Saio do apartamento e desço até a garagem. Meu carro está onde sempre esteve, como se nada tivesse mudado, mas eu sei que, depois de hoje, nada será como antes. O caminho até o BOPE é automático. O trajeto que tantas vezes fiz sem pensar agora parece uma despedida silenciosa. O prédio surge imponente diante de mim, e meu estômago revira. Respiro fundo antes de sair do carro, sentindo a brisa da manhã contra meu rosto.Assim que entro no batalhão, percebo os olhares sobre mim. Alguns cumprimentos discretos, acenos de cabeça, sussurros contidos. Mas há algo diferente hoje. Uma tensão no ar. Sei que minha ausência gerou perguntas, e minha decisão trará ainda mais.Então o vejo: Leandro está lá, parado, rígido, como uma estátua de tensão prestes a se romper. Sua expressão é dura, impassível, mas seus olhos… seus olhos o traem. Eles carregam uma tempestade silenciosa, um turbilhão de sentimentos que ele não consegue esconder. Sei que ele me preservou, que não revelou a verdade sobre onde es
O dia transcorre em um turbilhão de emoções e despedidas. Preencho a papelada, resolvo os últimos detalhes, e, quando a noite cai, estou exausta. Tudo que quero é chegar em casa e finalmente respirar. Mas, ao abrir a porta, sou recebida por uma cena inesperada.Dante está ali, parado no meio da sala, vestindo apenas uma cueca preta. Meu olhar percorre seu corpo, notando os músculos definidos, a tatuagem no braço, o cabelo ainda úmido de um banho recente. Mas o que realmente chama minha atenção não é isso. É a mesa à sua frente, impecavelmente arrumada. Velas acesas iluminam o ambiente com uma luz suave, e o ar está impregnado com o cheiro delicioso de comida.— O que é isso? — pergunto, franzindo a testa.Ele dá um meio sorriso, casual, como se não estivesse praticamente nu no meio da minha sala.— Bom, se eu vou ter que ser pobre, pelo menos queria aproveitar um pouco do meu dinheiro com você antes disso — ele responde, cruzando os braços, exibindo um ar satisfeito.Meus olhos se est
Meus dedos apertam os dele, e por um instante, vejo o homem por trás da lenda. O Dante que ninguém conhecia. O Dante que não era apenas um ex-traficante ou um líder perigoso, mas alguém que fazia diferença na vida de outras pessoas sem esperar nada em troca.Ele suspira, desviando o olhar para a mesa farta entre nós. Pratos cuidadosamente preparados, aromas deliciosos no ar, a promessa de um jantar que poderia ser agradável se não estivéssemos presos a essa conversa difícil. O silêncio se alonga entre nós, pesado, mas não desconfortável. Preciso falar com ele. Sobre algo que pode mudar os nossos planos. — Dante… — chamo, e ele levanta os olhos. — Eu não vou sair da corporação tão rápido quanto imaginei. Seu olhar se estreita. Ele solta minha mão devagar e alcança um pedaço de pão crocante, mordendo-o sem pressa, como se precisasse de algo sólido antes de responder.— O que você quer dizer com isso?Respiro fundo, sabendo que essa conversa precisa ser direta.— Eles abrirão uma sindi
DanteA água morna escorre pelas minhas mãos enquanto ensaboo os pratos, mas minha mente está longe dali. A dor no ombro pulsa, insistente, lembrando-me de que não estou inteiro. Mas eu não posso fraquejar, não agora. A fazenda exigirá muito de mim, e eu preciso estar à altura, preciso mostrar que consigo, que sou capaz. O pensamento me incomoda mais do que a dor física.Aperto a mandíbula, tentando afastar a preocupação. Não posso expor isso para ela. Ela já tem preocupações demais. Além disso, há outra conversa que me espera, Rafael.Preciso convencê-lo de que mudei, que minha filha estará segura comigo e isso só o tempo irá atestar. Por isso não posso falhar enquanto estiver lá.Solto um suspiro pesado, deixando que a água leve embora, ainda que por um instante, o peso das minhas inquietações.IsabelaA porta do quarto se abre e Dante aparece, poderoso, só de cueca, com um olhar tão sério que faz meu sorriso desvanecer instantaneamente. Ele se aproxima, senta-se ao meu lado com uma
