Mariana
Minha consciência retornou de súbito, juntamente com as memórias aterrorizantes do que eu havia feito. Do que Zaria me obrigara a fazer.
Ergui o tronco bruscamente, dividindo meus pensamentos entre o alívio por retomar o controle de meus próprios movimentos, com a confusão por não saber onde eu estava nem como tinha ido parar ali. Enquanto percorria os olhos pelo que parecia um casebre de madeira, tentei recordar dos últimos acontecimentos. Eu tentando matar a Sofia... péssimas lembranças... ela me atacando com algo que parecia gelo e eu revidando com alguma coisa parecida com fogo... o choque dos dois, o tremor, tudo vindo abaixo... e a escuridão. Agora, eu acordava naquele lugar desconhecido. Olhei para baixo, vendo-me sobre cobertas que cobriam um chão
Sofia Logo que meu corpo se chocou contra o chão, eu sequer me dei tempo de sentir as dores do impacto e, em um só impulso, me levantei. Daniele fez o mesmo. Porém, enquanto eu ficava parada, tentando me situar nos últimos acontecimentos, ela andava de um lado a outro, nitidamente tentando reencontrar a passagem para retornar a Atar. Compreendendo a situação, eu enfim disse algo: — Não adianta, está fechada. — Precisamos voltar. Precisamos voltar agora! Precisávamos. Eu sabia disso. Mas também sabia que não era agindo como duas desesperadas que conseguiríamos. Sendo assim, precisei forçar todo o meu lado racional e ser enérgica para me fazer
“Quando o mal tentar dominar Atar,duas jovens guerreiras de gênios e energias opostas,vindas de outro mundo, trarão de volta a paz e o equilíbrio” O belíssimo animal de crina castanha parou diante do paredão rochoso do que parecia apenas mais uma montanha como todas as outras. Os pés de Morgan, calçando botas de montaria, tocaram o solo e ela acariciou o cavalo, enquanto hesitava diante do que estava prestes a fazer. Mesmo sendo aquela uma rotina que repetia religiosamente a cada vinte dias no decorrer dos últimos dezoito anos. Desamarrou a grande e pesada sacola de pano que trouxera presa ao corpo do animal e olhou para a montanha, pensativa. Estava frio e um forte vento gelado
SofiaEu às vezes reclamava da rotina, até que chegou o dia em que tudo o que eu mais desejei foi que as coisas continuassem da forma como estavam. O dia em que voltei da escola e não fui recebida por um “Acabei de limpar o chão, tire esses sapatos antes de entrar!”; em que o cheiro delicioso do almoço não invadiu as minhas narinas; em que não dei o costumeiro beijo no rosto da minha mãe, precedido por um “cheguei!” de minha parte e seguido por um “Como foi na escola hoje?” da parte dela. O dia em que sofri a maior dor da minha vida e que descobri que precisaria reaprender a viver, sem a minha mãe ao meu lado.Tinha sido tudo absolutamente repentino. Era dia de folga dela e, por isso, decidira tirar a manhã para organizar os armários da cozinha, que estavam todos uma bagunça. Saí para a escola e, quando voltei, a enc
MarianaUau, uau, uau... mil vezes uau!Eu tinha mesmo feito aquilo? Tinha salvado a vida de um gatinho?Eu o abracei com força, sem nem me preocupar com o fato de ser um bichano que eu ainda não conhecia o temperamento (e se ele fosse arisco? Gatos, na maioria das vezes, não são muito adeptos a abraços, ainda mais de desconhecidos). Para a minha sorte, ele continuou bem quietinho, e compreendi, naquilo, que também devia estar feliz. Porque a vidinha dele tinha sido salva.Meu Deus, eu era uma super-heroína!Aliás, não apenas eu! Era incrível, mas o outro gatinho tinha sido salvo pela Sofia! Animada, fui até ela, olhando atenta para os dois lados antes de atravessar a rua. Percebi que ela parecia meio tensa, meio aérea, e isso me preocupou.— Você tá bem? — perguntei, parando diante dela.Sofia movim
Sofia Gatos não somem no meio do nada. Admitir tal acontecimento seria o mesmo que dar razão aos devaneios insanos da Mariana sobre animais mágicos abrindo portais para mundos desconhecidos. E eu era inteligente demais para concordar com as ilusões infantis da louca da enteada do meu pai. Porém, uma das características do ceticismo era a de não acreditar em nada que seus olhos não pudessem ver. O que, em contrapartida, tornava o oposto disso verídico: devíamos acreditar no que os ol
Mariana Acho que eu nunca tinha sido tão paparicada em toda a minha vida. De verdade, sentia-me como uma princesa sendo cuidadosamente preparada para um baile real. Tinham nada menos do que quatro moças ao meu redor, cuidando das minhas vestes e do meu cabelo, como se eu fosse uma estrela de cinema prestes a entrar em um palco para receber um grande prêmio. Só que não havia maquiagem, vestido de gala nem nada nem de perto parecido. Como Cian havia dito, éramos guerreiras, e era assim que eu estava sendo prepara
Sofia— Será que ele vai ficar bem? — Mariana choramingou, enquanto se sentava ao meu lado.Depois do ataque no qual Enki acabou ficando para trás, ainda seguimos durante horas, parando apenas mais uma vez para um rápido descanso de menos de trinta minutos e para comer alguma coisa. Compreendia o motivo de tanta pressa: logo que a noite caiu, nós precisamos parar. Estava cedo demais para dormir, mas a escuridão nos impedia de insistir naquele caminho. E, ainda que não fosse por isso, estávamos exaustos. Os demais não demonstravam tanto, mas Mariana e eu tínhamos chegado ao limite do cansaço. Imaginei que ela provavelmente estaria ainda pior do que eu, já que não estava acostumada a andar a cavalo.Uma fogueira foi acesa e, ao redor dela, abrimos umas espécies de sacos de dormir que levávamos em nossas sacolas. Como está
SofiaApesar de situações e cenários muito diferentes, aquela era a segunda vez que eu presenciava um enterro.Dessa vez, não havia um corpo ali. Era apenas uma cerimônia simbólica. Enterramos o anel de Enki, a única “parte” dele que chegara até nós. Seu corpo deveria estar jogado em algum lugar no meio daquela floresta maldita, naquele mundo insano o qual ele estivera incumbido de proteger.Pensei no quanto a morte dele tinha sido em vão. Ele ficara sozinho para que pudéssemos ganhar tempo e continuar avançando. Mas ali estávamos nós, parados, passando algum tempo a fazer um enterro simbólico de alguém que deveria estar vivo, seguindo adiante ao nosso lado. Com a atitude supostamente inteligente, também acabamos deixando para trás os cavalos – que foram soltos e enxotados pelos inimigos &ndash