade! Aquilo era um pesadelo! Como ela pudera se submeter àquele homem? Um reles ladrão de estradas, um homem sem eira nem beira, um ser desclassificado, vil!Coberta de vergonha e cheia de indignação, sentou-se na cama. Estava indignada consigo mesma e envergonhada por ter correspondido daquela forma. Agira como um ser faminto diante de um banquete.Inadmissível! Suas ações haviam sido inaceitáveis. Como que ela, uma mulher que aprendera a controlar suas emoções e a duras penas se tornara discreta e ajuizada, podia ter agido como uma vagabunda qualquer, se entregando a um homem que mal conhecia? Um homem totalmente inadequado, para dizer pouco!Quando recordava os momentos passados com ele, não podia se reconhecer. Aquela mulher alucinada de paixão, não era ela. Seu ex-marido sempre dissera que era frígida, incapaz de sentir prazer algum com um homem.E no entanto, “aq