Conflito SilenciosoAo chegar no trabalho, encontro Leandro, seu olhar cravado em mim com um misto de desconfiança e mágoa. Sei que ele percebe o quanto Dante significa para mim, e isso o incomoda. Seu olhar é pesado, carregado de perguntas não ditas e julgamentos silenciosos. Mas não é o momento para confrontos. Deixo que o silêncio fale por nós, ciente de que há feridas que o tempo precisará curar. Mesmo assim, não consigo ignorar o peso daquele olhar, como se cada gesto meu fosse um golpe invisível em algo que ele ainda não conseguiu abandonar. Um nó aperta em meu peito, mas sigo adiante, concentrando-me no que precisa ser feito.Encontro DecisivoA noite cai rápida, e o peso do dia ainda me acompanha quando Rafael chega. Ele atravessa a porta com o semblante fechado, os olhos frios e atentos, como se já esperasse por um confronto. O silêncio inicial é quase sufocante, mas sei que preciso ser direta.— Rafael, obrigada por vir. — Minha voz sai firme, mas não consigo disfarçar a tens
DanteO sábado amanhece cinzento e silencioso. Acordo com uma dor surda no ombro, um lembrete cruel das marcas que o passado me deixou. Massageio a área dolorida enquanto encaro o horizonte além da janela. O peso da decisão que preciso tomar se arrasta em minha mente como um espectro inevitável.Hoje é o dia da partida.A sindicância se aproxima, me cercando como uma sombra. Não posso mais ficar. O risco com os bolivianos é real. Sei demais. Permanecer aqui é como estender o pescoço para a lâmina. E, ainda assim, um pedaço de mim hesita. O que me espera além dessa fuga? O que resta de mim, além da incerteza?Isabela se levanta devagar, me observando em silêncio. Sei que ela percebe a tensão em meus ombros, o olhar carregado de dúvidas que não consigo disfarçar.— Está doendo? — Sua voz suave corta o silêncio com um cuidado que me desconcerta.Assinto, mas não olho para ela.— É mais o peso do que vem pela frente. — murmuro, sentindo os ecos de um futuro incerto pressionarem meu peito.
DanteDirijo pela estrada, a mente um redemoinho de dúvidas e lembranças. As palavras de Isabela ecoam, misturadas com a imagem das fotos de Alice, ainda bebê, os olhos grandes e curiosos, o sorriso puro que congelava o tempo. Deixá-las para trás seria como abandonar um pedaço da minha história. O peito aperta, um nó se forma na garganta.Quando a bifurcação que leva à casa de praia se aproxima, minha decisão já está tomada, antes mesmo de virar o volante. Desvio, guiado por um impulso incontrolável, uma necessidade visceral de segurar um fragmento do passado antes que tudo se apague. Mas a cautela grita. Não vou pela frente. Não sou ingênuo.Estaciono o carro distante, engolido pelas sombras densas das árvores. O motor morre em um sussurro, e o silêncio da mata me engole. Saio devagar, os passos medidos, cada folha sob meus pés um aviso, cada som amplificado pelo receio. O coração pulsa forte, um tambor no peito, enquanto sigo margeando a mata, o olhar atento a cada movimento, cada so
DanteO silêncio de Isabela pesa do outro lado da linha. Sei que ela está processando minhas palavras, tentando encontrar um jeito de me convencer a não fazer isso. Mas não há mais volta.— Não há o que pensar. Eles foram atrás de Ronilson e meu irmão será o próximo da lista, é questão de tempo. E o boliviano costuma resolver seus problemas pessoalmente, é ele quem está lá na casa, a minha espera e eu vou me armar até os dentes e volto para acabar com ele. Minha voz sai firme, mas por dentro, uma tempestade se forma.Fecho os olhos e sou tomado por um turbilhão de lembranças. Rafael, ainda adolescente, apontando o dedo no meu peito, a raiva estampada no rosto.— Você quer ser como ele, Dante? Como nosso pai? Um fantoche de criminoso?Eu ri. Sempre ri da seriedade de Rafael. Mas, no fundo, sabia que ele estava certo. Eu só não quis ouvir.Outra memória surge. Ele, já adulto, segurando meus ombros com força, os olhos carregados de decepção.— Eu tentei te salvar, irmão. Mas você escolhe